Lisboa - O antigo embaixador de Angola junto das Nações Unidas, em Genebra, Adriano Parreira, é autor das primeiras denúncias contra as mais altas figuras do Estado angolano. Adriano Parreira defende, por exemplo, que Manuel Vicente deve ser chamado pela Procuradoria Geral de Angola, e critica a atuação da Procuradoria Geral da República de Portugal.

Fonte: RTP

Adriano Parreira apresentou várias queixas contra figuras angolanas, desde logo à Procuradoria Geral da República de Angola, entre 2002 e 2006, queixas que "obviamente não tiveram nenhum seguimento".

 

Em entrevista à RTP3, o antigo embaixador denuncia que se trataram de "negócios à margem de qualquer respeito pela dignidade dos angolanos" nem pelo "direito e pela lei portuguesa".

 

Sobre o "irritante" durante a acusação do ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, no âmbito da Operação Fizz, Adriano Parreira considera que a alegada tensão entre Luanda e Lisboa nesses anos constitui "um mito terrível", uma vez que foi "um jogo de sombras (...) para nos enganar".

 

O processo de Manuel Vicente em Angola está aparentemente parado há dois anos, sem desenvolvimento nenhum. "Impõe-se que seja chamado à Procuradoria-Geral da República de Angola e depor sobre as imensas queixas, imensas denúncias que têm sido apresentadas", considera.
"A justiça vai-lhe apontar a espada"

 

Afirmando que desconhece qual a relação entre Manuel Vicente e o atual Presidente de Angola, o ex-Embaixador aponta o dedo à atuação de João Lourenço: "Penso que a intervenção musculada do Presidente da República de Angola em relação à proteção de Manuel Vicente denuncia uma implicação, uma intromissão, do poder político sobre o poder judicial. Estou chocadíssimo com essa atitude do Presidente, que deveria (...) deixar que as autoridades tomassem conta o caso".

 

O ex-embaixador reconhece, ainda assim, o esforço do atual Presidente de Angola no sentido de combater a corrupção, tendo visado várias figuras proeminentes desde que chegou ao poder.

 

Esse combate à corrupção, considera, está apenas no início: "Aponta-se aos principais, e em volta dos principais gravitam outros". Adriado Parreira considera mesmo que o ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, não poderá sair "incólume".

 

"Mais tarde ou mais cedo, a justiça vai-lhe apontar a espada", começando com a conivência "com a situação da filha", refere o ex-Embaixador, mencionando a polémica que envolve os Luanda Leaks e Isabel dos Santos. No entanto, sublinha que a Procuradoria-Geral da República "está estruturalmente limitada".

"Isto é um lamaçal"

Questionado se o pedido de ajuda à justiça portuguesa surge nesse contexto de limitações em Luanda, Adriano Parreira diz que "a PGR portuguesa não vai ajudar porque nunca o fez".


Os procuradores-gerais de Portugal e Angola estiveram reunidos em Lisboa esta quinta-feira para discutir os recentes desenvolvimentos do Luanda Leaks.


Em 2017, Adriano Parreira apresentou à Procuradoria-Geral da República de Portugal uma lista de 67 indivíduos em Angola "altamente suspeitos de contribuírem para a desgraça do povo angolano", com negócios "altamente suspeitos" em Portugal, mas que "nada foi feito".

 

"A Procuradoria-Geral de Portugal deveria ter uma atitude muito diferente em relação a todas estas questões", refere o ex-Embaixador, que acusa a instituição de ignorar sistematicamente as queixas apresentadas.

 

Adriano Parreira fala mesmo de um "alegado conluio entre a justiça portuguesa e a justiça angolana", em que um grupo de personalidades encetou "um roubo organizado das riquezas do erário público angolano".

 

Questionado sobre se existe matéria judicial para tratar em Portugal, o ex-Embaixador é perentório: "Eu não faria essa queixa-crime se não estivesse convicto disso. Há muita matéria. Isto é um lamaçal, uma promiscuidade total entre a justiça portuguesa e a justiça angolana”.

 

Nesta entrevista à RTP3, o antigo embaixador fala mesmo de uma troca suspeita de e-mails, referindo-se em concreto a Paulo Amaral Blanco, que, refere, "articulou situações promíscuas".


"Um contentor de paracuca"

Adriano Parreira fala em concreto de uma visita do antigo procurador-geral português, Fernando Pinto Monteiro, a Angola, em que foi recebido "principescamente" pelo Presidente da República José Eduardo dos Santos, em 2010.

 

Adriano Parreira apresentou no ano passado uma queixa-crime à Procuradoria-Geral da República de Portugal em que pedia que fossem investigados vários casos de corrupção entre membros dos sistemas judicias angolano e português.


Na altura, o ex-procurador levou consigo as procuradoras Cândida Almeida e Francisca Van Dunem (atual ministra portuguesa da Justiça).

 

"Ele [Pinto Monteiro] explica que as levou por terem nascido em Angola. Mas isso é critério para um procurador, fazer uma viagem de trabalho ao estrangeiro, o critério da naturalidade? Tem de ser outro critério, talvez o da competência", acrescenta.

 

Entre os e-mails entregues à justiça portuguesa, Adriano Parreira destaca a oferta de "um contentor de paracuca" [receita angolana de um doce feito com amendoim e açúcar] a uma das procuradoras que acompanharam Pinto Monteiro nessa viagem. O ex-embaixador sublinha a importância de se investigar possíveis codificações da linguagem.

 

Adriano Parreira destaca as responsabilidades de Portugal neste caso: "É desde 1974 um Estado de Direito. Não é por mudar um procurador que vai deixar de o ser ou que vai ser mais ou menos".

 

O ex-Embaixador queixa-se, contudo, da falta de uma resposta por parte das autoridades portuguesas. "Há motivos e situações altamente suspeitas que infelizmente, mais uma vez, a PGR de Portugal não me honrou com uma resposta que mereço. (...) A PGR tem de reagir a uma queixa-crime que tem o seu peso", critica.