Lisboa - Os investimentos da empresária angolana em Portugal, agora às avessas com a justiça e com contas congeladas, deram um retorno avultado em dividendos e mais-valias. Esta semana haverá apresentação de resultados da Galp e da Nos e serão conhecidos os valores a distribuir entre os accionistas. O seu destino é uma incógnita no caso de Isabel dos Santos.

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Em circunstâncias normais, Isabel dos Santos saberia nos próximos dias quantos milhões de euros teria a receber este ano em dividendos das suas participações na Galp e na Nos, cujos resultados de 2019 serão apresentados esta terça e quinta-feira, respectivamente.

 

O dinheiro iria somar-se aos 239 milhões de euros encaixados como dividendos da Galp Energia, aos 189 milhões da Zon/Nos, e aos 66 milhões do BPI (dividendos e mais-valia, esta última calculada pelo Jornal de Negócios na data da venda ao Caixabank). Ao todo, valores arredondados, Isabel dos Santos já encaixou 494 milhões de euros com estes negócios em Portugal.

 

No entanto, a conjuntura actual é tudo menos normal para a empresária, filha mais velha do ex-Presidente de Angola e antigo líder do MPLA, José Eduardo dos Santos.

 

Aliás, o cenário começou a mudar desde que o novo Presidente de Angola, João Lourenço, ganhou as eleições no Verão de 2017. Arrancou com a exoneração de Isabel do Santos da presidência da Sonangol, logo em 2017, e culminou com o processo que já levou ao congelamento de contas e bens (suas e também do seu marido, Sindika Dokolo, e do gestor Mário Leite da Silva).

 

Ao contrário do que sucedeu em Angola, e sem que houvesse qualquer explicação do porquê dessa diferença, em Portugal as autoridades apenas congelaram as contas bancárias de Isabel dos Santos. Como confirmou ao PÚBLICO a Procuradoria-Geral da República (que não emitiu um comunicado oficial), “o Ministério Público requereu o arresto de contas bancárias, no âmbito de pedido de cooperação judiciária internacional das autoridades angolanas”.

 

Assim, as empresas não foram afectadas, podendo concretizar-se negócios como a venda dos 42,5% que a empresária detém no EuroBic (o Abanca já negociou a compra de 95% do capital do banco, faltando procedimentos de análise às contas e a luz verde do BCE). Não se sabe os valores que estão em cima da mesa, nem como é que Isabel dos Santos tenciona arrecadar o valor equivalente à sua participação – partindo do princípio que terá dinheiro a receber –, tendo em conta o arresto preventivo das contas em Portugal.

 

No caso do Eurobic, as participações são detidas através da Finisantoro (17,5%), com sede em Malta, e da Santoro Financial Holding, SGPS (25%). A empresária já anunciou que está também de saída da Efacec, à qual chegou no final de 2015 e onde detém 67,2% através da Winterfell, de Malta (uma parceria em que a empresa estatal angolana ENDE é minoritária). Como noticiou o PÚBLICO, os principais bancos portugueses estão a preparar uma eventual compra desta participação, cuja aquisição foi financiada com recurso a crédito junto destas instituições financeiras. Segundo o Expresso, estes empréstimos constituem aliás grande parte das dívidas de Isabel dos Santos em Portugal, estimadas em 570 milhões de euros.

 

Já no caso da Galp, é Isabel dos Santos a sócia minoritária dentro de uma empresa controlada pela Sonangol, que, por sua vez, é minoritária dentro da Amorim Energia. Assim, tendo em conta o quadro actual, dificilmente verá os dividendos que serão distribuídos entre os accionistas após a assembleia geral que vai realizar-se em breve.


Na Nos, onde está aliada à Sonae (grupo dono do PÚBLICO), há a interrogação sobre o destino e percurso dos dividendos, bem como sobre o futuro da parceria. Para já, o escândalo do Luanda Leaks resultou na saída de três dos representantes de Isabel dos Santos do conselho de administração da operadora (Jorge Brito Pereira, Mário Leite da Silva e Paula Oliveira).

 

Olhando para o valor das acções em bolsa, a posição de Isabel dos Santos na Nos vale cerca de 590 milhões de euros e o investimento na Galp vale cerca de 685 milhões. Juntos, o valor atinge 1275 milhões de euros.

Nos investimentos de Isabel dos Santos nota-se um padrão comum. Comprar activos recorrendo a muito dinheiro emprestado, diferir pagamentos ao longo do tempo e usufruir de dividendos das empresas em que entra.

Os primeiros passos em Portugal


A entrada de Isabel dos Santos nos grandes negócios em Portugal dá-se em Dezembro de 2005, na Galp Energia. O desenvolvimento de Angola e o encaixe recorrente de largos milhões de euros com a Unitel (onde se associou à PT) proporcionaram-lhe novas formas de investir, potenciadas por uma aliança com Américo Amorim.

No final de 2005, Amorim é o rosto de um novo consórcio investidor na Galp Energia, pela mão do ministro da Economia de José Sócrates, Manuel Pinho, e do qual fazem parte a Sonangol e Isabel do Santos. No entanto, dos rivais dos italianos da Eni na altura só se conheciam as identidades do empresário português e da petrolífera angolana, aliados na Amorim Energia. Em paralelo, Isabel dos Santos e a Sonangol, liderada então por Manuel Vicente, formaram a Esperaza.

A Isabel dos Santos coube 40% da sociedade (detidos através da Exem) e à Sonangol os restantes 60%. Juntos, os parceiros angolanos ficaram com uma posição minoritária, de 45%, na Amorim Energia.

Com sede na Holanda, a Esperaza funciona como uma sociedade-veículo, criada apenas para efeitos de uma participação accionista num país com benefícios fiscais (a data da sua fundação, aliás, é anterior à aliança luso-angolana, segundo o registo da empresa).

Luanda ao ataque


A forma como se fez o negócio, há cerca de 14 anos, é hoje um dos centros da feroz disputa entre os dois ex-sócios. Por parte das autoridades de Luanda e da Sonangol, afirma-se que foi a petrolífera estatal angolana que entrou com 100% do capital requerido para o negócio com Amorim, correspondente a 193,5 milhões de euros.

De acordo com o despacho-sentença que visa Isabel dos Santos, o seu marido, Sindika Dokolo, e o gestor Mário Silva, conhecido no final do passado mês de Dezembro (pouco antes de serem divulgadas as notícias com base no Luanda Leaks), a Exem, da filha do ex-Presidente de Angola, comprometeu-se a pagar 75 milhões de euros, correspondentes à sua posição. No entanto, refere-se no despacho, a Exem “não procedeu à restituição do valor até à presente data [final do ano passado], apesar de várias vezes interpelada para o efeito”.

 

Pelo meio, diz o Ministério Público angolano, Isabel dos Santos, no período em que assumiu o cargo de presidente do conselho de administração da Sonangol e “nas vésperas da sua exoneração”, autorizou que a Exem “procedesse à devolução dos valores em dívida, porém em kwanzas” – isto numa altura de depreciação da moeda. “Ao aperceber-se de que a transferência fora feita em kwanzas, o novo conselho de administração da Sonangol [liderado por Carlos Saturnino, a escolha de João Lourenço para suceder a Isabel dos Santos] procedeu à devolução do valor e exigiu que o pagamento fosse feito na moeda convencionada” (não especificando se são dólares ou euros), avança o despacho.

Outra versão


A versão de Isabel dos Santos e do seu marido, Sindika Dokolo (foi ele quem chegou a ocupar a cadeira de administrador da Amorim Energia), é naturalmente diferente.

Num dos vários comunicados enviados às redacções nas últimas semanas, Isabel dos Santos defende que o valor a pagar pela Esperaza pela sua fatia na Amorim Energia/Galp era de 715 milhões, dos quais foram logo avançados 195 milhões (pela Sonangol, subentende-se), somando-se outros 520 milhões de um empréstimo contratado pelos parceiros apenas “com as acções como garantia”.

O acordo, diz, previa que “a Sonangol deveria receber 15% do valor no momento do investimento e o restante em Dezembro de 2017”, ou seja, 12 anos depois da entrada na Galp. Ainda segundo as informações de Isabel dos Santos, “a Exem executou pagamentos à Sonangol num total equivalente a 75 milhões de euros”. A questão é que a esmagadora maioria, em Outubro de 2017, foi paga em kwanzas.

Aqui, Isabel dos Santos alega que o pagamento foi feito a pedido do presidente executivo da Sonangol, Paulino Jerónimo (isto quando ela própria era presidente do conselho de administração), e que a lei angolana “prevê que a estipulação do cumprimento de uma obrigação em moeda estrangeira não impede o devedor de pagar em moeda nacional”. Um diferendo que colocou as duas partes a litigar entre si num tribunal holandês.

No processo de Luanda contra Isabel dos Santos nada consta sobre dividendos, mas este não deixa de ser um tema. Conforme já relatou o jornal Expresso, “a Sonangol só recebeu os primeiros lucros” a que tinha direito da Galp “ao fim de 11 anos, dois dias depois de Isabel dos Santos ter sido exonerada da Sonangol, em Novembro de 2017”.

O jornal deu conta ainda de que nessa data a petrolífera recebeu 67 milhões de euros, após o desconto de 11 milhões a pagar em impostos na Holanda e depois, diz o Expresso, de o dinheiro ter estado retido numa conta do BIC de Cabo Verde. Uma tentativa de receber dividendos por parte da petrolífera angolana, dois anos antes, tinha-se revelado infrutífera.



Actualmente, diz Isabel dos Santos, a posição da Esperaza na Galp vale “cerca de 1,6 mil milhões de euros”, isto “após o reembolso do passivo existente” (ligado ao financiamento inicial).

O PÚBLICO enviou várias questões a Isabel dos Santos e à Sonangol, que ficaram sem resposta, nomeadamente sobre a distribuição de dividendos.

Da Zon à Nos em três anos


Foi a oferta pública de aquisição (OPA) fracassada da Sonaecom sobre a antiga PT que abriu caminho à entrada de Isabel dos Santos no mercado de telecomunicações português.

A principal consequência deste negócio falhado foi o de se fazer a cisão da PT Multimédia (dona da TV Cabo) do grupo PT, resultando na criação de uma empresa (depois baptizada como Zon) com uma estrutura accionista semelhante à da PT, onde, em 2007, pontuavam nomes com o BES, a Ongoing, Joe Berardo e a Caixa Geral de Depósitos (e ainda o BPI, que já era accionista da PT Multimédia antes da cisão).

Foi no ano seguinte que começaram as conversas entre a Zon (à data liderada por Rodrigo Costa) e a empresária angolana para a criação de uma parceria, a ZAP, que levaria a televisão por satélite aos mercados angolano e moçambicano. Mas a Zon, à qual interessava ter uma base accionista distinta da PT, também começou a negociar a entrada da filha do então Presidente de Angola no seu capital.

Como recordou ao PÚBLICO uma fonte conhecedora do processo, a perspectiva de internacionalização recolheu alguma simpatia entre os accionistas, mas desde cedo se percebeu quem mandaria na ZAP – a participação de 70% nesta empresa foi um dos bens de Isabel dos Santos arrestados pela justiça angolana.

A parceria foi anunciada em Dezembro de 2009, no mesmo mês em que a Zon anunciou a venda de 14.006.437 acções próprias (4,53% do capital) à Kento, holding pessoal de Isabel dos Santos (que pouco antes tinha reforçado os seus investimentos ao entrar no capital do BPI).

Em simultâneo, a empresária comprou também posições de 2,5% e 2,97% do capital da Zon detidas pela CGD e Cinveste (outra accionista histórica da PT), respectivamente, num total de 30 milhões de acções, que implicaram um investimento de quase 164 milhões de euros, financiado pela CGD em pelo menos 125 milhões. Com estas transacções, concretizadas a 5 de Fevereiro de 2010, a Kento passou a deter 10% do capital da Zon. Mas Isabel dos Santos não se ficou por aqui.

No final de 2011 (quando o país já estava sob intervenção da troika de credores), accionistas como a CGD e o Grupo Espírito Santo (GES) pediram que se eliminasse em assembleia geral de accionistas (AG) da Zon o limite de dez por cento à contagem dos direitos de voto.

A alteração aos estatutos foi aprovada em Janeiro de 2012, mas haveria de ser necessária uma segunda AG (em Abril), para clarificar a definição de “operador concorrente” (outra limitação estatutária às tomadas de capital na empresa) e eliminar quaisquer hipotéticos entraves ao reforço de Isabel dos Santos no capital da Zon.

Foi isso que se verificou entre Maio e Junho de 2012, já não através da Kento (com sede em Malta), mas sim da Jadeium (sediada na Holanda e mais tarde renomeada como Unitel International Holdings).

A 8 de Maio, Isabel dos Santos comprou à espanhola Telefónica uma fatia de 4,918% da Zon (tornando-se a principal accionista) e, nos dias seguintes, adquiriu em mercado mais 0,102% do capital. A 8 de Junho, a Cinveste desfez-se dos restantes 2,82% e, finalmente, no dia 12 de Junho de 2012, soube-se que a CGD vendera os 10,9% que ainda tinha em carteira. Com estas operações, que foram financiadas com empréstimos da Unitel, num total de 178 milhões de euros, Isabel dos Santos passou a deter 28,8% da Zon.

Fusão a caminho


Foi como accionista maioritária da Zon (de quem recebeu 20,5 milhões de euros em dividendos entre 2010 e 2012) que a empresária começou a negociar a sua fusão com a Optimus.

Depois de meses de rumores, o acordo entre a Sonaecom (dona de 82% da Optimus) e a Kento/Unitel International Holdings (UIH) foi anunciado em Dezembro de 2012 e, em Janeiro de 2013, as administrações das duas empresas de telecomunicações aprovaram o projecto de fusão por incorporação da Optimus na Zon.



O registo comercial da fusão fez-se no final de Agosto e Isabel dos Santos pediu mais 145 milhões emprestados à Unitel (a cujo conselho de administração presidia) para poder cumprir a sua parte na operação que fez nascer a Zopt, o veículo detido em partes iguais pelo grupo Sonae e pela Kento/UIH, que hoje é dono de 52,15% da Nos (antiga Zon Optimus).

Foi o futuro desta parceria (que rendeu aos accionistas da Zopt cerca de 336 milhões de euros em dividendos desde 2013) que ficou a prazo desde as revelações do Luanda Leaks.

Alianças e separações na banca


Além da ligação a Amorim na Galp, Isabel dos Santos aliou-se ao empresário na angolana Nova Cimenteira – afastando a Teixeira Duarte – e na banca, neste caso a pensar já em Portugal. Os dois acabariam por se separar nestes sectores, mas não na Galp.

No início de 2005 foi buscar Fernando Teles à direcção do Banco de Fomento Angola (do BPI) e teve licença para fundar o Banco Internacional de Crédito (BIC). O pedido para se expandir a Portugal chegou pouco tempo depois a Lisboa, tendo o BIC Portugal (hoje EuroBic) aberto portas no início de 2008 com o ex-ministro do PSD Mira Amaral na liderança. A ideia era apostar no “segmento de banca de empresas e na gestão de fluxos financeiros entre Angola e Lisboa, trabalhando como banco correspondente do banco BIC em Angola”.

No capital estavam então Isabel dos Santos (25%), Américo Amorim (25%) e Fernando Teles (20%), além de outros pequenos sócios. Ao apostar num banco, com a particularidade de este estar localizado num país da União Europeia e de permitir uma ligação umbilical entre Lisboa e Luanda, ganha o acesso a uma fonte de financiamentos – além da perspectiva de retorno de investimento via dividendos e a capacidade de recolher mais informações sobre potenciais negócios.

A entrada no retalho em 2012, com a compra do BPN ao Estado por 40 milhões de euros (após a nacionalização em 2008), colocou o BIC na primeira divisão dos bancos portugueses.

O reforço na banca em Portugal dá-se em Dezembro de 2008, quando o BCP, após a OPA frustrada ao BPI, passa para Isabel dos Santo, com perda de valor, a fatia de 9,7% que detinha no banco rival. Não se sabe como foi negociada e financiada a operação, numa fase de transformação do BCP e do qual a Sonangol já se tinha tornado o maior accionista.

Na mesma altura, o BPI anuncia que a Unitel vai ficar com 49,9% do banco através do qual disputa a liderança do mercado em Angola, o BFA – um negócio que proporcionará algumas centenas de milhões de euros para a empresa de telecomunicações móveis em dividendos (só entre 2010 e 2013 foram 220 milhões).

O BPI, então liderado por Fernando Ulrich, tinha uma estratégia de dividendos que permitia agradar aos accionistas e que visava distribuir um valor não inferior a 40% do lucro líquido. Em 2008 foram distribuídos 60,1 milhões, seguindo-se mais 70,2 milhões no ano seguinte. No entanto, a crise da dívida soberana obrigou a travar esta fonte de rendimentos (os dividendos só voltaram em 2009, já com os catalães do Caixabank a dominar 100% do banco).

Mesmo assim, o negócio não deixou de ser proveitoso para Isabel dos Santos, que ainda reforçou a sua posição para perto dos 20%. Acabou por vender a sua posição no início de 2017, na sequência da OPA do Caixabank (à qual mostrou resistência, tendo mesmo chegado a promover uma fusão entre o BCP e o BPI).

A alienação dos 18,6% que detinha no BPI valeu-lhe um encaixe de 307 milhões de euros e, segundo noticiou então o Jornal de Negócios, uma mais-valia de 53 milhões de euros. Nessa altura, o negócio levou também ao reforço da Unitel no BFA, que passou a deter 51,9% em vez dos anteriores 49%.

Para que o negócio ficasse fechado, a Unitel tinha de garantir o envio para Lisboa dos dividendos do BFA devidos ao BPI e que estavam falta, correspondentes aos anos de 2014 e de 2015 (no valor global de 66 milhões de euros, ao todo), e pagar a fatia que ainda estava por saldar da compra dos 49% iniciais, realizada em 2008.

Na altura, o valor do negócio, de 365,7 milhões de euros, ficou dividido por oito prestações anuais pela parte angolana. No final de 2016, estavam ainda por saldar 30 milhões de dólares. Para a troca de correspondência do acordo de venda dos 2% do BPI que dariam o domínio do BFA à Unitel estavam indicados vários gestores do BPI, dois gestores da Unitel (Amílcar Safeca e Diogo Santa Marta, da confiança de Isabel dos Santos) e Mário Leite da Silva, enquanto responsável da Fidequity de Isabel dos Santos.