Luanda - A luta pela independência, na qual participei desde 1958, integrado na histórica e gloriosa Célula Clandestina da UPA do Sambizanga, orientada pelo malogrado Domingos Mateta, foi um processo árduo, complexo, com altos e baixos, mas também digno e acima de tudo vitorioso, porquanto fomos capazes de vergar a “casmurrice” colonial de Salazar e Caetano, o que criou as condições mínimas de negociações para a independência do nosso País, que passaram pela inesquecível e histórica Cimeira de Mombaça, no Kenya, que reuniu os três Movimentos de Libertação, FNLA, MPLA e UNITA.

 

Fonte: FNLA

 

ImageFoi uma Cimeira muito tensa e rodeada de desconfianças mútuas. Ninguém confiava em ninguém, e cada Movimento de Libertação procurava posicionar-se da melhor maneira. Mas, devo reconhecer que, após múltiplos esforços, fomos capazes de criar um ambiente que nos permitiu  analisar e aprovar, com ligeiras emendas, o PROJECTO DE ACORDO DE INDEPENDÊNCIA PARA ANGOLA, apresentado por Álvaro Holden Roberto, em nome da FNLA. Pessoalmente, guardo boas recordações dessa cimeira, que me permitiu reencontrar compatriotas que conheci em Luanda, durante a minha juventude, tais como Diógenes Boavida, Lopo do Nascimento e muitos outros.

 

A cimeira de Mombaça, realizada sob os auspícios do lendário MZEE JOMO KENYATA, na altura Presidente do Kenya, tinha por finalidade harmonizar as posições dos três Movimentos de Libertação, FNLA, MPLA e UNITA, para as negociações com o Governo Português. Como disse mais acima, não foi fácil  mas conseguiu-se o Acordo possível, que nos permitiu depois rumar para Alvor, no Hotel Penina, onde se desenrolaram as conversações que culminaram com a assinatura solene, em 15 de Janeiro de 1975, do célebre, histórico mas ignorado e esquecido Acordo do Alvor, entre a parte portuguesa e os três Movimentos de Libertação. Estava assim, ultrapassada a etapa mais difícil da Luta de Libertação Nacional.

 


O Acordo do Alvor determinou que a independência de Angola seria proclamada solenemente, em Luanda, por um Alto Representante do Governo Português, no dia 11 de Novembro de 1975, às 00 horas, na presença dos mais Altos Mandatários dos três Movimentos de Libertação. Infelizmente, essa cerimónia não teve lugar, muito por culpa do Governo Português que não soube assumir as suas responsabilidades políticas, impedindo assim que houvesse, como mandam as regras universais, a transmissão dos instrumentos de soberania da potência colonial para os Altos Mandatários do Estado independente de angola. A soberania do povo angolano foi, do alto de um navio de guerra ancorado na Baía de Luanda, atirada ao mar, portanto aos peixes! Foi autor desse acto ignóbil, o já falecido Comodoro Leonel Cardoso, o último Alto Comissário Português do Governo de Transição. Esta é a verdade Histórica, o resto é confusão e conversa de “palácio” e de laboratórios de falsas estórias.


Desde 11 de Novembro de 1975 até aos nossos dias, foi percorrido um longo e espinhoso caminho marcado por uma devastadora e sangrenta guerra civil, mas também por sobressaltos políticos, sociais e econômicos. Apesar de todas essas notas negativas do crescimento de Angola independente, conseguiu-se preservar a integridade territorial, alcançar a paz e dar início ao processo de Reconciliação Nacional e de democratização da vida política.

 

Após 34 anos de independência, os Angolanos, de Cabinda ao Cunene, esperavam mais realizações no domínio sócio-economico, tendo em conta as volumosas receitas arrecadadas da venda do petróleo, no tempo da bonança. Infelizmente, essas receitas não se reflectiram nem se reflectem, em termos concretos, no quotidiano dos Angolanos que continuam a enfrentar enormes dificuldades no domínio do fornecimento de água potável, energia, segurança alimentar, habitação, saúde, transporte e educação.

 

As desigualdades sociais e económicas e as assimetrias regionais são chocantes. É  incrível, mas temos hoje praticamente duas Angola, uma do litoral que floresce sócio-economicamente, e outra do interior (Angola Profunda) onde tudo falta, até mesmo a verdadeira liberdade e dignidade.

 

No domínio político, a situação podia ter sido outra se houvesse mais coragem política para impulsionar a democratização do país, de Cabinda ao Cunene. Também neste domínio, parece que andamos a duas velocidades, marcadas pela tímida democracia de Luanda, e a hesitante democracia do interior, nas províncias. Acresce-se a esta situação a controlada liberdade de imprensa, que se traduz pela parcialidade dos mídias estatais, que ofuscam deliberadamente  a oposição, dando-lhe curtíssimos tempos de antena e espaço de intervenção muito reduzido, sobretudo quando se trata de radiografar a governação do País. 


Sobre os direitos fundamentais dos cidadãos, assiste-se quotidianamente à violação dos mesmos pelas instâncias que deviam proteger os mesmos cidadãos. Um verdadeiro paradoxo! A actuação da nossa Polícia Nacional, em certos aspectos, deixa muito a desejar; e a lentidão dos tribunais piora ainda o desespero dos Angolanos. Em suma, os cidadãos angolanos ainda vivem muito constrangidos e controlados policialmente no seu próprio País.

 

O 34º  aniversário da nossa independência é ainda marcado por um tanto ou quanto conturbado e complexo processo constitucional, assistindo-se neste momento ao despique político entre a Oposição e o Partido que detém a maioria no Parlamento.

 

Este debate, para além dos objectivos que as Forças Políticas procuram alcançar, poderá provar a maturidade política dos principais autores políticos, os Partidos Políticos de todos os quadrantes ideológicos, e da Sociedade Civil. Trata-se da sobrevivência da jovem democracia angolana. Os Partidos Políticos e a Sociedade Civil deverão dar provas do seu sentido patriótico e da sua maturidade política, empenhado-se no debate constitucional com afinco, rigor e honestidade intelectual. Neste tipo de debate, sobretudo que se trata da Lei Magna do País, documento que requere amplos consensos, não deverá haver fintas nem golpes baixos. È preciso levar o debate até a exaustão antes do voto parlamentar. É assim que se discute uma constituição transparente e democrática.

 

É necessário que os Angolanos, de Cabinda ao Cunene, se revejam na futura Constituição de Angola, porque ela será o documento reitor do desenvolvimento político-democrático, social, econômico e cultural de Angola, e que cria as condições básicas para a instauração de um Estado Democrático e de Direito em Angola. Este é o tipo de Constituição que os Angolanos almejam, por isso os Partidos Políticos, sobretudo, não deveriam defraudá-los demitindo-se das suas responsabilidades.

 

Está  em causa a nossa liberdade e o futuro da democracia em Angola.

 

Concluindo, diria que longo e espinhoso foi realmente o caminho percorrido, mas o que resta a percorrer é ainda mais longo e difícil, porque ele nos levará à estabilidade política, ao desenvolvimento e à prosperidade sócio-económica, de Cabinda ao Cunene.


ANGOLA OYÉ