Luanda - Direito à educação, liberdade académica, democratização do ensino, direito à saúde, Intolerância política, liberdade e cidadania, o papel da Rádio Ecclesia, problema ambiental, entre outros assuntos, foram analisados nesta entrevista. Não podemos deixar de destacar a expressão de humildade partilhada por Dom Tirso Blanco nas suas palavras: «Não gostaria que dissessem que o Bispo é um modelo, somos humanos, temos as nossas falhas.»

 

Fonte: Observatório da Imprensa

Dito Dalí - Qual é o seu ponto de vista geral sobre a situação dos direitos humanos na província do Moxico?
Dom Tirso Blanco - Nós estamos numa província que sofreu o impacto da guerra de forma muito particular, inclusive no período pós-guerra não chegou a beneficiar daquilo que chama os ganhos da paz. Em termos de possibilidade de desenvolvimento económico é um problema, sobretudo a falta de estrada. Em termos de educação, sabemos que muitos cidadãos não têm acesso à educação básica. Isto é um problema bastante sério. E quanto ao atendimento na saúde, também sabemos que vamos encontrar um hospital a alguns quilómetros quadrados um médico, dois médicos por município. Às vezes só um único hospital, depois tem o segundo que só tem dois enfermeiros ou três. Tem muitos postos de saúde que só têm um enfermeiro e são distâncias enormes. Temos uma grande dificuldade em matérias ligadas à saúde. Os pontos que mais me preocupam em matérias de direitos humanos são em primeiro lugar as áreas de seca e fome neste momento. Sabemos que morreram cidadãos por causa da fome. As áreas que estão sendo particularmente atingidas são na comuna de Chiume, um pouquinho na comuna de Minga e a comuna de Chuma Mitete, no município dos Bundas. No município dos Lutchazes temos situações preocupantes, também na comuna do Cangumbe e na comuna do Mwié em umas aldeias não é tão grave como a situação dos Bundas. Isto obriga uma reflexão. Por exemplo, lá não tem escolas, não há uma educação também para o próprio progresso das pessoas.
Quanto a mudança de hábitos que poderiam ajudar a lidar com uma mudança climática, quando estamos perante a situação da fome e morte. Estamos a falar de algo que a nós tem que preocupar. E também aquilo que pode evitar esta situação, esta mudança climática, esta mudança global.
Há queimadas, há exploração das madeiras, e graças a Deus hoje estamos a ver que há um reconhecimento destes factos que se negava numa altura, seja a fome, a exploração das madeiras e as queimadas pela forma como estão a destruir as nossas florestas.
Um outro caso que também é muito importante, é de alguém que tem estado a torturar, explorar as pessoas que vêm ao município. Está a levar muitíssimo dinheiro e este tipo de situação não está a ser suficientemente punida pelas autoridades. Tem que se impedir. Sabemos que quando alguém está a torturar ou a ser autor moral destas situações temos que impedir, nós sabemos que isto é uma questão que vem de longe, mas as proporções que assumiu hoje é gritante. Depois, ultimamente o que está a preocupar é que o aumento dos preços da cesta básica está a colocar as populações numa situação muito difícil, o que se impõe neste momento são algumas soluções concretas  para minimizar este impacto negativo. Sabemos das dificuldades da economia, mas nós também não somos técnicos para saber como é que se deve fazer neste momento, mas a primeira peneira pela qual tem que passar a quem um dia já visitou a matéria económica é o impacto que isso vai causar nas populações, especialmente as mais vulneráveis.
“As instituições educativas devem ser espaços de liberdade, investigação e publicação”


Até que ponto a doutrina social da igreja influencia na forma de ver os direitos humanos na província do Moxico?
É uma questão de avaliar. Só posso dizer que nós através da nossa missão enquanto igreja, estamos passando alguns elementos importantes da doutrina social da igreja, tudo no que se refere à justiça social. Do nosso ponto de vista está ser passado. Passamos nas homilias, passamos na formação dos seminaristas, dos sacerdotes, agora sobre o impacto que ela tem em termos práticos, concretos é uma questão a ser avaliada.


Os profectas do antigo testamento tiveram uma grande sensibilidade sobre a vida social, política, económica e cultural, isso inspira o senhor no seu trabalho?
Sim!  No fundo tenho além da leitura dos grandes profectas, que viveram em situações de grandes injustiças, a minha questão é a seguinte: primeiro é que cada pessoa tem uma dignidade de ser filho de Deus e tem que viver segundo a sua dignidade. Não é que temos que ser todos ricos. Não se trata disso, mas tenho que ter as condições mínimas para o meu desenvolvimento físico, espiritual, material. Eu tenho que ter isso e posso realizar-me assim. Justamente, não é através da avareza, através de muitos bens. Esse é o meu ponto de vista inspirador. Se uma pessoa passa aqui na terra 10, 20, 30 anos e nós permitimos isso (viver sem o necessário), pode ser que nós estejamos a falhar, porque Deus criou as condições para que todos possamos desenvolver, isso é que me inspira como grande pano de fundo. O segundo elemento muito importante é que nós somos responsáveis pelas nossas palavras, mas também somos responsáveis pelo nosso silêncio, pelas nossas omissões. Quer dizer, se eu vejo um quadro que é negativo que deve melhorar e não falo, automaticamente converto-me numa espécie de cúmplice dessa situação, por isso, nisso nós temos que ser conscientes todos os dias, pensar. Não é que a gente faz com espírito de criticar. Não! É apenas para mostrar o nosso pobre ponto de vista, podemos dizer que é o caminho para resolver, para fazer crescer essa pessoa e até apelando a sensibilidade que cada ser humano tem.


O bispo disse que Deus colocou as pessoas no mundo, deu riqueza para que todos pudessem viver bem, mas há aquelas igrejas e pastores que incitam a pobreza, dizendo que estamos todos de passagem, tudo aquilo que adquirimos iremos deixar. Apelam a pobreza e ao mesmo tempo incitam os fiéis a darem alguma coisa a igreja ou ao pastor, e eventualmente estaria a colocar essa pessoa numa situação de indigência. É verdade que vamos morrer um dia, mas enquanto estivermos em vida devemos viver condignamente e não reduzir o ser humano a um “farrapo humano” e isso tem estado acontecer. Qual é o comentário do senhor Bispo a propósito?
De facto nós cá estamos de passagem, mas atenção, o tempo que Deus nos dá para viver é para viver segundo a dignidade e vontade de Deus e ajudar as outras pessoas a se desenvolverem. É essa a nossa missão! Isso não se prova somente por palavras, mas é através dos nossos actos que temos que mostrar essa realidade. Nós não estamos aqui para enganar as pessoas, não, não é a vontade de Deus a miséria, também há uma pobreza digna. Por exemplo, pessoalmente, gosto de uma vida bastante simples. Podemos viver na simplicidade, mas temos que ter uma dignidade, temos que ter uma certa tranquilidade, acesso à comida, vestuário, os bens necessários para a minha vida, para o desenvolvimento da minha família, os estudos dos filhos, é parte daquilo que é a nossa vontade. Não é vontade de Deus quando há fome, quando há miséria, isso não é vontade de Deus.


A rádio Ecclesia sempre se bateu contra a injustiça, a violação dos direitos humanos, sempre esteve presente na questão da reconciliação nacional, no combate à ditadura. Cá no Moxico a Rádio Ecclesia está do lado dos mais fracos?
Dom Tirso Blanco - Penso que os microfones estão sempre abertos, acredito que muitos têm experimentado isso. Tem um Director que tem uma certa autonomia para isso e, sabemos que a orientação é essa: a rádio Ecclesia é também a voz dos que não têm voz, dos que não têm oportunidade, entretanto, tudo que se fala lá tem que ser feito com devido respeito a cada pessoa, e se alguém errou temos que mostrar o erro que ele comete. Não há nenhum problema para isso, mas sempre neste ambiente de respeito, e tem que dar a voz a todos, e não dar os microfones aos privilegiados, tem que ser uma voz que se dá para todos. Quanto a saber se está a cumprir o seu papel, não seria eu a dizer, seria a mesma população a se manifestar a este respeito.


As populações têm estado também a cobrar, porque nós vemos o que é a rádio Ecclesia de facto e qual é o papel que a rádio tem diante das comunidades. Como sabe senhor Bispo, uma rádio pode contribuir para o fortalecimento da ditadura, como pode também contribuir para a democratização de qualquer sociedade e nós sabemos o papel da rádio Ecclesia. Temos estado a ver aqui no Moxico que os populares têm estado a reclamar. Primeiro, há muitos problemas que acontecem que a rádio Ecclesia estaria a fazer reportagem e não acontece, há aqueles que ligam às vezes para apresentar um problema apesar de que é no meio de um programa, eles ligam para apresentar um problema e são  automaticamente “reprimidos”,  não são aceites  para apresentar o problema, então, isso é preocupante para a comunidade, para  uma sociedade que se quer democrática, porque é necessário que recebam, ouçam os problemas, que a rádio saia e vai à comunidade identificar os problemas para serem reportados  e quem é de direito amanhã  eventualmente resolver os problemas. Face a esse clamor da população, o Bispo tem alguma coisa a dizer, qual será o posicionamento daqui para frente?
…nós somos responsáveis pelas nossas palavras, mas também somos responsáveis pelo nosso silêncio, pelas nossas omissões. Quer dizer, se eu vejo um quadro que é negativo que deve melhorar e não falo, automaticamente converto-me numa espécie de cúmplice.
A orientação é essa que podemos fazer: para avaliar se eventualmente está a cumprir ou não essa função e também a dificuldade que pode passar para ir ao encontro das comunidades. Eu vou ao Alto Zambeze às vezes. Se fico lá 20 (2?) dias temos que ver se um repórter pode acompanhar durante 20 (2?) dias uma deslocação do bispo, vamos alugar um espaço onde não há condições de vida, então ficamos lá um, dois ou três dias depois regressamos, as vezes pelas condições do caminho nem sempre sabemos qual é o dia de regresso. Há situações assim mais preocupantes que não sabemos até que ponto pode cobrir essa situação, se é viável até da minha parte eu sempre sei que a minha voz e, aquilo que falo nas homilias, penso que chega às populações. Evidentemente teremos que a avaliar se estas vozes que não têm voz são ouvidas também pela rádio Ecclesia, isso será motivo de uma avaliação e agradeço o reparo da vossa parte!


É possível a rádio Ecclesia do Moxico estar ao lado dos mais fracos, se a direção está sob tutela de alguém ligado ao poder? Estamos a falar do director
da rádio que é militante do MPLA e ao mesmo tempo é Director da rádio Ecclesia. Nós sabemos que muitas das vezes o regime através do seu militante pode condicionar o normal funcionamento ou a grelha de programação da rádio Ecclesia. Como pode a rádio estar ao lado dos mais fracos nestas condições?
A direcção tem a sua função. Evidentemente, eu não sei até que ponto a militância partidária pode condicionar o normal funcionamento. Hoje em dia a militância partidária é um pouco mais geral. E isso foi uma estratégia da nossa parte. A direcção de informação está a cargo de alguém que não tem nenhuma militância política e que tem, portanto, a condução da linha editorial da rádio, que é justamente um sacerdote. Porque a direcção tem a ver com os órgãos administrativos, a questão estratégica. Mas quem leva para frente toda essa máquina da rádio é justamente o director de informação.
Essa parte fica reservada para um sacerdote daqui. É assim também na rádio Ecclesia de Luanda. Dizer que é militante de um partido, para nós não é um obstáculo…


Quer dizer que o Director, directa ou indirectamente não influencia?
Logicamente tem o seu peso, porque é um Director e depois digo que não é que alguém que é militante não pode ser director de uma rádio da igreja. O importante é que não tenha de facto este condicionamento pelo facto de ser militante de um partido, porque a rádio é isenta politicamente. Isso é o que está no estatuto. Primeiro, quem aceita ser o Director, embora possa ser militante de um partido sabe que a rádio como tal é isenta, agora, se dizer que a rádio não dá mais voz a um partido que tem uma actividade, isso seria uma questão de uma análise concreta. Nós enquanto instituição, achamos que quem tem uma queixa apresente e diga os factos concretos, então nós aí vamos chamar atenção nesse sentido, a rádio Ecclésia é isenta do ponto de vista partidário, isso não significa que todos aqueles que estão a trabalhar na rádio não tenham vínculo partidário.
DD- Nós colocamos essa questão porque vimos em Luanda, em que membros ligados ao partido no poder desde muito cedo foram reprimindo as liberdades, os direitos dos cidadãos e a questão do próprio direito à informação. Foram infiltrando agentes dos Serviços Secretos na imprensa em geral, no sentido de impedir aquelas vozes críticas…
Dom Tirso Blanco - O limite que colocamos é essencial, mesmo quando alguém que cometeu uma inflação o tratamento deve ser dado com devido respeito, mostram-se os factos e isso é legítimo, sempre num ambiente de respeito. Isso faz parte da linha editorial da rádio em qualquer província, não tem merecido qualquer censura.


O senhor Bispo tem conversado com as autoridades locais sobre a questão dos direitos humanos no Moxico?
Temos falado sim. Quando há um problema sobre educação, sobretudo quando não há oportunidades ao acesso à educação com bastante frequência. Temos falado sobre a questão da seca e da fome, sobre a questão do abate das florestas. De facto, é um direito as pessoas terem direito à um ambiente habitável. No caso da seca a nível da província, depois das minhas colocações foi lá uma delegação, evidentemente a resposta que está se dar não é suficiente, mas o reconhecimento é do facto de eles terem feito alguma coisa e depois tentar articular algumas ajudas. Da nossa parte temos feito alguma coisa, mas juntamente com o governo. Já que não há condições para levar para todos.


Qual é a relação que existe entre o senhor Bispo e a sociedade civil?
Quanto mais saímos, mais diálogo vamos mantendo com a comunidade, para dizerem que aqui falta água...Visitamos hospitais, escolas, dizendo que aqui falta médicos. Evidentemente que as repostas nem sempre são de acordo as necessidades. Vamos dar um exemplo: nas comunas até mesmo nas sedes municipais. As vezes nem sequer têm uma viatura, nem sequer uma motorizada e nós pretendemos que depois eles façam um trabalho de supervisionar a segurança das populações. Como é que eles vão fazer para responder essas situações. A nível da cidade do Luena, temos tido alguns contactos, alguns fóruns especiais. Recentemente tivemos um workshop sobre crianças em condições de rua, alguns se tornam adolescentes, alguns se tornam jovens depois delinquentes. Tivemos também no mês de Junho, a semana social sobre o meio ambiente. Temos que criar esses espaços onde se possa manifestar estas questões. Nas escolas católicas, temos criado espaços para dialogar com os nossos estudantes, onde a juventude é bastante inquieta, tem muitos questionamentos interessantes.


Algumas vezes já recebeu uma denúncia de alguém que sofreu violência doméstica? Foi a polícia e não teve o caso resolvido ou eventualmente não sabe que a polícia está aí para resolver os seus problemas e se dirige ao senhor Bispo para eventualmente intermediar essa situação?
Tenho sim! Temos até hoje, um pouquinho mais diluído, um Gabinete de Aconselhamento Jurídico. A pessoa vai lá, apresenta a sua situação…


O que conversou com o Presidente da República quando esteve no encontro de auscultação, sobretudo em matérias ligadas aos direitos humanos?
Na verdade, nunca tive um diálogo pessoal com o Presidente da República. Mesmo quando veio como candidato.
Quando veio como Presidente, não tive nenhum encontro particular. Participei do encontro de auscultação, lá como sabe, não participei daqueles que foram selecionados para falarem. Só eles sabem porquê não fui escolhido. Cada um sabe com quem pode e quer falar. Dei a minha opinião na entrevista que dei à TPA, porque ouvi atentamente as perguntas que foram colocadas ao Presidente. Escutei também as respostas dele.


Qual é o comentário que o senhor faz em relação ao interior onde o senhor tem ido vê a seca e fome que tem estado a repudiar. Temos visto as imagens nas plataformas digitais que demonstram um estado de desespero das pessoas que lá vivem?
A educação que recebe uma criança aqui deveria ser um padrão para todas. Até aquelas da última aldeia, igualmente na saúde, devem ter o mesmo direito de quem está em Luanda. Esta distância é algo que nos comove negativamente. Como encurtar esta distância? Isso nos preocupa realmente, porque nós vimos a dinâmica em que o mundo de hoje caminha nas tecnologias, o acesso à informação, a vontade de participar, a consciência dos próprios direitos e a distância que há entre um jovem que vive aqui e lá, quer dizer é uma distância enorme. Para mim, isso é de uma preocupação enorme.


A falta de Bilhete de Identidade e de Registo de Nascimento constitui uma preocupação lá no interior do Moxico?
Tem sido frequente! Temos feito nos últimos meses num lugar chamado Acampamento, na comuna de Tempué e na comuna de Lucusse, os registos. Chamamos atenção para a concentração da população para que as pessoas tenham esse direito, o direito à nacionalidade.

 

No Moxico tem havido actos de intolerância política. Isto põe em causa a liberdade política e o exercício da cidadania. Qual é o seu comentário sobre isso?
Temos que fazer um caminho e mostrar as dificuldades com bastante clareza. Acredito que está a crescer a consciência sobre os direitos. Isso é bom. Também no histórico da nossa província, temos que ver aonde nós saímos e onde estamos a caminhar. Acredito que hoje já há maior consciência sobre os direitos para depois exercitarem. Acho que temos que continuar a ensinar mais sobre os direitos humanos. Hoje em dia, já não é pacífico esses actos de intolerância política. Isso já é um passo relevante, esperamos que essa consciência possa crescer mais.

 

O bispo já recebeu esse tipo de denúncia?
Infelizmente não tenho recebido em tempo real. Quer dizer, se hoje recebo uma denúncia, isso passa por um processo, três meses depois faço uma espécie de relatório. Evidentemente pode servir no sentido de ter uma consciência de uma realidade, mas não é fácil de intervir a posterior à denúncia.


Nós sabemos que a igreja católica tem uma grande sensibilidade sobre a questão da Educação. Como é que avalia o direito à educação na província?
Aqui há duas questões. É um facto que muita gente não usufrui o direito à educação, sobretudo, uma educação de qualidade. Encontramos turmas com mais de 150 alunos, 200 alunos, encontramos lugares sem professores ou foi apresentado depois não dá aulas. É um direito que é violado frequentemente. Por outro lado, perguntamos como podemos reverter efectivamente esta situação? Acredito que não é fácil. O primeiro passo, acho que é o salário diferenciado. Deve ser bem diferenciado. Imaginem que esteja no Luacano. Lá não tem banco, tenho de me deslocar para o Luena onde tem banco e o custo de vida efectivamente não será o mesmo com quem está numa zona com todas as condições. O Estado precisa criar condições para os professores, para incentivar os professores: casas, energia, água, estradas.
O problema da Educação é que é inadiável e é cumulativo, porque se este ano ficam crianças sem estudar, efectivamente no próximo ano serão mais crianças fora do sistema educativo que precisarão ser inseridas nas escolas.
Temos também de reconhecer a existência do ensino superior na província e o impacto que isso vai causar na sociedade, que antes não existia, é uma realidade que também temos que avaliar.


O fraco desempenho do professor que percorre longos quilómetros de distância para ir a busca do seu salário e, a falta de estímulos, pelo que percebi o Bispo defende um estímulo salarial para esses professores que trabalham distante. Acha que esse estímulo pode contribuir para um ensino de qualidade?
Sim! Quando eu posso satisfazer as minhas necessidades básicas e eu estou a dar aulas, não tenho que pensar que os meus filhos que estão no Luena estão a passar a fome, porque estou distante. Isso preocupa, impede e obriga que tenho que estar constantemente a me deslocar para atender estas situações. Seria bom se o professor, mesmo estando no mato tivesse uma casa, energia, água. É indispensável que a escola dê alimentação aos alunos. Conforme disse, a educação é um problema inadiável e cumulativo. A resposta dever ser imediata. Em 2020 temos que ter crianças a estudar, aquelas que hoje não estudam. Para muitas pessoas aqui, culturalmente, não é muito importante o estudo. Temos que criar condições para que as crianças possam comer na escola... 
Nós estamos numa área onde a principal actividade é a pesca e agricultura. As lavras ficam a tantos quilómetros de distância. Como um pai pode deixar uma criança sozinha sem ter a garantia de pelo menos boa refeição ao dia? E aí temos o problema do insucesso escolar de tantas crianças. E os pais ficam tanto tempo nas lavras, muitos deles só vêm no fim do ano, daí que a escola tem que dar comida aos estudantes. O Estado deve criar as condições para que as crianças possam usufruir dos seus direitos, para que possam desenvolver na escola.


O senhor bispo falou do fraco desempenho que se registra. Não pode haver diferença de desempenho e qualidade entre o estudante do Moxico e de Luanda. Hoje o Moxico debate-se com o problema da qualidade de ensino ao nível superior, a questão da produção científica também ao nível superior. Nós sabemos que o nosso ensino é excessivamente centralizado, onde o Governo controla tudo, inclusive as disciplinas que são leccionadas em salas de aulas. Por exemplo, um professor não é capaz de levar um aluno a indagar a situação política, económica e social, se o professor ousar isso ou é despedido ou… como aconteceu em Luanda. Tudo isso por falta da liberdade académica, de liberdade de ensino, daí que hoje muitas vozes se levantam sobre a necessidade de democratizar o ensino, porque as infra-estruturas por si só não serão capazes de proporcionar um ensino de qualidade. O senhor Bispo é a favor da democratização do ensino?
Hoje em dia, não sei até que ponto se pode controlar a informação. Para mim, um dos grandes problemas que se debate na província é a falta de acesso a fontes diversificadas de informação, bibliotecas virtuais ou digitais e não só. Eu penso que tem de haver maior abertura nesse sentido e assumir a universidade como um local de investigação. Tem que ter logicamente a sua liberdade para que isso aconteça, temos que verificar até que ponto as universidades locais são capazes de... Têm condições para...E como são as bibliotecas, os laboratórios e concretamente, se estou numa área ligada a Medicina, será que no dia que recebo o certificado de Licenciado tenho todos conhecimentos práticos ligados aquela área? 
O problema é abrangente e não é só a democratização, há que se ter acesso à informação, abertura ao pensamento, à ciência que deve existir nestes centros universitários, os professores têm que publicar. Hoje em dia, muitos docentes universitários são apenas docentes e não são investigadores da ciência o que não devia ser. Aqui não se incentiva os professores.


O acesso à saúde é um direito dos cidadãos. O senhor bispo tem feito um périplo a nível da província do Moxico a dentro. Melhor que ninguém, sabe o quadro real da saúde nesta província. Qual é o seu ponto de vista sobre o sector da saúde?
Não tenho dados estatísticos, mas nós temos um território imenso e aqui nós temos menos médicos do que a média nacional. Nós, pelo território que temos, devíamos ter mais médicos por habitantes. No município dos Bundas só há um médico; vou aos Lutchazes, só tem um médico num lugar e para chegar lá naqueles hospitais é muito difícil e, quando chegamos lá às vezes nem médicos tem. É lamentável este quadro.
Qual é a solução para este problema? Não sei. A maior parte das nossas comunas não tem médicos e existem lá doenças que para muitas zonas já foram erradicadas, como é o caso da lepra.


Dada a falta de médicos especialistas, há vozes que defendem (o Bispo também) que o Governo deve criar uma linha emergencial, uma bolsa e celebrar um contrato para formar médicos especialistas ou então traga os professores para formar os licenciados em Medicina ou Enfermagem. Quer comentar sobre isto?
A educação é uma necessidade e a actualização também é uma necessidade. É um caminho. Não é mal. Mesmo aqueles que já são funcionários públicos tinham que ter oportunidades para formação de especializações. No campo da saúde não tenho domínio em termos estatísticos, mas no campo da Educação sim, haveria de facto facilitar formação de especialistas nas diversas áreas. Este investimento embora hoje seja uma despesa, mas é um investimento a longo prazo.


Disse que há proliferação da prostituição na província, como o Bispo sabe que há esse índice elevado de prostituição no Moxico?
Na verdade foi uma missa que eu celebrei a pedido dos jovens por acharem que muitos enveredam no campo do alcoolismo, da droga e da prostituição. Foi um dado colhido de pessoas que conhecem em profundidade sobre o assunto. E quanto a droga, fiquei impressionado quando fui a um dos bairros periféricos do Luena, vi escolas e hospitais vandalizadas e fiquei realmente muito preocupado. Porque eu vejo uma juventude com um potencial enorme, mas ao ver jovens a se estragarem assim, fico realmente preocupado. Estamos a tentar criar um núcleo para lidar com jovens com problemas de adicção à droga. Este núcleo trabalhará não só para ajudar jovens envolvidos na droga, para saírem, mas também os que estão envolvidos na prostituição. O que está na base da proliferação da prostituição é a situação económica das nossas famílias, a situação da fome, as vezes as famílias não conseguem dar aquilo que os jovens precisam. Não é a solução, precisamos combater esse fenómeno.


A igreja chama atenção ao Governo e a sociedade civil quando há violação de direitos humanos na província?
Sim! Nós chamamos atenção. Também nos nossos encontros das Conferências Episcopais, chamamos atenção sobre certos fenómenos, falamos da situação complexa que o país vive do ponto de vista social, temos indicado sobre aquilo que realmente está acontecer. Logicamente que podem existir aqueles problemas que nós não conhecemos, mas aqueles que dominamos fazemos chegar às autoridades quando existem oportunidades.


A história mostra que também há violação de direitos humanos dentro da igreja. O senhor Bispo tem algum comentário sobre isso?
Isto é muito importante, porque nós sabemos que somos humanos e temos nossas falhas. Não podemos andar a bater no peito e a dizer que somos perfeitos, somos bons, isso não deve ser a nossa atitude. Também temos olhado para dentro para poder meditar e ver se há situação do género e colocar o remédio. Na linguagem religiosa falamos de conversão. Há também aqueles que falam que somos uma reserva moral. Não! Nós somos também pessoas que tentamos constantemente nos converter e seguir a Sua vontade. A igreja tem também nos seus membros muitas falhas!


Há casos de pedofilia praticada por padres aqui no Moxico? Se há, estes casos chegaram ao conhecimento do Bispo? Qual é o tratamento que tem dado?
Se nós tivermos conhecimento sobre um caso de pedofilia entregamos o caso as autoridades civis. Logicamente que esta pessoa é afastada do seu ministério.


Hoje, a sociedade bate-se com a questão da autoridade moral, honestidade e a reserva moral. Esses valores notamos que a juventude não pauta por eles, pautam mais pelo materialismo e ao imediatismo. Qual é o conselho que deixa para a juventude?
Nós enquanto igreja...Somos uma igreja a caminho da conversão. E enquanto caminhamos nesta direcção, procuramos fazer aquilo que o Senhor nos pede e sermos fortes. Não gostaria que dissessem que o Bispo é um modelo, somos humanos, temos as nossas falhas, o único perfeito é Jesus Cristo. Nós procuramos fazer aquilo que o senhor manda. Claramente que a igreja deve possuir esses princípios e ensinar a juventude.


Colaboração de: Nelson Mucazo, Luís Paulo e Mwana África. O nosso agradecimento.