Luanda - "O MPLA precisa de libertar os seus quadros intermédios, secretários provinciais, membros do governo, e até da sua direcção, para decidirem de acordo com a sua consciência".


Fonte: SA

MPLA evoluiu noutro sentido: Votação com...o braço no ar

Há uma semana defende-mos neste espaço a ne-cessidade de o MPLA, maior força política deste país, adoptar uma postura que faça dele um partido mais arejado. Dissemos que, com isso, seríamos um país mais tolerante do que aquele que somos hoje.


Sugerimos na altura que a anulação do voto com o braço no ar ou a imposição, pela sua direcção, de líderes de escalões intermédios, não eram exactamente

exercícios de democracia. Eram exercícios de controlo do poder. Isto é, o poder pelo poder. Convenhamos que o controlo do poder em democracia não pode ser apoiado na negação da democracia, seja no MPLA , seja na sociedade.


Dissemos também que a anulação destas práticas nunca iria enfraquecer o MPLA. O partido dos camaradas sobreviveu a todas transformações registadas neste país, tanto as que empreendeu de motu próprio, quanto as que foi forçado a executar. Hoje, pese a concorrência de outros partidos, e o escrutínio da imprensa e de vários grupos de pressão, ele, mesmo que às vezes com recurso a mãos invisíveis, é manifestamente mais forte do que era no tempo do partido único. Mas nem por isso é mais arejado como eventualmente se supunha.


A grandeza do seu crescimento físico e da sua influência na socie-dade é tremendamente despropor-cional à evolução registada no seu comportamento. E não se pode sequer dizer que o MPLA nunca tivesse dado conta dos seus incompreensíveis deficits. É do domínio público que, por exemplo, em relação à votação com o braço no ar, o MPLA, em mais de uma ocasião, ponderou a sua eliminação, mas também em mais de uma ocasião rejeitou a proposta para banir a prática.


Perante o que se passou, primeiro com o vexame do novo Bilhete de Identidade e, agora, com a controvérsia à volta da escolha do vencedor da disciplina de Literatura do Prémio Nacional de Cultura 2009 é oportuno retomar o assunto.


Como diria o falecido Ndunduma, é preciso continuar a bater no ferro quente.


Foi completamente desnecessária e, sobretudo, desastrada a intervenção do secretariado do Bureau Político do MPLA num assunto de Estado e no qual não deveria meter o bedelho. Não se pode consentir que o MPLA se substitua ao júri, a quem o governo deu poderes para decidir, sem pressões, sobre a criatividade de escritores angolanos.


Permitindo-se interferir em todas as esferas do país, como se ainda estivéssemos no tempo em que reclamava para si a condição de força dirigente do Estado, qualquer dia arriscamo-nos a ver as impressões digitais do MPLA até na vida privada dos cidadãos. Hoje ele interfere na decisão de um júri, amanhã o fará na sentença de um juiz. No caso do PNC, bom ou mau, havia um júri nomeado pelo Ministério da Cultura. Se houve da parte desse júri, como sugerem fontes do Ministério da Cultura, uma grosseira violação do regulamento do Prémio, competiria à ministra da Cultura e só a ela corrigir o erro.


Não o tendo feito, Rosa Cruz e Silva deveria ser confrontada com essa distracção. Afinal, à ministra da Cultura não basta estar atenta àquilo que pode ferir o seu partido. É fundamental que ela preste atenção ao que dizem os regulamentos. É, acima de tudo, importante mostrar que está a governar para todos, e não para um partido. A ministra não foi capaz de fazer uma coisa ou outra. Não conse-guiu poupar o seu partido desta controvérsia, nem conseguiu mostrar que interpreta bem a lei. No fim, numa fuga em frente, preferiu a razão da força.


Esperamos que não caia na tentação de endurecer a sua gestão ou de embrutecer a sua postura, como fazem muitos ministros à primeira contrariedade. Não lhe ficaria nada bem. Quer pela sua trajectória política, quer pela formação que tem. Voltando ao MPLA apetece dizer que ele perdeu uma grande oportunidade de mostrar à sociedade que a distinção de um escritor angolano pode ser um processo despartidarizado. Mas a verdade é que o MPLA não foi capaz de resistir à tentação de meter as mãos em tudo. E, para não variar, o assunto acabou arrumado com uma votação com...o braço no ar.


A decisão, sufragada pelo secretariado do BP do MPLA e oficializada pela ministra da Cultura, reforça a necessidade do partido no poder evoluir noutro sentido. O MPLA precisa de libertar os seus quadros intermédios, secretários provinciais, membros do governo, e até da sua direcção, para decidirem de acordo com a sua consciência.


Que mal haveria se a decisão do júri, boa ou má, fosse respeitada? Ainda este ano o MPLA mostrou- se mais moderado em relação à figura de Mário Pinto de Andrade. Antes disso alinhou de cruz nas cerimónias que marcaram a transladação do restos mortais de Viriato para Angola.


Perante o que se passou há uma semana ocorrenos perguntar se isto foi genuíno ou se se tratou apenas de um processo ao qual não se poderia opor?


De resto, por mais que alguns dos seus actuais e passageiros diri-gentes estrebuchem, o encontro do MPLA com a sua história far-se-á um dia desses e lá ‹‹estará››, fatalmente, o nome de Viriato da Cruz.


Há coisa de dois anos, o MPLA encome ndou a uma comissão a redacção da sua história. Feito a rigor, o levantamento vai colocar o MPLA perante si próprio. E o livro de Jean-Michel Mabeko Taliy, de onde roubamos o título desta carta, é uma preparação para o que sairá da investigação.


Mas diante de todas estas in-congruências apetece perguntar se o MPLA aceitará as conclusões a que os historiadores chegarem. Estará o MPLA preparado para aquilo que vier a ser «descoberto» a respeito do papel de Viriato da Cruz?


O que se diz a respeito do MPLA encaixa-se também na ministra. O ministro que ela precedeu, Boaventura Cardoso, tinha criado uma comissão para preparar a redacção da história da literatura angolana. Estará ela na disposição de aceitar aquilo que outros historiadores vierem a concluir?


Voltando ao MPLA, cuja história (oficial) aguardamos ardentemente, e mesmo não querendo anteciparmo-nos às conclusões dos historiadores, não virá mal nenhum ao mundo dizer que Viriato da Cruz nunca traiu o movimento. A sua decisão de deixar o MPLA decorreu de desinteligências pessoais com Agostinho Neto.


Um partido democrático como o MPLA se apresenta deve ter a argúcia para ultrapassar um diferendo que aconteceu há mais de 40 anos, e que diz respeito a uma figura que morreu em 1973!


Não tendo distinguido Viriato da Cruz por altura dos seus 50 anos, não teria sido esta uma boa oportunidade para um bom exer-cício de relações públicas?


Em boa verdade, nada obrigava o secretariado do MPLA a debitar a sua opinião num processo que, repetimos, bem ou mal estava decidido. Em todo o caso, a decisão do MPLA não nos surpreende. Por um lado a génese de parte da sua liderança não «casa» bem com aquilo que o júri bolou. Por outro lado, o problema que se põe aos ministros, primeiros secretários provinciais e afins - a necessidade de consultarem o partido antes de decidirem seja o quer for põe-se igualmente aos membros do secretariado do Bureau Politico quando toca a interpretar o pensamento de José Eduardo dos Santos.


Informado pela ministra da Cultura, numa sessão do Conselho de Ministros, da decisão do júri de atribuir o prémio de Literatura a Viriato da Cruz, o presidente José Eduardo dos Santos disse que não via nenhum inconveniente. Porém, prudente, experimentado, astuto, permitam-nos o termo, perguntou à ministra se o secretariado do BP do MPLA já estava informado sobre a decisão do júri.


A pergunta do PR - e não uma recomendação para que fosse feita uma consulta ao secretariado do BP - foi quanto bastou para que a ministra iniciasse a inver-são de marcha. A partir daí houve um efeito cascata. Quando um membro do governo, seja gestor de grandes fundos ou não, sai dos seus cuidados para ir em missão de consulta ao «Kremlin» isso significa, em último caso, a aceitação de que a sede do poder é ali, e não onde se executam os orçamentos.


«Inchado» por haver sido consultado numa matéria de que, num país normal, teria tomado conhecimento através da imprensa, o secretariado do BP foi muito além do que o bom senso recomendaria, isto é, ficar-se pela tomada de conhecimento do assunto. Decidiu interpretar o pensamento do presidente do MPLA. Não lhes parecendo que o que JES disse não era exactamente peixe nem carne, os membros do secretariado preferi-ram jogar no seguro – e no caso do MPLA seguro é cortar, não vá o diabo tecê-las.


Este caso também mostra que a própria direcção do MPLA tem de se libertar da tentação de querer interpretar sempre o pensamento do seu presidente. José Eduardo dos Santos sabe bem qual o peso das suas palavras, sejam meias ou inteiras, mas neste caso foram os seus camaradas que se embrulharam numa enrascada sem necessidade.


 Mas a pior de todos na fotografia é a ministra. A Dr.ª Rosa da Cruz e Silva de uma coisa pode ter a certeza: os historiadores que um dia vierem a escrever a histó-ria do Prémio Nacional de Cultu-ra não falarão dela nos melhores termos!