Luanda - Neste final de semana, decorreu mais um casamento que provocou “rios de tinta” nas redes sociais. É o segundo casamento dos últimos 5 meses, que provoca a ira dos luandenses, com comentários desfavoráveis nas esquinas, óbitos, táxis e redes sociais.

Fonte: Club-k.net
 
A coisa até nem começou mal, com a parte civil da cerimónia com alguma pompa, mas sem o alarido característico do novo-riquismo.


Mas a parte religiosa bateu mesmo o recorde da extravagância, tendo o copo de água que se lhe seguiu batido o recorde da excentricidade.


A igreja foi engalanada e diz-se que chegou até a estar fechada uns poucos meses, para obras de beneficiação e embelezamento, que ultrapassam a barreira do razoável e, até, do admissível.


Já o espectáculo do copo de água, segundo se diz, ultrapassou o limite atingido pelo casamento de Setembro do ano passado. Demonstra estar a haver uma competição entre a elite novo-riquista, para demonstrar “quem pode mais”.
 
A intenção é fazer crer que temos, entre nós, noivos de outra galáxia, que se encontram muito acima de nós, simples mortais. Noivos de famílias bafejadas pela “sorte do verniz”, nas quais a ostentação do luxo procura ultrapassar a barreira do imaginável.


Para além de cenógrafos, técnicos de iluminação e pintores que não saem dos bastidores, contrataram-se também directores artísticos e repórteres fotográficos estrangeiros, que não se cansaram de se vergar à passagem da noiva e seus familiares, demonstrando a toda a gente que não temos em Angola profissionais capazes de “assumir o barulho” de tão grande empreitada exibicionista.
 
A intenção é cada um demonstrar que o seu será o casamento do ano. E depois, o casamento da década.


Depois vêm as irmãs e outras que tais esclarecer que o seu terá ainda maior ostentação…
 
Este foi um casamento marcadamente luxuoso, caracterizado por uma “ostentação insultuosa” (para usar a terminologia do meu amigo Graça Campos). Mas uma ostentação característica do novo-riquismo, ou seja, o que importa é o verniz e não a essência. Por outras palavras, a unha exibe um verniz cinco estrelas, sem importar a sujidade por debaixo dela.
 
Mas, ao contrário do primeiro, este casamento ficou também caracterizado por grande número de cadeiras vazias, demonstrando a todos que (mesmo na elite milionária) começa a haver quem já não alinha em manifestações exibicionistas deste calibre.


Porque ainda poderíamos tolerar o primeiro destes dois casamentos, que terá sido uma clara extensão do exibicionismo da era eduardista. Mas neste caso, quem compareceu sabia à partida que seria conotado com mais uma manifestação de desdém para com todos nós, que lutamos no dia-a-dia para conseguir colocar o pão na mesa e, simultaneamente, educar convenientemente os nossos filhos e sobrinhos.
 
Razão de ser da indignação generalizada
 
Há quem diga que ninguém tem nada a ver com o destino que cada um dá ao seu dinheiro.


Tudo bem, desde que esse dinheiro tenha sido herdado ou ganho de forma correcta, sem esquema de qualquer tipo.


Porque a partir do momento em que se sabe que eu não herdei milhões do meu pai e não construí qualquer império de forma lícita e transparente, não posso ter a veleidade de mostrar que tenho mundos e fundos, sem se saber claramente a sua origem.
 
Alguém pode até dizer que tem uma empresa que gera anualmente pouco mais de 2 milhões de rendimentos líquidos, de modo que ao fim de 10 anos essa pessoa justifica os 20 milhões que tem na sua conta bancária.


A dúvida não reside aí, mas na resposta à pergunta sobre de onde saíram os 30 ou 50 milhões com que se comprou (ou se construiu) tal empresa. Vendendo ovos, iogurte ou gasolina é que não terá sido certamente, pois de outro modo teríamos hoje milionários muitos dos vendedores ambulantes que o são há décadas.
 
Mas mesmo um milionário que tenha construído o seu império da forma mais legal possível (também os temos por cá), não pode pensar que está numa galáxia diferente, projectando e realizando casamentos milionários apenas com o objectivo de destronar o recorde anterior.
 
Não podemos continuar a ostentar de forma desmedida, sem limite, apenas para satisfazer o nosso ego novo-riquista. Não podemos!


Não podemos continuar a tolerar manifestações de ostentação e desprezo como as que vimos neste final de semana, quando a realidade social que se nos apresenta é de desemprego, fome, nudez e corrida aos contentores de lixo para alimentação.


E também de aumento da criminalidade, como recurso de sobrevivência. E de continuidade de baixa qualidade de educação, da base ao topo.


E ainda porque não se vislumbra uma luz no fundo do túnel, no que ao abrandar da crise diz respeito.


Muito menos ainda poderemos tolerar, quando há denúncia pública de adolescentes que se prostituem por uma migalha que são 500 kwanzas e nós, responsáveis até por esse estado de coisas, marimbamos e continuamos a espezinhar quem é de facto o dono dos recursos desviados.
 
Os tempos mudaram – ainda não se aperceberam alguns dos novos-ricos de Angola?


O facto de eu dispor de algum dinheiro não me dá o direito de espezinhar os demais.


Não. Definitivamente!

Paulo de Carvalho