Benguela - Na localidade da Taca, município da Catumbela, faixa litoral do corredor que liga as cidades do Lobito e de Benguela, uma família angolana acaba de inaugurar o Complexo Industrial Carrinho, investimento de 600 milhões de dólares constituído por 17 unidades fabris que farão, nos mais elevados padrões técnicos e de qualidade, o processamento de matérias-primas que permitirão a introdução de 1 milhão de toneladas de produtos diversos no mercado do comércio de bens alimentares com a marca Tio Lucas, e gerou já cerca de 1000 postos de emprego maioritariamente para jovens.

Fonte: Club-k.net


O financiamento para a implementação do projecto que terá seguimento com a construção de outro Complexo Industrial no Soyo, constituído por mais 20 fábricas, resulta do financiamento de uma entidade Suíça, a Paramount Energy SA, que detém um volume de negócios na ordem dos 10 biliões de dólares ano. De acordo com informação que nos foi disponibilizada, a Paramount Energy SA não tem qualquer relação com entidades governamentais ou públicas de Angola.


A história de sucesso dessa família angolana que tem raízes no Bié com passagem pela Ganda, iniciou há 25 anos com uma pequena iniciativa assente em três suportes: foco, perseverança e disciplina. Dona Leonor, a matriarca, com três filhos mal despertos para a vida, viu-se de repente na condição de viúva. Mal refeita da dor causada pela perda do marido, senhor Carrinho, decidiu ir à luta com o que sabia fazer, para assegurar o sustento dos filhos. E criou no seu quintal, uma área onde serviu refeições que ela própria confecciona. Como empregados tinha os próprios filhos, dois rapazes e uma menina: serviam mesas, retiravam e lavavam pratos, ajudavam a mãe nas compras e na contabilidade. Não têm complexos. E o pequeno negócio cresceu, floresceu, ganhou sustentação que lhe permitiu mandar os filhos para a África do Sul onde se formaram e ganharam conhecimento, essa ‘ferramenta’ que para muitos não tem significado, mas que representa na vida a base fundamental que nos pode levar ao sucesso. E os meninos despachados para a África do Sul, não andaram na borga. Tiveram foco. Regressaram iluminados, com visão para desbravar o futuro que já se transformou em presente (temporal).


O percurso para o sucesso que conheceu agora esse pico, teve aí o seu ponto de partida: numa cozinha de quintal, iniciativa que anos depois deu lugar ao nascimento da empresa Leonor Carrinho (junção do nome do casal) uma das mais bem sucedidas no ramo do catering. Foi ela que catapultou a família para a criação do Grupo Carrinho, que para além do Complexo Industrial inaugurado sábado (30), produz e fornece 600.000 refeições prontas por mês, destinadas a empregados de grandes empresas de todos os sectores da economia em Angola. E para atender as necessidades dessa prestação de serviço, tem duas cozinhas ultra - modernas de grande escala industrial instaladas nas cidades de Benguela e do Lobito, e está a construir uma terceira em Luanda para confeccionar mais 18.000 refeições por dia, cuja conclusão está prevista para o próximo ano (2020).


Apenas nesse domínio específico, a empresa já chegou a facturar 30 milhões de dólares/ano. E foi isso que permitiu agregar novas valências para outro salto e novos desafios, como a criação de uma rede de lojas e a aposta na comercialização de produtos integrados na cesta básica. Este serviço de comercialização e de logística integrado, foi criado para permitir ao Grupo Carrinho gerir eficazmente as compras, o armazenamento, todas as fases do transporte, a manutenção das suas viaturas com a criação de uma oficina própria, o acompanhamento das actividades dos seus fornecedores e parceiros e a inclusão de serviços complementares, como lavandaria e saneamento. E isso permitiu que o Grupo, que conta agora com uma frota de mais de 300 veículos, entre ligeiros e pesados, que permitem que 70% dos fretes sejam feitos com meios próprios, alcançasse um boom de facturação do catering de cerca de 42 milhões de dólares.


Para satisfação das necessidades e exigências do seu franco crescimento, o Grupo realizou um importante investimento na construção do maior centro de Distribuição Logística da Região Centro/Sul de Angola, no município da Catumbela, que serve de pilar para a estratégia de implementação e desenvolvimento da rede de abastecimento, com capacidade para abastecer todo o País.


Como se pode aferir dessa informação, para chegar até a implementação do projecto de instalação do que é hoje o maior parque industrial privado em Benguela, a família Carrinho não adormeceu nos louros e nos ganhos. E só assim se explica o facto de não estar amarrada à empréstimos bancários, a fundos públicos ou a ‘doações’ pouco claras. Falando com cada um, facilmente se percebe que se está diante de uma família visionária, simples no trato, que não gosta das luzes da ribalta da exposição burguesa e por vezes revoltante, que já assistimos (ontem mais do que hoje) da parte dos novos ricos, que chegou a ferir a sensibilidade de todos nós por contrastar com o ritmo de empobrecimento da maioria.


Contrariando essa cultura, ou aculturação que tomou conta da vida dos novos ricos angolanos, esta família que não nega que é extremamente rica, fruto do seu trabalho (é bom que se diga), passa despercebida no Lobito onde vive, em Benguela e é mesmo uma ‘ilustre’ desconhecida também no resto do País. Não faz por se misturar nesse ambiente. Não esbanja os seus ganhos na ostentação da sua própria imagem. Eu próprio, um andante por esta nossa Angola, ao cruzar centenas de vezes com viaturas do Grupo em diferentes pontos pensei (não interessam as razões), que se tratava de mais uma empresa propriedade de estrangeiros (portugueses) com suporte dessa nossa gente rica. Não vou dizer propriamente que apanhei um choque (na positiva) ao penetrar nos seus ‘aposentos’. Foi, provavelmente, uma mistura do sentimento de admiração e contágio de orgulho por ver tanto bem fazer de nacionais. Mas melhor do que eu, as imagens transmitidas pela TPA no dia da inauguração do Complexo Industrial foram concludentes.


Logicamente, não é fácil perceber toda essa dinâmica, essa pujança, para mais com fundos próprios ou obtidos com a parceria estrangeira, invertendo a tendência que assentou arraias de que as coisas só acontecem quando há a mão do Governo, ou de poderosos banqueteadores do dinheiro dos contribuintes acomodados em Luanda. Daí as interrogações, com elevado cepticismo à mistura, diante dessa demonstração de força e de saúde financeira do Grupo Carrinho neste momento critico, em que quem governa não se cansa de manifestar ao mundo a sua abertura ao investimento estrangeiro, e os resultados práticos não surgem com a celeridade desejada, até da parte de quem parece aliado, ou volta e meia nos evoca laços de ligação afectiva históricos.


É nessa óptica que se deve enquadrar também a presença do Presidente da República nesse acto de inauguração. Como passar ao largo dessa iniciativa, se é o Governo quem aparece na frente a estimular o investimento? Supomos, que ele próprio quis ver o ‘milagre’ e mais do que isso, ser convencido (e nós também) de que para lá de uma elite que se “besuntou no pote de mel” e continua a ser incómoda, há uma outra nova geração patriota comprometida em fazer, de facto, Angola acontecer sem recurso abusivo ao cofre do Estado E não complica. Facilita, procura e encontra soluções. Tem projectos sérios. E para além do que ouviu durante a visita às diferentes unidades fabris, provavelmente mais convencido ficou no encontro que manteve, à porta fechada, no Palácio à Praia Morena, com a matriarca Leonor Carrinho e seus três filhos. E o que ouviu, de certeza que não foi nada sequer parecido com qualquer cobertura à actos de corrupção ou lavagem de dinheiro, quando faz do combate à essas práticas a sua bandeira, goste-se ou não da forma, dos meios e dos critérios que estão a ser observados.


Temos sido useiros e vezeiros na defesa de que a aposta para o desenvolvimento da economia, a receita para sairmos da crise, deve assentar fundamentalmente primeiro em nós mesmos. O investimento estrangeiro é necessário e importante sim, mas a prioridade deve ser dada a nós menos, porque nós somos os donos do País, nós é que temos a responsabilidade de retirá-lo do abismo. Com ideias, com projectos. E temos esse poder, temos essa força, essa competência, confirmada também em recentes visitas efectuadas recentemente também pelo Vice-Presidente da República à unidades agrícolas da província do Cuanza Sul. O que é necessário agora da parte do Governo, é reconhecer, reforçar e incentivar essas iniciativas de comprometimento com Angola, para que não morram na praia sufocadas por más politicas num mercado que tanto se vê aferrolhado com medidas de ideologia comunista, como se abre ao modelo de gestão capitalista.


Contudo, também temos quase a certeza que o Presidente João Lourenço deixou Benguela, sentindo mais peso sob os seus ombros. Percebeu, claramente, que há ainda muitos interesses em jogo, mesmo ao nível da governação, que interferem e beneficiam do negócio das importações de produtos acabados. Logicamente, oferecerão resistência à concorrência e à dinâmica que está a ser imposta por pessoas ou por grupos como o Carrinho e por outros visionários, que apostam na inversão do comportamento da economia e dos seus vectores. E o negócio da importação de farinha de trigo em Angola tem donos, nacionais e estrangeiros, e nele interferem grandes lobbies. E não é novidade nem exagero afirmar que podem ser mais perigosos do que aparentam, violentos mesmo, na defesa desse negócio que de acordo com informação que solicitei ao economista e jornalista Carlos Rosado de Carvalho, nos últimos dez anos consumiu cerca de 29,6 mil milhões de USD. Em 2018 foram 3,2 mil milhões e se continuar ao ritmo dos primeiros seis meses, como me disse, em 2019 deverão rondar os 2,5 mil milhões. É muito dinheiro!


Mas, daqui para frente, como o próprio Presidente afirmou recentemente num discurso, não faz mais sentido que as Forças Armadas, o Ministério do Interior, unidades hospitalares e outras por exemplo, recorram à importadores para atender a satisfação das suas necessidades em produtos alimentares. Já há alguma capacidade interna e sem recurso ao dispêndio de divisas, ao nível até de produtos agro-pecuários. E o nosso dinheiro deve ter como prioridade a geração de riqueza e desenvolvimento interno, lubrificando e fazendo rodar toda a engrenagem da economia em torno de um objectivo maior, que é a melhoria da condição de vida de cada um e de todos. E não há outra fórmula melhor que essa para diminuir a excessiva dependência do petróleo, nossa principal fonte de recursos e até então, a mamata de um sistema que afundou o País, ou de redução da pobreza e das assimetrias.


A próxima meta do Grupo Carrinho até 2022, como referimos, é a construção de outro Complexo Industrial, maior que o de Benguela, já que agrupará 22 unidades fabris no município do Soyo, Província do Zaire, denominado Wakanda (Sonho). Pelo meio, no passado dia 27 foi rubricado um acordo com o Porto do Lobito e com o Caminho de Ferro de Benguela, para a construção de um ramal com extensão de 750 metros. Estará concluído nos próximos 90 dias, e contempla a aquisição de 100 vagões para facilitar a transportação de mercadorias para as fábricas ou destas para o Porto, mas também, para servir a perspectiva de escoamento dos produtos cultivados e adquiridos ao longo deste corredor do Centro/Sul para processamento no Complexo Industrial. É sim, obra ‘feita com cabeça, tronco e membros’. É sim um projecto consistente, nunca visto no pós-independência em que só soubemos destruir tudo o que herdamos.


Enquanto terminava esta reflexão, passou por mim a imagem de uma nova Angola. Um sonho que pode tornar-se realidade, contando também com a injecção de capitais que ainda não foram repatriados por muitos compatriotas ricos ‘fabricados’ no tempo do outro Presidente. Teríamos na certa mais agricultura, mais indústria, mais emprego, menos abandono do interior, mais riqueza, mais oferta, maior tributação, menos intervenção da governação na economia, mais desenvolvimento, melhor saúde, melhor educação, melhor condição de vida para todos. Quem sabe se, melhor divulgação deste e de outros exemplos de comprometimento com Angola, não quebre os receios no entendimento dessa necessidade urgente que permitirá conforto ao Estado angolano na sua intervenção social?


Só de pensar que no meio de tantos produtos alimentares que chegam ao País para alimentar a população, há também quem introduz uma série de ‘ingredientes’ que constituem perigo para a saúde pública e que também já os comi, fico arrepiado. Facilmente se percebe então que, mesmo com níveis baixos da produção interna, sempre é melhor importar matéria-prima, transformá-la e ainda assegurar emprego, rendimento interno, menos mortes incompreensíveis, mais esperança de vida e o desenvolvimento de outras áreas, com destaque para a agro-pecuária.


Percebe-se assim também, que não foi por mero acaso que a família Carrinho definiu como lema do seu comprometimento com a Nação que os viu nascer, a frase “Angola merece o melhor”. De facto, merece. Todos nós merecemos. Pena é que não há unanimidade! Mas, os próximos anos ditarão a sentença: se continuarmos lerdos e com medo da tomada de decisões arrojadas, regrediremos mais ainda; se avançarmos, mandando para os ‘quintos do inferno’ esse ambiente de medo, hostil e de permanente suspeição e rejeição, estaremos finalmente a dar a volta por cima para fazer renascer Angola. Mas, continuo a achar que o País tem falta de ideias e de projectos e por isso há espaço e preponderância para tudo o que é mau. Por isso, tudo o que é novo assusta. E para agravar, por nossa própria insistência e masoquismo, continuamos amarrados a um passado predador de triste memória.


Enfim... pelos vistos, a mudança em todos nós está a levar mais tempo do que o desejado. Não me perguntem quantos anos mais ainda, mas não gostaria que fosse para além de 31 de Dezembro.

Até lá, os meus votos antecipados de Feliz Natal e de um Ano Novo Próspero e que daqui para frente, o Pai Natal nos brinde com centenas de famílias Carrinho. É disso que o País precisa.


Ramiro Aleixo
01.12.2019