Lisboa - Saldo ficou negativo no dia a seguir a Isabel dos Santos ter sido demitida de presidente da empresa. Contrato a suportar transferências foi enviado de véspera para a petrolífera

Fonte: Expresso

Foi uma questão de apenas um dia, entre sair a notícia de que o conselho de administração da Sonangol tinha sido exonerado e a tomada de posse da nova equipa.

 

Em Lisboa, na conta da Sonangol no Eurobic, banco de que Isabel dos Santos é a maior acionista, havia 57,4 milhões de dólares a 15 de novembro, quando foi demitida, e no dia seguinte tinha um saldo negativo de 451 mil euros. O extrato bancário relativo ao mês de novembro de 2017 é um dos documentos da Sonangol que foi adicionado à fuga de informação de 715 mil ficheiros que está na base do Luanda Leaks, um projeto coordenado pelo ICIJ, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, em que o Expresso e a SIC participam.

 

Os contornos sobre como uma transferência de última hora de 38 milhões de dólares foi feita dessa conta do Eurobic para uma conta no Dubai levou à abertura de um inquérito-crime pelo Ministério Público de Angola, por suspeitas de ter sido ordenada já depois de Isabel dos Santos e do seu administrador financeiro Sarju Raikundalia terem sido despedidos por um decreto presidencial de João Lourenço. Mas essa não foi a única transferência a ser realizada no mesmo dia e com o mesmo destino. Outras duas saídas de dinheiro executadas na mesma data, 16 de novembro de 2017, foram parar também à conta bancária no Emirates NBD titulada pela Matter Business Consulting DMCC, uma companhia offshore controlada por Jorge Brito Pereira, advogado de Isabel dos Santos, e gerida pelo seu braço direito, Mário Leite da Silva. Ao todo, foram 58 milhões de dólares. Três saídas consecutivas de dinheiro, na sequência de uma transferência anterior de 11,9 milhões de dólares ocorrida nesse dia mas não relacionada com o Dubai.

 

O extracto bancário do Eurobic está associado a um “relatório de incidente de segurança da informação” produzido internamente pelo departamento de segurança informática da petrolífera após a exoneração de Isabel dos Santos, em que foram analisados emails internos e os metadados de ficheiros, incluindo faturas emitidas pela Matter Business Solutions em formato PDF, numa tentativa de entender o que aconteceu nesses dias com os pagamentos de última hora determinados pela administração demissionária. Esse relatório foi depois enviado pela equipa de Carlos Saturnino, o sucessor de Isabel, ao Ministério Público.

 

A sequência de incidentes detetados nesse relatório começa com um email enviado às 19h03 de 14 de novembro por uma funcionária da Fidequity, empresa em Lisboa detida por Isabel dos Santos e pelo seu marido Sindika Dokolo, que gere os negócios do casal e da qual Mário Leite da Silva é o CEO. Esse email foi enviado ao administrador financeiro da Sonangol, Sarju Raikundalia, e em anexo continha um contrato entre a Sonangol Limited, subsidiária da Sonangol no Reino Unido, e a Matter Business Solutions.

 

A funcionária da Fidequity escreveu: “Sarju, segue em anexo o contrato assinado. Continuo a precisar que entregues o original ao Mário para se re-assinar”. Esse contrato tinha sido assinado apenas quatro dias antes, a 10 de novembro, e estabelecia que a Matter tinha direito a ser paga por tudo o que tivesse sido já faturado no passado ou viesse a ser faturado em serviços de consultoria prestados à Sonangol e relacionados com a reestruturação do grupo.

 

No dia seguinte, 15 de novembro, às 19h01, cinco horas e meia após a publicação de uma primeira notícia sobre a exoneração de Isabel dos Santos e do restante conselho de administração, Sarju Raikundalia enviou um email para um diretor do private banking do Eurobic, com Isabel dos Santos em CC, com a mensagem: “Junto envio pedido de transferência conforme dados em anexo.” Várias faturas em PDF seguem em anexo. Há também um pedido de pagamento no valor de 38 milhões de dólares assinado por Isabel dos Santos e Sarju Raikundalia, identificando a conta da Matter no Emirates NBD no Dubai e a referência de que se trata do pagamento das facturas 81 a 135. A resposta do gestor do banco chegou às 20h43, com a mensagem: “Transferências efectuadas”.

 

A 16 de novembro, pela hora de almoço, às 12h48, Sarju remete para o banco mais oito faturas, do número 136 ao número 143, com data desse dia — sete delas no valor de 15,3 milhões de dólares e uma última no valor de 4,35 milhões. “Conforme seu pedido junto envio as facturas em falta”, escreve Sarju. De acordo com a análise aos metadados das facturas feita pelo departamento de segurança informática da Sonangol, a maioria dessas facturas foram criadas antes das dez horas da manhã do próprio dia.

 

Depois, há um outro email ainda a 16 de novembro, horas mais tarde, enviado por Sarju para o banco. Os números das facturas são iguais, do 136 ao 143, mas desta a data que aparece neles é 14 de novembro. Segundo os metadados, estas segundas versões foram criadas por volta das 16 horas.

 

Numa resposta dada através dos seus advogados, a empresária angolana garante que “continuou como chairman da Sonangol até às 14h00 do dia 16 de Novembro de 2017 e as suas acções relativamente à ordem de pagamento e a todos os outros assuntos relacionados com a Matter foram inteiramente lícitas”.

 

Paula Oliveira, acionista e diretora da Matter Business Solutions, optou também por que fossem os advogados a responder: “A nossa cliente confirmou que as facturas em questão estão relacionadas a honorários de consultoria de maio a dezembro de 2017 incorridas corretamente por várias empresas internacionais subcontratadas, como Boston Consulting Group, McKinsey, PWC, VdA e Odkas. Estas facturas já tinham sido elaboradas no sistema da Matter mas precisavam de ser liquidadas para que a Matter cumprisse as suas obrigações contratuais de pagamento às empresas subcontratadas”. Os representantes legais de Paula disseram mais: “Quando a Matter descobriu o que tinha acontecido com a Sra. dos Santos, juntamente com os problemas de tesouraria que estavam a ocorrer na Sonangol, ficaram preocupados com a liquidação destas facturas e com o risco de incumprimento contratual. Por conseguinte, numa tentativa de ver estes pagamentos liquidados pela Sonangol, foram enviadas em conjunto. Qualquer alegação de irregularidade financeira em relação a essas facturas é totalmente falsa e negada.”

 

Confrontado pelo ICIJ, o diretor do private banking do Eurobic envolvido na execução das transferências não respondeu. O mesmo aconteceu com Sarju Raikundalia e com Mário Leite da Silva, que, além de ser o principal dos negócios de Isabel dos Santos, também era diretor da Matter.