Luanda - A reflexão em apreço resulta de um artigo que publiquei, recentemente, sob o tema “a ética no exercício da profissão bancária em Angola”, como resposta a um repto lançado por um internauta que me questionava sobre a ética e até mesmo a legalidade na pretensão de alguns bancos que tencionam expor a hasta pública uma lista contendo o nome dos seus devedores inadimplentes. Aceitei o desafio e proponho uma breve análise do assunto, nos termos que se segue, contudo salvaguardando o direito a outras nuances ou interpretações possíveis.

Fonte: Club-k.net

Assim, começaria por enquadrar o tema no âmbito, para além da ética, sobretudo legal, concretamente, o dever de segredo, conforme consagra especificamente o no 2 do art.76o da Lei de Bases das Instituições Financeiras-LBIF (Lei no 12/2015 de 17 de Junho) ao prever que “estão sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as suas contas de depósito, respectivos movimentos e demais operações bancárias”.


Salvo melhor entendimento, já que o número 2 do artigo supracitado assume um conceito indeterminado na sua formulação final, incluiria a operação de crédito em “demais operações bancárias”.


É importante referir que, em princípio, ninguém contrai crédito para o não reembolsar, salvo raríssimas situações e aqui, sendo o exemplo de Angola atípico, pensemos num contexto mais alargado, ou se quiser, normal. Entretanto, o incumprimento se pode dever há vários factores, desde logo a própria contingência de ordem, diríamos exógeno, isto é, constrangimentos macroeconómicos ou situações menos boas que esteja a vivenciar o empresário no sector da economia onde decidiu aplicar o crédito. Do ponto de vista endógeno, podia ser a falta da capacidade de gestão e administração por parte do devedor, não se figurando à altura da grandeza e complexidade do negócio que gere, entre muitos outros factores. Tratando-se de pessoas singulares podia ser, por exemplo, o desemprego, a invalidez, a morte, etc.


Outrossim, para os bancos não há nada mais comum que a existência de mal parado na sua carteira de créditos, por um lado, por outro, os bancos são considerados instituições que agem com maior prudência (ou deviam) nas suas relações com os clientes de quem são meros fiéis depositários de seus recursos (sob a forma de depósitos) que os aplicam para outros clientes que deles carecem (sob a forma de crédito). Na concessão de crédito, prevendo a possibilidade de incumprimento, os bancos acautelam-se pelas garantias previstas nas próprias cláusulas contratuais, podendo na falta de consenso entre as partes, quanto a negociação da dívida, o banco tratar por via judicial, intentando legitimamente uma acção da execução para pagamento de quantia certa a que tem direito, por força do contrato de mútuo, com fundamento no arto 811o e sgts do Código de Processo Civil.


Compreende-se que a intenção de alguns bancos é persuadir por vexame os devedores e força-los, com isso, a tudo fazerem para honrar os compromissos creditórios contraídos. Porém, tal pretensão enferma de ilegalidade, porquanto a Lei de Bases das Instituições Financeiras estabelece as circunstâncias em que as informações contidas no dever de segredo podem, excepcionalmente ser reveladas, isto é, “ao Banco Nacional de Angola, no âmbito das suas atribuições; Ao Organismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; A Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros, no âmbito das suas atribuições; Para instrução de processos mediante despacho de Juiz de Direito ou de Magistrado do Ministério Público; Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”, segundo o arto 77o da LBIF. Quanto a essa última excepção, importa salientar que não se encontrou nenhuma outra disposição legal que permite a quebra do dever de segredo em causa.


Ainda o no 2 do arto78o da LBIF consagra que ”os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado”. Repare que, tal é a preocupação do legislador quanto a proteção das informações sobre os clientes que até mesmo para efeitos estatísticos reserva ao segredo a identificação individualizada de pessoas ou instituições: “é lícita, designadamente para efeitos estatísticos, a divulgação de informações em forma sumária ou agregada e que não permita a identificação individualidade de pessoas ou instituições”, no3 do artigo supra mencionado (78o da LBIF). E mais, o dever de segredo mantém-se não só durante a vigência da relação entre o banco e o cliente, como também após o fim dela, conforme o no 3 do arto 76o da LBIF ao afirmar que “o dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços”.
De lembrar que, no âmbito das suas atribuições o BNA recebe, excepcionalmente, das instituições bancárias informações respeitantes ao risco da concessão e aplicação de crédito, por meio de um sistema de funcionamento da Central de Informação e Risco de Crédito (CIRC), uma base de dados geridas pelo BNA que, na sua qualidade de Regulador e Supervisor do Sistema Financeiro Bancário, poderá dela se servir para garantir a estabilidade do sistema financeiro, sabendo quem são os clientes potencialmente de riscos com os quais os intervenientes no sistema financeiro, entre os quais os bancos comerciais, devem estar em alerta para não os conceder mais créditos, por exemplo.
Repare que, ainda assim, pela informação que tem acesso através da CIRC, ao BNA impede o dever de segredo. Essas informações servem para efeitos estatísticos do próprio BNA ou outras utilidades, como dissemos, que o permite estabilizar o sistema financeiro bancário, orientando mais prudência aos bancos comerciais quanto aos critérios adoptados de concessão de crédito que originam a elevação de créditos mal parado, de acordo com o arto 8o e 10o (confidencialidade) do Aviso no 02/2010, de 20 de Outubro ao determinar que, “a informação constante da Central de Informação e Risco de crédito está sujeita ao dever de segredo, nos termos da Lei”.


Nunca é demais dizer aqui que, a não revelação de nomes de devedores pode também estar associada ao princípio sacrossanto do respeito pela integridade moral e dignidade das pessoas, de acordo com o arto 31o da Constituição da República de Angola, que não a perdem por estarem na condição de inadimplentes.


Ainda na base da protecção dos direitos do consumidor (devedor), a Lei n.o 15/03 de 22 de Julho-Lei de Defesa do Consumidor prevê no no1 do arto 24.°, sob epígrafe Cobrança de Dívidas que “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplemento não é exposto a ridículo, nem é submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.


Ora, podem os bancos, em casos de impossibilidade de localização dos seus clientes pelo endereço ou contactos em sua posse, convoca-los por meio de imprensa para que venham tratar de assuntos de seu interesse, com toda descrição possível para que não se torne perceptível às pessoas estranhas, não podendo revelar informações detalhadas sobre o motivo da mesma, em homenagem ao princípio do dever de segredo.


Portanto, reafirmar que os devedores não devem ser expostos a situação vexatória, seja sob que pretexto for. Divulgar os nomes dos seus clientes devedores, como forma de simplesmente os pressionar a honrar os seus compromissos creditórios, para além de tipificar um ilícito legal (civil), por um lado, por outro, implicaria uma violação aos preceitos e normas éticas, nomeadamente a confidencialidade, o sigilo, descrição e respeito, contidas nos seus próprios códigos de ética e outros normativos emanados pelo Banco Central e a própria Lei das Instituições Financeiras, conforme consultados, sob pena do BNA responsabiliza-los nos termos dos normativos aplicáveis, assim como o próprio Instituto Nacional de Defesa do Consumidor ou outro interessado com legitimidade para tal poder reagir. Por isso, recomenda-se tratar o assunto com toda urbanidade possível.

Jurista

Alguns trechos sobre o dever de segredo contidos nos códigos de conduta dos bancos:
Banco BAI

Ponto 5.3. “O dever de sigilo profissional abrange toda a informação sobre os negócios do Banco, incluindo, mas não se limitando a, planos de promoção comercial, contratos, listagens de clientes, bases de dados, patentes e propriedade intelectual, sistemas, códigos de programação informática, custos e estratégias”.

Banco BIC


Arto18.o (Segredo Profissional) 1. “As Pessoas Sujeitas têm a obrigação de proteger a confidencialidade de toda a informação obtida ou criada no contexto do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, não a devendo divulgar a pessoas que não estejam autorizadas a recebê-la ou que não tenham necessidade de ter conhecimento da mesma”.


3. “As Pessoas Sujeitas não devem discutir assuntos confidenciais em locais públicos. Caso exista tal necessidade por motivos estritamente profissionais, devem munir-se dos indispensáveis cuidados para assegurar o tratamento tão sigiloso quanto possível da informação em causa de forma a evitar a percepção da mesma por pessoas não autorizadas”.


4. “Sendo o dever de segredo profissional um dos pilares fundamentais em que se suporta a relação de confiança entre Clientes e as Pessoas Sujeitas, estas devem respeitá-lo de forma escrupulosa, não podendo revelar quaisquer informações respeitantes às relações com os Clientes, excepto nos casos em que estejam devidamente autorizados pelos mesmos ou nos casos expressamente consagrados na lei. Nessas circunstâncias e antes da divulgação da informação, dar-se-á sempre conhecimento ao respectivo Superior Hierárquico e ao GC quando tal se afigure necessário para a salvaguarda dos interesses do Banco”.

BPC

No 3 do Arto9o: “Os destinatários do presente instrumento não devem revelar, divulgar ou discutir, directa ou por interposta pessoa, quaisquer informações e elementos que lhe hajam confiados ou que tenha tido conhecimento no exercício da sua actividade, designadamente os referentes à nomes de clientes, números de contas e rerspectivos saldos, movimentos de contas e todas informações que digam respeito à organização, métodos...e quaisquer pormenores de ordem técnica ou financeira”.