Lisboa - Empresária quer obrigar a diplomata a apagar seis tweets. Tribunal de primeira instância entendeu que prevalece a liberdade de expressão, Isabel dos Santos não se conforma.

Fonte: Publico

A empresária Isabel dos Santos, conhecida como a mulher mais rica de África, com uma fortuna avaliada pela revista Forbes em 2000 milhões de dólares, não se conforma com a absolvição de Ana Gomes no processo que lhe colocou em tribunal por causa de comentários no Twitter nos quais a antiga eurodeputada do PS se indagava sobre a origem do dinheiro da filha primogénita do ex-Presidente de Angola.


Depois de o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Oeste (Sintra) ter rejeitado obrigar Ana Gomes a apagar seis tweets escritos pela diplomata, Isabel dos Santos recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa por considerar que o tribunal de primeira instância “não interpretou com rigor e precisão os comentários” da diplomata, entre os quais estava uma publicação na qual Gomes exclamava: “Isabel dos Santos endivida-se mto porque, ao liquidar as dívidas, ‘lava’ q se farta! E bancos querem ser ressarcidos, só em teoria cumprem #AMLD [Anti-Money Laundering Directive, nome pela qual é conhecida a directiva europeia de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo], de facto não querem saber a origem do dinheiro...E @bancodeportugal não quer ver...”.


Tudo começou antes dos Luanda Leaks, antes de Isabel dos Santos ser constituída arguida em Angola por suspeitas de má gestão e desvio de fundos da companhia petrolífera estatal Sonangol, e antes de a engenheira ser alvo de um processo de arresto, agora extensível a Portugal, em conjunto com o marido, Sindika Dokolo, e o empresário português Mário Leite da Silva, por alegados danos causados ao erário publico angolano.

Quando, em Outubro, a filha de Eduardo dos Santos dá uma entrevista à agência Lusa afirmando que as recorrentes dúvidas sobre a origem dos seus investimentos resultam de “narrativa negativa”, Ana Gomes reage publicando uma série de tweets que Isabel dos Santos considerou afectarem os seus direitos de personalidade, reputação e bom nome, e induzirem o leitor na “convicção errada e difamatória” de que é corrupta e de que usa o Banco Eurobic para “lavar dinheiro”. E avançou para tribunal, reclamando que Ana Gomes apagasse os tweets.


Ao analisar os argumentos de Isabel dos Santos, o tribunal de Sintra fez uma avaliação da colisão de direitos — entre “o direito ao bom nome e reputação” da empresária e “o direito à liberdade de expressão” da antiga eurodeputada. E, neste caso concreto, considerou que deveria prevalecer o direito à liberdade de expressão e de informação, sem que isso quisesse dizer que estava a ser posta em causa a presunção da inocência de Isabel dos Santos. É contra essa decisão que a engenheira agora vem interpor recurso, por considerar que o tribunal de primeira instância “não interpretou com rigor e precisão os comentários” de Gomes, que, insiste, provocam um “imediato e incontrolável dano à sua imagem, honra e bom nome”.

Isabel dos Santos entende que o tribunal de Sintra “andou mal” ao concluir que se está perante uma colisão de dois direitos: “É flagrante a violação de direitos de personalidade sem haver necessidade de ponderar entre vários, nomeadamente o direito à liberdade de expressão invocado na sentença recorrida.” E acrescenta: “A colisão de direito só aconteceria se, em concreto, a conduta potencialmente lesiva do titular de cada um deles — in casu, a redacção e publicação dos comentários na página Twitter a que respeitam os autos – correspondesse efectivamente ao exercício do direito de informar — o que não se verifica.”

 

Na primeira instância, a juíza Susana Paula Rodrigues Achemann referia que, embora tendencialmente a jurisprudência tenha ido no sentido de “privilegiar, no caso de conflitos de direitos, os direitos fundamentais individuais à honra ao bom nome e reputação, ligados à própria dignidade da pessoa humana, sobre o exercício do direito de opinião e de expressão”, actualmente, “por serem ambos direitos fundamentais individuais”, seria preciso “averiguar no caso concreto” qual deles deveria ser sacrificado. E neste caso concreto considerou que não deveria ser limitado o direito de expressão, pois Ana Gomes funda “a sua convicção em diverso material que tem recolhido, designadamente em artigos de jornalismo de investigação, a que acresce o seu conhecimento profissional e não lhe sendo exigível provar completamente a verdade dos factos, mas apenas a plausibilidade racional desses indícios”, com o objectivo de “pressionar as entidades supervisão e de investigação a averiguarem a génese do património e dos investimentos” de Isabel dos Santos nas empresas portuguesas.

Neste caso, Isabel dos Santos tem a defendê-la o advogado Carlos Cruz, da CCA Law Firm, que, neste recurso, cita várias partes das alegações proferidas durante o julgamento de primeira instância, incluindo uma em que a eurodeputada (defendida por Francisco Teixeira da Mota, também advogado do PÚBLICO) assume ter “total consciência” de que imputa actividade criminosa a Isabel dos Santos, a quem convida a colocar-lhe um processo-crime para poder discutir isso mesmo em tribunal.


Eis essa passagem:

Advogado de Isabel dos Santos — A sôtora diz que Isabel dos Santos, no tweet de 16.10 [16 de Outubro], branqueia capitais desviados de Angola através dos bancos como Eurobic e outros investimentos em Portugal AMLD, que isso eu não sei.

Ana Gomes — “AMLD” é Anti Money Laundering Directive.

Advogado de Isabel dos Santos — A senhora dra. tem consciência de que imputou directamente à engenheira Isabel dos Santos a prática de uma actividade criminosa em Portugal.

Ana Gomes — Total consciência.

Advogado de Isabel dos Santos — Pronto, e a minha pergunta é: como é que imputando esse, essa prática de actividade criminosa vem dizer ao tribunal que não quer, que não é nada de pessoal contra a Isabel dos Santos mas eu tomei aqui nota é uma questão de denúncia. A senhora não denuncia, a senhora imputa, ou não é assim?


Ana Gomes – Ahhh. Sr. dr., se a senhora engenheira Isabel dos Santos acha que eu não estou a falar a verdade podia pôr-me um processo-crime para demonstrarmos em processo-crime.