Lisboa - O que têm em comum empresas como a Megawatt e a Marketpoll? São detidas pelas mulheres de vários políticos do círculo próximo de João Lourenço. Esta é a sua história.

Fonte: Expresso

Negócios em família: Eis as empresas que ligam a elite política angolana

Amanhã de 8 de outubro de 2013 não foi fácil para milhares de lisboetas que usam transportes públicos para chegar ao trabalho. Uma greve paralisou o metro em Lisboa. Mas não impediu os serviços públicos de funcionar. E assim se fez, numa conservatória, mais um negócio milionário, num país mergulhado na crise e sob intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao final dessa manhã o jovem angolano Paulo Ivanilson Cabral Borges era o novo dono de um espaçoso apartamento no coração de Lisboa, pelo qual pagou €2 milhões.

 

Paulo Borges, filho do ministro da Energia de Angola, João Baptista Borges, estudava em Lisboa. Após concluir um mestrado em Engenharia de Telecomunicações pelo Instituto Superior Técnico, tornou-se, em 2016, um de muitos nomes expostos nos Panama Papers: era acionista de duas offshores, a Valoris International Services, nas Ilhas Virgens Britânicas, e a Mundideias, nas Seicheles. Entrou no radar da Autoridade Tributária (AT), que começou a analisar cada nome dos Panama Papers com residência em Portugal. Era também sócio de uma homónima Mundideias, com sede em Angola, controlada pela mãe, Ana Cabral Borges.

 

Portugal foi, na última década, porto seguro para investimentos imobiliários de pessoas ligadas ao poder em Angola

 

Esse não era o único negócio de Ana Borges. A mulher do ministro era sócia na empresa Megawatt, criada em 2005 e também participada pelas mulheres de outras duas figuras de proa da política angolana: Efigénia Gonçalves (esposa do ministro dos Petróleos, José Botelho de Vasconcelos) e Telma Inglês Tiago (casada com Adriano Botelho de Vasconcelos, deputado entre 2012 e 2017).

 

Documentos a que o Expresso teve acesso mostram que a Megawatt deteve, entre 2009 e 2018, uma participação de 30% na Ambergol, empresa angolana controlada pelas portuguesas Sousa Pedro e J. J. Tomé (esta detida pela francesa Eiffage). E não só a Megawatt era acionista da Ambergol como prestava serviços a esta empresa, que obteve contratos para a construção de linhas elétricas em Angola. Entre 2011 e 2012, a Megawatt recebeu o equivalente a pelo menos €329 mil da Ambergol. A Ambergol conseguira, em 2011, um subcontrato no valor de €15,7 milhões num projeto liderado pela portuguesa Efacec, com a chancela do Ministério da Energia e Águas (Minea). Também em 2011, a Megawatt prestou serviços à EDEL, a distribuidora de eletricidade de Luanda (onde João Baptista Borges fez carreira, tendo sido seu presidente entre 2005 e 2008, ano em que entrou para o Governo). Em 2019 a Megawatt foi dissolvida.

DINHEIRO DO MPLA

A Megawatt é um exemplo de empresas onde ao longo dos anos se cruzaram os interesses económicos das mulheres de relevantes políticos angolanos. Outro exemplo é a Marketpoll Consulting. Criada em 2015, é participada em 15% por Telma Inglês Tiago e em 35% por Paulina Cardoso, mulher do ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Frederico Cardoso. Este também é dono de 15% de outra empresa angolana, a Omeka, na qual também participa Telma Tiago.

 

Segundo documentos obtidos pelo Expresso, em 2017 a Marketpoll recebeu o equivalente a €4 milhões do MPLA, por serviços como “pesquisas qualitativas e quantitativas”, através de transferências para as suas contas nos bancos BAI, Sol, Atlântico e Finibanco. No BAI a Marketpoll recebeu, a 3 de fevereiro de 2017, uma transferência de 250 milhões de kwanzas (€458 mil) do MPLA, a que se somou outra de 37,5 milhões de kwanzas (€69 mil) a 22 de junho do mesmo ano, em que houve eleições em Angola.

 

A Marketpoll tem como sócia Telma Tiago, mas também o seu marido, Adriano Botelho de Vasconcelos, auferiu rendimentos como consultor enquanto deputado. Em 2016 Adriano Botelho de Vasconcelos recebeu da Marketpoll 19,5 milhões de kwanzas (quase €36 mil ao câmbio atual). A Marketpoll e a Omeka não eram os únicos interesses económicos do então deputado (hoje membro do Conselho da República, órgão consultivo de João Lourenço equivalente ao Conselho de Estado).

 

Em janeiro de 2012 Botelho de Vasconcelos constituiu, no Brasil, a empresa Oásis — Serviços em Recursos Humanos (aí detendo uma quota de 47,5%). Em maio desse ano a Oásis firmou um contrato com o Ministério dos Petróleos de Angola, então liderado por José Botelho de Vasconcelos (tio de Adriano). O contrato previa a colocação de estudantes angolanos em programas de intercâmbio fora de Angola. A Oásis teria direito a 20% das verbas que o Estado angolano viesse a transferir para financiar esses intercâmbios. As faturas a que o Expresso teve acesso mostram que entre 2012 e 2018 a Oásis cobrou honorários de pelo menos 827 mil dólares (€758 mil ao câmbio atual).

 

O Expresso questionou Adriano Botelho de Vasconcelos, Frederico Cardoso e João Baptista Borges sobre os negócios que os envolveram a si e às suas famílias, mas não obteve respostas.

INVESTIR EM PORTUGAL

O Expresso já revelara pormenores sobre a fortuna do chefe de gabinete de João Lourenço, Edeltrudes Costa, feita quando já era ministro de Estado e chefe da Casa Civil de José Eduardo dos Santos. Edeltrudes garantiu a legalidade destes rendimentos, mas não esclareceu a sua origem. Parte do dinheiro serviu para a ex-mulher, Ariete Faria, comprar uma moradia em Cascais por €2,5 milhões, em maio de 2017, um mês depois de receber €2,05 milhões de uma conta de Edeltrudes.

 

Numa entrevista à Deutsche Welle (DW), a 4 de fevereiro, o Presidente angolano reagiu ao Luanda Leaks e insistiu no combate à corrupção: “É precisamente pelo facto de ter assistido ao longo desses anos a esses níveis de corrupção, e por não concordar que a situação continuasse, que hoje estamos a combater aquilo que vimos ao longo de décadas.”

 

Portugal foi, na última década, porto seguro para investimentos imobiliários de várias pessoas ligadas ao poder em Angola. Negócios de milhões continuam a fazer-se. Em setembro do ano passado, Paulo Borges, filho do ministro angolano da Energia, adquiriu por €1,25 milhões outro apartamento, em Cascais. Segundo o “Jornal Económico”, a PGR de Angola já pediu ajuda à sua congénere portuguesa para localizar o património da elite de Luanda. O Ministério Público português tem processos em investigação. Um deles corre desde 2017 no Departamento de Investigação e Ação Penal de Sintra. Não tem arguidos constituídos e está sob segredo de justiça, declarou ao Expresso a PGR. EXPRESSO