Washington - Conheci Tito Chingunji na base do Malengue, em 1977. Trabalhei com ele durante algum tempo em Londres, em 1983, e depois na Jamba, em 1985. Era, para juventude, o modelo de um revolucionário, optimista, abnegado e entregue de corpo e alma à revolução. Em Londres passávamos horas a discutir a sua experiência, sua interpretação das "obras escolhidas de Mao," e a sua visão do futuro de Angola, que acreditava ser " Brilhante e Risonho".

Fonte: Angola a segunda Revolução

Naquele momento, ele só via as virtudes da revolução e do presidente. Era um militante convicto que ajudou a consolidar a minha própria convicção. Durante o ano de 1986, trabalhamos juntos em Washington cerca de sete meses; O período mais longo que passamos juntos. No fim do ano 1986, quando regressou da Jamba como secretário das relações Exteriores, Tito já não era o idealista de outros tempos. Tinha perguntas sem respostas.

Questionava os métodos de liderança do Partido, cuja a disciplina militar considerava excessiva. Na sua opinião o Partido tinha crescido o suficiente para que a Jamba se transformasse num viveiro de experimentação democrática que servisse de modelo da sociedade que tencionávamos edificar no País.


A criação da Vice-presidência, do sector administrativo e da função pública, ocorrida durante o ano de 1986 eram factores que para ele, deviam proporcionar o surgimento de uma sociedade civil nas áreas libertadas, isenta da obediência à disciplina militar. Dizia: "se o nosso objetivo é implementar a democracia em Angola, temos de começar a pratica-la entre nós". Eram ideias interessantes que fomos discutindo como responsáveis do Partido que buscavam o melhoramento do seu Desempenho. Eu concordava com Tito, mais era da opinião que tais ideias teriam maior probabilidade de aceitação depois da assinatura de um acordo de paz. Tinha surgido um conflito na mente de Tito, entre a realidade política da Jamba e a Jamba política da sua visão.


Eu parti para Londres a 7 de fevereiro de 1987, tendo-o deixado em Washington. Durante uma visita que efectuou a Londres Junho de 1987, falou-me, pela primeira vez, da necessidade de organizar um grupo de mais -velhos que fosse capaz de reunir com o presidente e abordar estas e outras questões, visando maior abertura política e o fim da disciplina militar no seio do Partido. Acreditava que tal grupo teria de incluir figuras de proa do exército e do Partido e teria de agir como unidade inseparável para ter o efeito desejável e evitar retaliações individuais. Estava convencido de que quanto maior for o grupo, mais apelo teria junto do presidente e menor seria a probabilidade de retaliação, sob risco de criar uma crise profunda no Partido. Conforme explicou o projecto não incluía a remoção do Dr. Savimbi da liderança do Partido mas sim " encorajá-lo a adoptar reformas democráticas internas". Naquele momento dizia ter apoio de 15 dirigentes da superestrutura porem achava não ter chegado o momento para agir.


Entretanto, teve lugar a ofensiva militar de Setembro de 1987, a que se seguiu a viagem do Dr. Savimbi a Washington, em Junho do ano seguinte. Em agosto de de 1988, quando o acompanhei a Berlim, para o encontro com o mais-velho Mendes de Carvalho, Tito estava deprimido e revelou-me que já não acreditava na versão oficial sobre as mortes de seus familiares « tivi tempo de investigar os casos todos e cheguei à conclusão de que foram mortos por ordens, ou com o conhecimento, do Mais-velho... onde é que irei buscar mais força para continuar a lutar?»


Na altura sugeri que esperasse até que se alcançasse um acordo interno, depois do qual poderia dar outro rumo à sua vida. Talvez optimista de mais, eu acreditava que a aceleração das negociações entre Angola, Cuba, e a África do Sul fosse precipitar um acordo interno mais cedo do que aconteceu. Ademais estávamos a caminho de um encontro com o mais-velho Mendes de Carvalho. Parecia-me sensato esperar pelo desenvolvimento das coisas.


Em finais de Setembro de 1988, Tito passou por Londres outra vez a caminho da Jamba. A sua expressão facial revelava uma profunda contradição interna. Continuava a falar da necessidade de reformas. Porém desta vez punha a questão em termos morais: «É preciso que as forças do bem ganhem as forças do mal.» Insisti que não ganharia nada com uma confrontação antes da descompressão da situação política nacional. Porém, Tito parecia decidido.


Numa entrevista com Richard Dowden, do jornal londrino The indepent, que teve lugar no Holiday inn de St Johnswood, o Jornalista perguntou: « Caso seja necessário que o Dr. Savimbi deixe( step down) a liderança da Unita para facilitar um acordo com o MPLA, devia fazê-lo?» Para meu espanto, Tito respondeu: «Sim»

Quando terminou a entrevista eu virei-me para o Tito agitado e preocupado perguntei: « Tens noção do que acabaste de fazer?» Tito respondeu: « Ele tem de saber que não diremos sempre: Sim senhor»


Por um lado eu estava admirado com a sua coragem, por outro espantava-me a táctica que escolhera. Perturbado disse-lhe: « Criaste-me um problema sério. Se eu comunicar ao interior o que se passou aqui, terás contas a ajustar com a direção e eu não queria ser responsável pela sua desgraça. Se não comunicar, este artigo será publicado amanhã, teremos os dois contas a ajustar com a direção e estaremos os dois na desgraça. O que é que vou fazer?» Tito disse: « Tu é que sabes!»


Honestamente cheguei a pensar naquele dia que Tito não estava em pleno uso das suas faculdades mentais.

Independentemente da justeza, ou não, das suas ideias, a táctica que empregava no contexto da sua experiência revolucionária parecia-me irreflectida e ingênua.


Extrato do livro  "Angola a segunda Revolução" de Jardo Muekalia