Luanda - Já estamos em 2020. Terminámos o 2019 com um caso político-jurídico-social mediático: o arresto de bens em várias empresas em que a empresária Isabel dos Santos tem participação como accionista. Os tribunais são soberanos nas suas decisões. Não pretendemos pôr aqui em causa a boa-fé do Tribunal de Luanda que tomou tal decisão, sob pedido do Estado, representado pelo Ministério Público. Não está aqui em causa o ónus da questão judicial. Até prova em contrário, a acusada ainda goza do direito constitucional da presunção da inocência.

Fonte: Club-k.net

O que nos ressalta à vista é, porém, "por que só a Presidente do Conselho de Administração (PCA) da Sonangol Isabel dos Santos, quando a Sonangol teve outros PCA, antes e depois de Isabel dos Santos"? Será que, ao ser verdade que Isabel dos Santos de facto usou fundos públicos para financiar, de forma ilícita, os seus negócios, só ela o fez? Todos os outros PCA da Sonangol geriram a Sonangol com transparência? É esta a ideia que a justiça angolana nos pretende transmitir? Esta é a grande questão que abre o ano de 2020. Só para citar os últimos, Manuel Vicente, Francisco Lemos Maria e Carlos Saturnino geriram a Sonangol sem adjudicar, de forma ilícita, fundos públicos a seus negócios privados? É esta a ideia que a justiça angolana nos está a transmitir neste Ano Novo? Só a PCA da Sonangol, filha do antigo presidente da República de Angola José Eduardo dos Santos, usou dinheiro do Estado para financiar suas empresas particulares? É esta a ideia nobre que os angolanos devem ter neste início do ano 2020? É esta a grande mensagem de Ano Novo da nossa justiça?


Se sim - e devemos também dar o benefício da dúvida à boa-fé da nossa justiça -, fica muito difícil, para cidadãos angolanos lúcidos, conscientes e patriotas, acreditar que nenhum dos outros PCA da Sonangol, citados, tenham feito eventualmente o mesmo que Isabel dos Santos terá feito: desviar, de forma ilícita, fundos públicos para beneficiar próprio. Também nos devemos questionar o seguinte: será que o actual PCA da Sonangol, Sebastião Pai Querido Martins, não está a fazer o mesmo? Quem o controla? Quem o fiscaliza? Por que, ao ser verdade o envolvimento de Isabel dos Santos em tais práticas, os órgãos de investigação do Estado, que deviam fiscalizar os actos da PCA Isabel dos Santos, não funcionaram? Por que não conseguimos prevenir o mal? Por que continuamos a apagar incêndios, em vez de evitarmos que eles deflagrem? O que nos garante, agora, que os órgãos de investigação do Estado e o Jornalismo de Investigação estão a funcionar para que, no futuro, não tenhamos, também o actual PCA da Sonangol Sebastião Pai Querido Martins a ser acusado das mesmas práticas? Voltando ao passado recente: por que não se investigou a gestão de Manuel Vicente, Francisco Lemos Maria e Carlos Saturnino? Ou todos eles foram investigados e as investigações demonstraram que só a empresária Isabel dos Santos foi a PCA da Sonangol que desviou para si fundos públicos?


Entrámos em 2020 com uma grande incógnita da nossa justiça, dos nossos órgãos de investigação do Estado e das verdadeiras intenções da gestão do actual Executivo, que tem como titular o senhor João Lourenço.


A ideia de "caça às bruxas" - de se fazer uma justiça selectiva contra os filhos e antigos gestores próximos ao antigo presidente da República José Eduardo dos Santos - não pode ser alimentada neste ano que começa.


Não é bom para nenhum angolano - lúcido, consciente e patriota - que as nossas autoridades estejam a defender "verdadeiros filhos" para culpar outros, com o sentido de nos revoltarmos contra os "enteados" e, com isso, tentarmos apagar todas as nossas mágoas sobre as péssimas condições de vida a que fomos submetidos hoje em Angola.


Não seria bom para o nosso "Ano Novo" que o tempo viesse provar que, afinal, houve também outras "Isabeis dos Santos" na Sonangol, mas que foram protegidas pelo mesmo sistema político, legislativo e judicial que hoje condena alegadas práticas ilícitas da gestão de Isabel dos Santos à frente da Sonangol.

Nenhum país prospera com a criação, de forma propositada, de filhos e enteados.


Vamos torcer para que o ano de 2020 nos mostre, também, o resultado concreto das investigações feitas na gestão dos outros PCA da Sonangol - que mostre que foram melhores que Isabel dos Santos à frente da Sonangol - para acreditarmos todos que estamos, de facto, numa nova era da moralização da sociedade sem se olhar para a cor dos olhos de ninguém. Caso contrário, o abismo, ódio e luta entre nós, filhos da mesma pátria, será sempre o nosso "troféu de Ano Novo".

Carlos Alberto (in facebook)
02.01.2020