Luanda - No entanto, os episódios sucediam-se dia após dia entre as forças militar da UNITA e do Governo, até rebentar a guerra no dia 30 de Outubro. Rui Filipe, um articulista, escreve sobre o cenário que presenciou nesse dia: “os Polícias continuavam reféns da UNITA. As tropas de elite das FALA, com boinas vermelhas, cercaram parte da zona da Mutamba até ao Baleizão. Os Anti-motim estavam expectantes, nos seus veículos de piso baixo, fora do cerco, no antigo largo Dom Afonso Henriques”.

Fonte: Club-k.net

INICIAVA-SE A GUERRA…

“Parecia que a guerra havia recomeçado mesmo ali”, referiu Rui Filipe, recordando que a Polícia estava furiosa com a prisão dos seus efectivos pela UNITA. Mantendo-se o impasse, um carro preto com polícias vem do Comando Geral perto da Livraria Lello, em direcção à então bomba de combustível e vai até perto do Hotel Turismo. As tropas da UNITA reagem e começam um fogo cruzado de metralhadoras e morteiros”.

 

A acção militar da UNITA era para vir de Caxito, onde estavam as suas tropas de elite e foi para lá que todos tentaram fugir quando as forças armadas governamentais reagiram. “O MPLA não está a ganhar, o MPLA não pode ganhar as eleições, se ganhar, nem daqui a 50 anos abandona o poder”, ouvia-se na Rádio Vorgan a voz amargurada de Savimbi na madrugada do dia 30 de Outubro de 1992, recusando a segunda volta das eleições presidenciais.

LUANDA ACORDA DEBAIXO DE BANHO DE SANGUE

Manhã de sábado (31-10). Os combates já duram um dia. Na periferia de Luanda ouvem-se intensos tiroteios de metralhadoras e rugir de morteiros vindo do centro da cidade sobretudo da zona Baixa de Luanda, bairro Miramar, São Paulo, entre outros. Militares e apoiantes da UNITA, por um lado, a Polícia Anti-motim, Polícia de Intervenção Rápida (PIR) e algumas milícias, pelo lado governamental, digladiam-se pelo controlo de Luanda.

 

Durante três dias de confrontos sangrentos, as ruas de Luanda transformaram-se em um gigante cemitério a céu aberto: morreu muita gente e havia cadáveres por todos os lados. O MPLA aceitara uma estratégia dias antes: distribuiu armamentos à população civil nos bairros, formando pequenos grupos que passaram a chamar-se Defesa Civil.

 

Embora a Defesa Civil tivesse desempenhado um papel fundamental na protecção da população contra as forças inimigas, mas também acabou se transformando um autêntico esquadrão da morte, pois teve a missão de fazer buscas de casa a casa a possíveis potenciais militantes da UNITA e da FNLA ou outro partido da oposição. Acção que viria a dar lugar ao aniquilamento físico de milhares de pessoas inocentes.

 

As vítimas eram fuziladas nas suas próprias residências, as vezes na presença dos familiares e vizinhos, ou eram levadas em parte incerta da cidade e depois eram executadas. Muitas dessas execuções os famílias desconhecem, até hoje, os lugares onde foram sepultados os copos dos seus entes queridos.

 

Há também registos de perdas de vidas de pessoas que teriam sido atingidas por uma bala perdida. “Estava-se mesmo perante um acto bárbaro semelhante ao do 27 de Maio”, recorda melancólico António Marcolino que perdeu o pai e um tio durante os confrontos de 1992. António tinha apenas 20 anos na altura e lembra que seu pai, Adriano Marcolino, e seu tio, Paulo Sebastião Moisés, ambos foram acusados injustamente de pertencerem à UNITA.

 

Segundo os depoimentos deste jovem, seu pai na vã tentativa de salvar a vida, refugiou-se em casa de uma irmã, mas alguém parece o teria denunciado e foi imediatamente localizado por um grupo de homens armados pertencente à Defesa Civil. Antes, torturaram-no e de seguida disparam-no um tiro da cabeça. Enquanto isso, o seu tio havia sido detido por um outro grupo e foi levado até às imediações da fábrica Testang II, no bairro do Kicolo, onde foi fuzilado. O corpo da vítima foi encontrado pelos familiares entre centenas de cadáveres horas depois.

 

“Certamente aquelas buscas se trataram de ajustes de contas e não por supostamente serem militantes da UNITA”, diz António, lamentando que, “hoje os assassinos do seu pai e do seu tio continuam impunes do crime que cometeram”.

 

Filomeno Vieira Lopes, actual líder do Bloco Democrático, partido da oposição, citado pela DW África qualificou o “massacre de 30 de Outubro de 92” de assassinato surpresa. “Foi naturalmente um dia horrível. Estava-se a discutir a paz”, disse, sublinhando que lembra-se bem da data que interrompeu o processo de paz em Angola.

Lopes estava fora de casa quando começaram os bombardeamentos. Foi apanhado de surpresa, sobretudo numa altura em que se tentava encontrar soluções políticas para o problema. “Matava-se tudo. Matavam-se todos os que tivessem alguma ligação com a oposição”.

*Continua…