Luanda - Sou admirador do Dr. William Tonet, para mim e muitos, é campeão dos pesos pesados da política e sociedade angolana de forma geral, e tem autoridade para falar sobre qualquer tema no que Angola diz respeito... respeito e conheço. No entanto, devo, muito educada e respeitosamente discordar da opinião do Dr. William, com relação o FMI e as medidas que vêm sendo tomadas, e eis o porquê.

Fonte: Club-k.net

Devo começar por dizer que em economia, assim como na vida, não existem opiniões certas ou erradas, só existem decisões certas ou erradas. A opinião do Dr. William Tonet (WT), é certa, porque ainda não transitou para pratica, uma vez posta em prática, certamente saberíamos se é certa ou errada em função das suas consequências - mas vamos analisar as possíveis soluções propostas por WT, a ver se vingariam na prática.

A adesão ao Fundo Monetário Internacional (FMI).


1. Em 11 de Junho de 2015, José Eduardo dos Santos (JES), em visita a China tentou negociar uma moratória de pelo menos 2 anos, no pagamento da dívida e a concessão de novas linhas de créditos. Em troca, a comunicação social noticiou, que a China pediu e Angola concedeu 500mil hectares de terra, com água, localizada na província do Cuando Cubango, aos chineses. Ainda como parte desta linha de créditos estimada na altura em $25 mil milhões, as transações seriam feitas em Yuan e não USD. A Comunicação social, a sociedade civil, incluindo o nosso querido Dr. Fernando Macedo acusou JES, de crimes contra a segurança do estado. A Oposição incluindo o Dr. William Tonet, criticaram a visita do então PR a China e Emirados Árabes Unidos, pedindo esclarecimentos sobre as negociações. Sob pressão, JES recua e todas as medidas discutidas "ficaram no barulho" como diz-se na gíria. Agora já concordamos que seria esse o caminho a seguir?


2. Na sequência dos contornos que deu a operação LavaJato, envolvendo altas figuras do poder político angolano e brasileiro, o Brasil suspendeu a linha de crédito para Angola. Em 05 de Novembro de 2016, Governo Angolano, pede esclarecimentos ao Brasil sobre suspensão da linha de crédito. Em Fevereiro de 2018, Angola assina um novo memorando entendimento com o Brasil, este novo acordo, serve para desenvolver projectos de infraestrutura, produção de energia e polo agroindustrial de Capanda, entre outros. O Brasil claramente, já não tem vontade política, nem condições financeiras para apoiar Angola em todo um processo de reconstrução como outrora... Angola, também já não representa motivo de atração para investimentos brasileiros.


3. Sobre o Israel, é importante dizer que a dívida de Angola, de perto $ 3 mil milhões, não é com estado israelita, mas com bancos e outras entidades privadas, o único valor que Angola deve ao estado de Israel é $250 milhões. No entanto, vale contar Israel como terceiro maior devedor no acumulado total das origens dos créditos de Angola.

O que esta na base da falta de atração de Angola?


A. A dívida de Angola cresceu exponencialmente de 2010 para 2019, com grande incidência para o período de 2014 a 2017, tendo a divida passado de 35% do PIB para aproximadamente 80%. Uma das razões que levou a esse crescimento da divida face o PIB é a quebra das receitas petrolíferas, no entanto não é a única razão, a outra grande razão é que os extravios, levaram com que valores, direcionados para amortizar a divida, tomassem outro rumo, o país deixou de amortizar dividas e contraiu mais dividas internas, um dos casos mais escandalosos e mediático associado a falta de pagamentos de dividas foi a falência do Banco Espirito Santo Angola (BESA), como é do conhecimento de todos este caso dispensa quaisquer comentários. A falta de pagamentos de dividas por parte do estado não só levaram a falência o BESA, como o banco foram muitas outras empresas nacionais e internacionais, forçando empresários estrangeiros a abandonarem o país, largando investimentos milionários e outros mesmos burlados, viram-se forçados a salvar a própria vida em retirada para as suas terras. A questão é: aonde foi o dinheiro para amortização dessas dividas? Certamente saíram dos cofres do estado, só não foram para amortizar dividas.

B. Conforme o PIB, assim também foi com as Reservas Internacionais Líquidas (RIL), registaram uma queda de mais de 50%, no período entre 2012 até 2017. Isso porque o estado, através do BNA, fixou a taxa de câmbio Kwanza/Dólar, ao tomar esta decisão o BNA usava das RIL para equilibrar a procura e oferta de divisas, injectando através de leilões dólares ao mercado e comprando kwanzas, associado a isso a baixa do «crude», reduziu as receitas do estado em dólares, provenientes dos impostos sobre o rendimento do petróleo.


Importa também mencionar 2 outros acontecimentos de grande impacto para nossa economia:


C. Baixa do preço do petróleo nos mercados internacionais, reduziram as receitas petrolíferas em 2014. O petróleo corresponde a 90% das nossas exportações e peca o Dr. William Tonet ao assumir que as receitas do Estado ou de Angola provenientes do Petróleo, é igual a sua produção total (ou seja 1.400.000 bpd x $61). Dos petróleos, o estado como em qualquer outra actividade econômica e comercial, só recebe os impostos, nesse caso específico Imposto Sobre o Rendimento do Petróleo (IRP), fixo em 30%. A produção total ou a sua venda é partilhada em função dos acordos de produção firmados entre a concessionária (hoje ANPG) e as operadoras petrolíferas nacionais e internacionais. É com estes impostos provenientes do petróleo e gás, que o estado concebe o Orçamento Geral do Estado.


A ANPG como concessionaria, tem rendimentos a partir dos acordos de partilha e produção e A Sonangol por ser empresa publica, tem obviamente rendimentos provenientes dos blocos onde opera ou é parceira, e é com os rendimentos (ou petróleo) destas duas entidades que o estado amortiza os empréstimos com os diversos parceiros económicos, como é o caso do empréstimo da China. Tanto estes rendimentos diretos das duas entidades acima, como os impostos provenientes do petróleo, reduziram por conta da baixa do preço do crude e quebra na produção, conforme passamos a explicar abaixo.


Todo bloco petrolífero, tem um ciclo de vida, e muitos dos nossos blocos e poços nos diferente campos de produção, vão atingindo maturidade, assim sendo, baixa do preço não é única razão para o declínio no rendimento proveniente do petróleo, o ciclo de vida normal dos poços, os fracassos do «Kwanza Bacin» ou seja «Bacia do Kwanza» e a falta de licitação de novos blocos no período que foi entre 2015 e 2018, também estiveram na base desta falta de aumento das receitas petrolíferas.
D. O bloqueio de acesso aos dólares impostos pelos bancos americanos a economia angolana, acusada de dar cobertura a financiadores de terrorismo é outro dos factores que não podem deixar de ser considerados quando analisamos a situação económica actual do país. Seguido a isso o Banco Central Europeu (BCE) retirou o estatuto de supervisão do BNA, em comparação com os bancos centrais da zona euro, desqualificando o BNA como não sendo um verdadeiro banco central, devido a falta de autonomia do BNA vis-à-vis do executivo. Aos olhos do BCE e outros bancos centrais europeus o BNA é um mero departamento do executivo, que o torna imparcial, sem isenção e sem autonomia.

Onde estão os maiores credores de Angola (China, Brasil e Israel)?


Após analisado alguns dos principais factores que contribuíram para a falta de atractivdade e a recessão económica do país, conseguimos perceber melhor em que contexto o FMI entra em Angola, vamos prosseguir com a análise da análise. A verdade é que com ou sem investimento chines, já em 2004 as recomendações impostas hoje pelo FMI foram as mesmas, eram necessárias e continuam validas hoje, e seriam melhor afrontadas se a nossa situação económica não fosse a que é.


Actualmente, dada falta de atractividade e segurança econômica, os mesmos parceiros outrora interessados (embora já pouco depois de 2014) perderam o interesse total, e não estão dispostos a emprestar mais para Angola, alias quem estaria disposto a emprestar dinheiro para alguém cuja dívida esta acima da margem legal de 60%? e é 90% da sua renda (PIB)? A China claramente se negou fazer, o Brasil até reabriu a linha de crédito, mas com um escopo bastante específico e o Israel? Esse com a quebra das nossas RIL... sabem o quanto é arriscado fazê-lo, por serem empresários e não o estado.

Como surge e quem é o FMI? Pode o FMI coexistir com outros credores?


Surge então mais uma vez o FMI (Fundo Monetário Internacional), só que dessa vez, como único parceiro fiável para Angola. Ao contrario do que muitos pensam o FMI não é uma agencia de concessão de créditos ou não é equivalente à um banco de importação e exportação chines ou americano, o FMI é uma organização internacional criada em 1944 na Conferência de Bretton Woods (formalmente criada em 27 de dezembro de 1945 por 29 países-membros e homologado pela ONU em abril de 1964) com o objetivo, inicial, de ajudar na reconstrução do sistema monetário internacional no período pós-Segunda Guerra Mundial. Os países contribuem com dinheiro para o fundo através de um sistema de quotas a partir das quais os membros com desequilíbrios de pagamento podem pedir fundos emprestados temporariamente. Através desta e outras atividades, tais como a vigilância das economias dos seus membros e a demanda por políticas de autocorreção, o FMI trabalha para melhorar as economias dos países.


Em outras palavras o FMI é uma agência de vigilância económica que tem como objectivo ajudar os seus membros com políticas económicas de autocorreção e empresta aos seus membros com o propósito de corrigir desequilíbrios de pagamentos. Assim sendo, não podemos de forma alguma comparar o FMI com um megabanco, ou um governo chines ou brasileiro, nem com empresários israelitas – sendo que o FMI não é concorrente chines, a coexistência na economia é possível. Já em 2004 precisávamos do FMI independentemente de ter recebido um mega empréstimo da China, hoje precisamos muito mais, dado os crimes económicos, vícios e problemas todos que o país enfrenta. A verdade é que o estado angolano sempre fintou o FMI, e ignorou as recomendações feitas, porque não dependíamos deles financeiramente, hoje sem outras alternativas, temos de cumprir com as exigências do FMI.


Se o rácio da nossa divida sobre o PIB, estivesse abaixo do limite legal (60%), o FMI não teria quaisquer oposições a empréstimos provenientes da China, ou outros parceiros, alias a linha de crédito Brasil-Angola, restabelecida é um exemplo disso. O FMI não teria se limitado a emprestar 3,2 mil milhões de dólares, se o nosso rácio da divida sobre o PIB estivesse a este nível... O FMI pode e empresta mais, um bom exemplo é a Argentina que acabou de receber o maior pacote de resgate que o FMI alguma vez concedeu no valor de 50 mil milhões de dólares. Trata-se dum país que se reformou bastante, para ter beneficiado de tamanho empréstimo.

Quem é o culpado da situação económica do país?


Na verdade, sou dos poucos que nunca se interessaram em mergulhar no debate de apontar dedos, em meio as minhas intervenções, mas é importante não nos silenciarmos diante daquilo que consideramos injustiça. Não foi JLO (João Lourenço) o culpado da situação económica do país, JLO governa o país a pouco mais de 2 anos, e sim sempre foi parte do partido, mas assim quase todos os angolanos foram cúmplices, por se silenciarem diante manobras do partido, e todos sabemos que JLO ficou desde 2003 (um ano antes da assinatura dos acordos de paz em 04 de Abril de 2004) fora da direção do partido e do governo, tendo regressado em Abril de 2014 (11 anos depois), como ministro da defesa, para posteriormente, em 2016, concorrer como candidato do MPLA para as eleições presidenciais e gerais.


A primeira dama da republica de Angola, sempre esteve no governo mas a sua passagem pelo governo, lhe valeram os cargos de vice-presidente do Conselho de administração do Comitê de Ética e do Comitê de Recursos Humanos, entre 2014 e 2015, e Diretora Executiva do Conselho de administração do Grupo do Banco Mundial, em representação do círculo eleitoral de Angola, Nigéria e África do Sul. Como chefe do Ministério do Planejamento de Investimentos, foi responsável pelos programas de desenvolvimento da Província de Benguela.

Foi diretora nacional e coordenadora da Reabilitação de Infraestruturas dos projetos financiados pelo Banco Mundial. Foi duas vezes presidente do Conselho de Ministros da SADC, como Governadora de Angola para o Banco Mundial e coordenadora nacional dos fundos do FED.


Não foi o FMI, o culpado da situação económica do país, o FMI não institucionalizou a corrupção em Angola, não recomendou a acumulação primitiva de capitais, não foi o FMI que recomendou a fixação da taxa de cambio até dar cabo das RILs, não foi o FMI que recomendou o endividamento desenfreado de Angola até romper o limite legal estabelecido, mas o FMI tem todo direito de exigir algumas medidas, se vai injectar dinheiro em Angola, para duma vez por todas acabarmos com o mal que vive o país.


Culpados somos todos nós que hoje corajosamente nos pronunciamos publicamente sobre todos estes temas, hoje somos revolucionários cibernéticos, somos políticos do WHATSAPP, e falamos abertamente sobre violação de direitos quando outrora nos mantivemos calados. Neste capítulo devo abrir uma excepção para todos aqueles que sempre e abertamente se pronunciaram em prol do bem maior, sendo um deles o WT. O Dr. William não só se pronunciou como também activamente participou do processo de tentativa de paz, durante a guerra civil que assolou o país durante anos e acho injusto não ser reconhecido pelo Presidente da República pelos seus feitos, tanto no contributo pela paz, como na luta contra corrupção, assim com foi feito com Rafael Márquez.

Que fazer para melhorar a economia Angolana?

Na minha publicação anterior sob o tem «Que medidas adoptar para o crescimento da economia angolana?» enumerei algumas medidas a serem aplicadas, mas nunca é demais reforçar que para sairmos do buraco onde nos encontramos devemos apoiar a coragem e iniciativa do Presidente da República em tentar fazer diferente, só erra quem tenta, e é mais fácil seguir o curso do rio do que remar contra mare, mesmo sendo essa a direção certa. Não penso que a nova administração deve ser isolada de críticas, mas mais importante do que criticas é apontar solução quando não concordamos com a medida adoptada (como o Dr. William Tonet fez), e não buscar culpados. Angola corria um risco sério, de ter no actual presidente, um continuador da filosofia de governação que norteou o país durante anos, por isso, só por tentar fazer melhor, ainda que fracasse JLO entrará na história por isso. Tentar inverter um sistema de 30 anos, em 2 anos, não é uma tarefa para qualquer um, e é um percurso repleto de armadilhas e erros, certamente não é uma tarefa que esperávamos ser levada a cabo por JLO uma vez que também foi parte do mesmo partido, mas tem mérito JLO por tentar corrigir a historia do pais e o tempo o julgará, creio que positivamente.


A solução do país passa pela industrialização, passa por deixarmos de ser um país exportador de matéria prima, para exportador de produtos acabados. A Indústria é o sector económico que emprega, o que quer dizer que com a industrialização vem o emprego, e com o emprego melhores condições de vida. Para industrializarmos o país, temos de ter infraestruturas básicas (água, energia e estradas), para estas infraestrutura (embora muito investimento foi feito nos últimos anos e vem sendo feito) precisamos de mais empréstimos, e empresários interessados a investirem em Angola, para esses empréstimos serem concedidos e os empresários estrangeiros investirem na nossa economia, precisamos recuperar a nossa atractividade. No final do dia, é o que todos angolanos queremos, a grande questão é: se estas medidas são as mais adequadas? Nem todas, outras poderiam ser aceleradas e outras, porém poderiam ser diferentes. Como a entrada em vigor do IVA, talvez o valor inicial poderia estar abaixo dos 10%, talvez agora deveríamos certamente reduzir o imposto industrial, já que queremos atrair investimento e criar mais empregos.


Não acredito que JLO, esteja sentado encima de financiamentos chineses e se recusa aceitá-los, a favor da situação actual e em detrimento da sua popularidade. Não acredito que JLO tendo conhecimento de um caminho mais fácil, tenha optado por essas medidas severas, com objectivo de penalizar a população. Assim como não acredito que JLO, não tem noção do que faz e aceita desenfreadamente toda proposta feita pelo FMI, ainda acho prematuro para julgar, até porque muitos são os indicadores de que caminhamos na direção certa. Estaria mais preocupado se estas medidas fossem propostas pela China, envés do FMI. Todos queremos o melhor, e tenho a certeza de que chegaremos lá, até descobrirmos o melhor caminho para este objectivo comum – haja calma e tranquilidade.

Até breve, Adilson Paulo