Maputo  - A Comissão Nacional de Eleições (CNE) iniciou, na semana passada, a requalificação dos boletins de voto que foram considerados inválidos pelos membros das mesas de voto, durante a qualificação ocorrida nas assembleias de votos. Milhares de boletins de voto que foram considerados nulos, nas circunstâncias referidas, apresentam evidências de que foram invalidados pelos membros das assembleias de votos, para reduzir os votos dos candidatos e partidos da oposição.


Fonte: Canalmoz


Requalificação dos boletins de voto trás provas de fraude

 
Os boletins que são requalificados são tratados província por província e dentro destas, um distrito de cada vez, de modo a que os votos válidos possam ser correctamente adicionados a cada distrito. As quantidades dos boletins requalificados pela CNE são enormes. O processo de requalificação está aberto a assistência da imprensa e dos observadores nacionais e internacionais. O Canalmoz pôde assistir.

 

Observámos e há uma particularidade. A maioria dos boletins nulos, são de candidatos da oposição, Afonso Dhlakama e Daviz Simango e seus partidos Renamo e MDM, respectivamente.

 

O boletim sobre o processo político em Moçambique, da última sexta-feira tem uma análise sobre os boletins nulos, onde sugere que “há indícios de viciação de boletins de voto, e portanto de fraude cometida por membros da mesa de votação”.

 

“Um exemplo que já foi largamente relatado, e ocorreu pelo menos nas últimas três eleições, é que alguém na mesa de voto põe uma impressão digital extra num voto da Renamo, para parecer que o eleitor votou por dois candidatos diferentes e invalidar assim o voto”, escreve a publicação da organização da União Europeia AWEPA editada conjuntamente com CIP, uma organização moçambicana.

 

Falando de caso específico de boletins vindos de Alto-Molócue, na Zambézia, constata-se que “uma série de boletins de voto tinha sido marcada para Afonso Dhlakama, ou com uma cruz ou com uma impressão digital. Imediatamente acima, no espaço do presidente incumbente Armando Guebuza, alguém tinha acrescentado outra impressão digital. Isto continuava em boletins sucessivos. Muito claramente tinha sido aposta a mesma impressão digital para marcar Guebuza dando a impressão que os eleitores em causa tinham tentado votar por dois candidatos”, refere o boletim.

 

Outra modalidade de fraude que aparece a nu, nas requalificações da CNE, escreve a AWEPA. “Em votos para o assembleia em Quelimane, onde um conjunto de 175 boletins eram todos para a Frelimo e todos obviamente válidos. Depois de uma breve discussão foi decidido que os votos eram válidos e tinham de ser aceites. Mas parece provável que, quando os boletins estavam a ser colocados nos sacos de plástico, às 3 da manhã e no escuro de alguma mesa de voto, alguém simplesmente pegou numa mão cheia de votos da Frelimo e meteu-os no saco dos votos nulos. Nunca ninguém pode saber porque votos válidos não são verificados de novo, mas boletins de voto válidos, dentro do saco dos nulos, certamente serão contados – e assim estes 175 boletins de voto foram provavelmente contados duas vezes”, lê-se no boletim editado por Joseph Hanlon e Adriano Novunga.

 

Continuando, o Boletim sobre o processo Político em Moçambique refere que “o problema é que os nulos chegam em sacos de plástico que identificam a mesa de voto, mas há pessoas que abrem os sacos e arrumam os nulos em grandes pilhas, despejando os sacos no chão. Não há nenhuma maneira de ver donde veio um determinado monte de boletins de voto”, escreve a AWEPA/CIP.

 

Os boletins do Alto Molócuè eram suficientemente evidentes para ter sido possível identificar a impressão digital e se a mesa fosse identificada só era preciso pedir algumas impressões digitais - 7 membros das mesas, 2 delegados de partido e alguns jornalistas e observadores que tivessem estado presentes. – para saber quem tinha cometido o crime. Mas fora do seu saco, não há maneira de identificar a mesa de voto. O mesmo se passa com os 175 votos extra.

 

Assim, os membros corruptos da mesa de voto podem ter a certeza de que a localização dos seus actos nunca será seguida e eles não podem ser identificados. Por outras palavras, a fraude funciona”, diz a AWEPA, o boletim de parlamentares europeus.

 

Má conduta de novo na Ilha

 

Tal como aconteceu no ano passado, escreve o Boletim que temos vindo a citar, tem havido vários relatos de má conduta na Ilha de Moçambique nas eleições, incluindo um certo número deles referindo enchimento de urnas:


Uma assembleia de voto fechou as portas durante a tarde e quando reabriu foi possível ver membros das mesas colocando boletins de voto na urna.

 

Noutra mesa de voto, durante a contagem, um membro do pessoal foi visto a marcar nomes no caderno eleitoral para aumentar o número oficial dos que votaram e permitir assim contar mais boletins de voto.

 

Num caso, os membros da mesa de voto que procediam à contagem, depararam-se com um molho de boletins que ainda estavam colados, como se tivessem sido tirados da caixa de boletins de voto num maço. Sem comentários, o presidente da mesa separou os boletins e depois contou-os.

 

Várias mesas de voto foram vistas com delegados da Frelimo em vez de membros das mesas de voto a controlar a porta e a decidir quem ia votar.


Há ainda um certo número de relatos de confusão, aparentemente intencional, a ser criada nas filas, especialmente de idosos (que se acredita votarem mais pela Renamo) a serem empurrados para fora das filas e mandados para casa.


Os relatos de má conduta na Ilha de Moçambique nestas eleições são muito semelhantes à má conduta generalizada que se verificou aqui nas autárquicas, no ano passado.

 

Alice Mabota duvida da legitimidade das eleições de 28 de Outubro 
 


 Alice Mabota, na sua qualidade de membro do Observatório Eleitoral, disse sábado na Beira, que duvida destas eleições. “Confesso que tenho muitas dúvidas se as eleições moçambicanas foram livres, justas e transparentes”. A presidente da Liga dos Direitos Humanos esteve na Beira na companhia de Brazão Mazula, que foi o primeiro presidente da CNE (Comissão Nacional de Eleições) a fim de procederem à entrega dos resultados eleitorais da contagem paralela efectuada pelo Observatório Eleitoral que deixa clara a percepção de que à medida que se afasta de Maputo o entendimento sobre o processo eleitoral pode ser outro.

 

Questionada pelo Canalmoz sobre a leitura que faz sobre as eleições do passado dia 28 afirmou: “É muito difícil fazer comentários. Enquanto estive em Maputo eu não tinha uma percepção sobre as eleições. Quando cheguei às províncias a minha percepção é já outra. Eu preciso reflectir muito sobre aquilo que vi e ouvi. É muito triste. É preciso fazer-se um trabalho grande para que no futuro as eleições em Moçambique sejam transparentes, o que significa que todos os processos que estão à vista e que são percebidos por toda a gente.

Que sejam livres, quer dizer, para que toda a gente tenha liberdade de escolher o partido que quer e votar em quem quer. E que sejam justas, no sentido de que a justiça tem que ser igual para todos.”

 

Neste momento, conforme disse, “eu confesso que tenho muitas dúvidas se as eleições moçambicanas foram livres, justas e transparentes. O que posso garantir é que foram ordeiras, o que significa que as filas decorreram de uma forma aceitável, as pessoas foram depositar o voto de uma maneira aceitável, não houve perturbações. Mas quanto a transparência, a justeza e liberdade, eu tenho muitas dúvidas”.

 

O que terá visto nas províncias?, eis uma outra pergunta do nosso repórter.
“Eu vi que houve muita viciação de votos. É com muita tristeza que assisti a isso. Quer dizer, se eu ganho o poder através de um vício eu teria vergonha. Como sabem, eu sou sempre envergonhada. Só não tenho vergonha de dizer o que me vem na alma. Mas eu teria vergonha”, sustentou.

 

Recorde-se que Mabota esteve recentemente no centro de vários comentários quando num encontro tido entre o ex-presidente Joaquim Chissino e juristas ela afirmou que não votaria na Frelimo. Tal aconteceu quando terminado o discurso, Chissano pediu aos presentes para apresentarem as razões de eles, querendo, votarem na Frelimo e no seu candidato presidencial, como, assim havendo, quem não queira votar nos Camaradas, apresentar, igualmente, as suas razões.

 


Após cerca de cinco minutos de silêncio, Alice Mabota, que também é Presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, pediu a palavra e o micro para dizer o que lhe vinha na alma.

 

"Vou falar aquilo que eu sinto e penso. Não pretendo escovar ou ofender a ninguém, tanto mais que admiro e respeito muito o ex-chefe do Estado", assim introduziu Mabota, para, depois, gelar a sala com as seguintes palavras: "eu não vou votar na Frelimo e em Guebuza, porque a Frelimo humilha as pessoas, pisa as pessoas. Não concordo com o ex-chefe do Estado quando diz que tudo o que temos e somos, hoje, foi a Frelimo quem o fez. Será que, mesmo se o colono continuasse até hoje, Moçambique não estaria assim? Eu fui a primeira mulher negra a ter carro no período colonial, aqui em Moçambique e não era a Frelimo a governar".

 

Prosseguiu, no mesmo tom, dizendo que "o dinheiro que a Frelimo usa e tem vem dos nossos impostos, nós é que pagamos os impostos, por isso, não venham nos dizer que votem na Frelimo e em Guebuza, porque tudo o que existe e temos a Frelimo é que o fez, porque, se levarmos o mesmo dinheiro e o dermos a um outro partido, também esse pode fazer muitas coisas boas".

 

Sustentando as suas declarações, Alice Mabota fez saber, no entanto, que o facto de não votar na Frelimo e em Guebuza, não é sinal de que ela seja da aposição. "Com esta minha idade, não posso ser de um outro partido, senão a Frelimo, mas não tenho o cartão de membro, já o tive, mas, agora, não o quero ter, por causa das pessoas jovens que estão a dirigir agora. Por isso, não quero ter o cartão de membro e não quero votar na Frelimo e em Guebuza! Talvez se me dissesse que o governo que a Frelimo irá formar será inclusivo, mas, mesmo assim, não quero", disse então a presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos.


 
No contra-ataque, o orador de serviço, Joaquim Chissano, tentou contornar o embaraço, dizendo: “concordo com a doutora Alice Mabota quando diz que não vai votar na Frelimo por aquilo que fez. Eu, próprio, vou votar na Frelimo e em Guebuza, não por causa daquilo que fez, vou votar, sim, por causa daquilo que vai e pretende fazer". Mabota referiu ainda que "alguém me disse que os políticos são malabaristas e malabarismo para mim é sujeira, é crime, é corrupção. Por isso, não quero votar na Frelimo e em Guebuza".

 

Aliás, Chissano dissera, logo à sua chegada àquela sala, sobretudo depois de gritar viva Frelimo, viva Armando Guebuza que "eu sei que nem todos os que levantaram a mão a dizer viva o fizeram do coração; mas é normal, porque o que queria era apresentar as razões de se dever votar na Frelimo e em Guebuza".

 

Sobre o Observatório Eleitoral na Beira

 

Enquanto isto, instado a pronunciar-se sobre o propósito desta vinda à Beira, Brazão Mazula disse: “Como disse noutros momentos, nós do observatório eleitoral, fizemos a observação destas eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais. No nosso critério e método, entendemos que após produzirmos o relatório técnico preliminar tínhamos que o entregar aos três candidatos a presidência da república”.

 

Acrescentou que “o relatório é preliminar porque não é último, e depois foi um acto muito breve. O presidente do MDM entendeu também dar-nos informações daquilo que o MDM sentia do processo eleitoral. Ouvimos e agradecemos o facto de nos ter informado de vários aspectos, incluindo a câmera através da qual eles conseguiram filmar algumas mesas de voto sem os presidentes se aperceberem. E nós agradecemos e vamos reflectir sobre estes dados sem comentários neste momento”.

 

As imagens captadas irmão mudar a vossa forma de actuação futuramente? Perguntámos a Brazão Mazula. “Nós dissemos ao candidato do MDM que eu não sou Observatório, nem os dois que viemos. Portanto, vamos levar isso à equipa do observatório. Vamos analisar isto e ver quais os procedimentos a seguir”. Estes comentários foram a propósito da fraude filmada pelo MDM numa escola da Beira.