Luanda - A corrupção em Angola tem sido o foco de teorias divergentes, de reflexões profundas, de debates contraditórios, de teses e antíteses, visando descortinar os caminhos mais adequados e apropriados para que ela seja combatida efetivamente e erradicada. Muitas das formulas já concebidas e expostas são válidas desde que a sua essência não se resume somente na recuperação do dinheiro desviado. Pois que, a questão central não é o dinheiro roubado dos cofres do Estado, mas sim, a prática, o espirito e a mentalidade que seduz o homem enveredar-se pela corrupção.

Fonte: Club-k.net

Por isso, a devolução do dinheiro, em si só, não é suficiente para pôr cobro ao fenómeno da corrupção. Nem tão pouco a restauração do status quo antes, isto é, acomodação dos “marimbondos” que seja a via mais eficaz da erradicação da corrupção. Muito menos o combate seletivo que seja o caminho desejado para enfrentar decisivamente a corrupção. Pois que, o combate à corrupção além de ser sistemático e estruturante, deve ser inclusivo, profundo, justo, legal, punitivo, educativo, preventivo, reabilitativo, moralizante e integrante na economia nacional.


Ou seja, é importante classificar e hierarquizar os crimes da corrupção de modo que a responsabilidade civil, criminal e disciplinar esteja adequada à pena cometida, tendo em conta o grau da responsabilidade dentro do aparelho do Estado. Pois, a responsabilidade penal deve ser mais agravante aos escalões superiores da hierarquia do Estado. Porque é o topo da pirâmide que é o promotor da teoria da acumulação primitiva (ilícita) dos capitais, que conduziu aos saques sistemáticos e desenfreados dos cofres do Estado, mergulhando o país na crise profunda que hoje devasta duramente a sociedade angolana.


Portanto, o essencial nesta matéria é a erradicação do «factor base» da corrupção, cujas raízes são profundas nas instituições públicas e privadas, tendo o domínio na banca, no sistema das telecomunicações, na comunicação social, no sector comercial e nas grandes empresas da economia nacional. Por isso, a recuperação dos activos desviados não constitui o cerne da questão, da luta contra a corrupção, mas apenas uma pequena fração da grande estratégia que deve ser desenvolvida a curto, médio e longos prazos. Dizia o filósofo suíço Jean-Jacques Rosseau, em 1762, no seu livro intitulado, o Contrato Social: “As tendências mais remotas da sociedade prepararam o caminho para a destruição do homem através da dependência, desigualdade, corrupção e deformação moral.” Fim de citação.


O que quer dizer que, a corrupção, além de ser erosiva, ela é sistémica, que atingiu todos os sectores vitais do Estado, transformando-se numa teia de aranha, com a dimensão global, veiculada pelo sistema financeiro mundial. A corrupção é uma conduta de drenagem que suga os recursos financeiros, as matérias-primas e os recursos minerais dos países menos desenvolvidos, e sendo encaminhados ilicitamente ao sistema económico das potências industrializadas, que controlam o mercado internacional. Portanto, a corrupção, além de ser uma via do enriquecimento fácil das elites, é a fonte principal da desigualdade e da pobreza extrema que se verifica em África e em outras partes do Mundo.


Sem dúvida nenhuma a corrupção constitui um desafio colossal da humanidade, neste Século XXI. A destruição do homem, por este mal corrosivo, já é uma realidade inquestionável, vendo-se pelo fluxo migratório que deixa muita gente afogar-se diariamente no mar mediterrâneo, em busca da sobrevivência aos países ricos da Europa.


As elites africanas estão profundamente atoladas no pântano da corrupção, incapazes de governar eficaz e eficientemente os seus povos e garantir-lhes a paz social, a segurança alimentar, habitação condigna, saúde, educação, água potável, saneamento básico e energia.


Logo, as teorias humanistas, de clemência, de conformismo ou de deixai fazer, conduzem infalivelmente ao fortalecimento do capitalismo selvagem, criando condições propícias para o seu regresso em força. Note-se que, a classe capitalista, produto da acumulação ilícita do capital, ainda está bem entrincheirada, não se desarmou sequer, pronto para infligir golpes duros ao sistema. Basta saber que, a flexibilidade assenta-se na firmeza e no pragmatismo de agir e enfrentar decididamente (com coragem e determinação) a situação complexa, buscando uma solução desejada e segura. O contrário disso é uma atitude passiva que assenta-se na ingenuidade e na boa-fé utópica.


É por isso que se torna imperativo estabelecer novos instrumentos eficazes e novos mecanismos eficientes de luta contra a corrupção, a serem apetrechados com equipamentos tecnológicos avançados, com conhecimentos técnico-científicos, com recursos financeiros, com autonomia jurídica e com autoridade legal. Esses organismos devem funcionar de forma autónoma fora da alçada do partido-estado, que se encontra na condição miserável da corrupção generalizada. Porque não é justo manter intacto o círculo vicioso da nossa justiça, em que, «o político é corrupto, o juiz é corrupto, o advogado é corrupto, o investigador criminal é corrupto e o reu é corrupto».


Por outro lado, a corrupção estando dentro do sistema internacional, os instrumentos do seu combate devem igualmente estar integrados no sistema da segurança mundial que se dedica a luta contra a criminalidade de toda a espécie, como branqueamento de capitais, fuga de capitais, fuga ao fisco, financiamento do terrorismo, tráfico de seres humanos, tráfico de drogas, escravatura branca, o tráfico de menores, etc.


Em síntese, no caso especifico de Angola, o processo da criação de instrumentos competentes contra a corrupção e outros crimes acima mencionados só é exequível se desfazer o partido- estado, que suporta e sustenta o capitalismo selvagem. Em função disso, proceder à revisão profunda da Constituição, que permita alcançar o equilíbrio institucional, a separação real dos poderes, a transparência dos processos eleitorais, a efetivação da cidadania e a alternância do poder político. Este é o caminho incontornável que conduz ao Estado democrático de direito, assente na justiça social, na economia do mercado e na livre iniciativa.


Luanda, 25 de Novembro de 2019