Luanda - Com a introdução da famosa proposta C – fora dos prazos previstos para entrega dos projectos constitucionais e comportando conteúdos normativos que tornam impossível a continuidade constitucional da República de Angola pela violação dos limites materiais consagrados na actual constituição – ficou claro que o debate constitucional deixou de ter a sua razão de ser.


Fonte: http://jukulomesso.blogspot.com



Infelizmente o que os deputados a Assembleia Nacional e os partidos políticos fazem ao animar discussões a volta das três propostas é um exercício diversionista de má vocação equiparado àquele de atirar areia nos olhos dos cidadãos quando está mais do que certo que a proposta C, pela forma impositiva com que foi introduzida e o modo submisso com que foi recebida pelos partidos políticos com assento no parlamento (todos eles sem excepção – apesar da aparente resistência de alguns), é aquela que certamente vincará entre os angolanos.


A lucidez política recomenda que deixemos de lado qualquer tentativa de alimentar o debate constitucional na sua vertente formal, uma vez que estaríamos a concordar com a introdução da proposta C tornando-nos cúmplices de um golpe constitucional, como bem sustenta Marcolino Moco nas suas messiânicas intervenções. O que deve ser encarado com seriedade – e o que deu corpo a um novo e necessário debate – é aquilo a que Nelson Pestana “Bonavena”, eminente jurista e cientista político angolano aclarou em debate apresentado pela estação televisiva angolana TV Zimbo, como sendo o debate sobre a legitimação da ditadura (os termos são meus).
Ou seja, se o debate sobre a constituição está viciado pela proposta C então está tudo dito e decidido sobre o futuro da constituição angolana. O que devemos discutir doravante são pois as formas e os modos como a ditadura estabelecida pela cidade alta se vai apresentar nos próximos anos. É do interesse de cidadãos sérios que JES aceite o debate sobre se Angola deve ou não aceitar uma ditadura, em caso afirmativo será de todo útil sabermos quanto tempo ela deve durar e como havemos de sair dela – como lucidamente transpirou Nelson Pestana “Bonavena”. Este debate deve ser trazido com frontalidade e responsabilidade por todos aqueles que se julgam no dever de bons políticos e honestos cidadãos.



Está claro que o MPLA não introduziu a proposta C – e aí está o facto deste partido político não assumir o debate a volta dela nas conferências organizadas pela sociedade civil (falamos da conferência recentemente organizada pela AJPD no Hotel Trópico em Luanda). Para além de que se tornou evidente que o MPLA não tem interesse em afirmar a proposta C que tornará certamente mais dificultada a sucessão – mesmo na liderança partidária – de JES. A UNITA afirma pois que não concorda com a proposta C entretanto não deixa de alimentar o debate sobre a mesma como o fazem os demais partidos políticos com e sem assento parlamentar. A própria sociedade civil (incluindo a igreja) passa de olhos cerrados sobre todas as irregularidades que transpira o procedimento constituinte e aceita gratuitamente a ideia da emergência de uma nova constituição a aprovar pela Assembleia Nacional. É desta falta de seriedade política que emergirá uma ditadura agigantada pela proposta C.



O que o MPLA assume é a proposta B – sobre o regime semi-presidencialista como aliás a maioria esmagadora assume – mesmo a UNITA com a sua proposta Presidencialista assume um semi-presidencialismo funcional da constituição sendo organicamente percebida como sistema presidencialista. Falta coragem política para negar a proposta C – mesmo de partidos como a UNITA. E a prova está em que quando este partido político procura apelar para uma espécie de levantamento da sociedade civil e dos cidadãos para “reprimir” a proposta de constituição imposta pela variante C sem assumir qualquer protagonismo directo, digno da sua fama de maior partido da oposição, deixa visível a sua incapacidade para assumir uma verdadeira reforma constitucional pela repressão do golpe constitucional. Se está claro que os angolanos estão perante uma incontornável manutenção da ditadura do príncipe (como nos tem habituado Nelson Pestana “Bonavena”) – mesmo ao arrepio do maior partido angolano – torna-se igualmente evidente a falta de maturidade política dos angolanos, sobretudo daqueles que não estão satisfeitos com o status quo e que se assumem como representantes políticos deste mesmo povo.



Graças a simulada submissão dos políticos angolanos, JES está hoje a cruzar a fronteira da extrema ditadura que certamente o levarão ao um fim inglorioso quando o quadro pode ser invertido mediante uma clara negociação da sua saída do poder com o seu partido e com os angolanos. Escudados em actos visivelmente covardes ou hipócritas, os políticos, quer da situação quer da oposição, manifestam uma onda de bajulação de tal sorte assustadora que legitima por si só a vigência de uma ditadura, mesmo quando não seja eventualmente desejada por JES. São actos aparentemente inocentes que procuram encurralar JES numa ditadura de fama internacional. Provas como a figuração da imagem do Presidente da República no Bilhete de Identidade Nacional ou de baptismos de obras públicas homenageando JES bem como todas as formas de promoção – muitas vezes descabidas – da imagem do chefe em todos os cantos do território nacional ou no pensamento de cada angolano, são provas claras de que o MPLA, por exemplo, tem incorporado uma categoria de suicidas políticos de respeito. Aqueles que estando no aparelho central ou local do Estado, através da combinação do saque ao erário público e a bajulação extrema vão passando a certificação internacional de que Angola é um país corrupto governado por uma ditadura. Nesta conspiração a escala partidária e transpartidária JES deve sentir-se grato pelo trabalho da imprensa privada que não poupa esforço em deixar claro as mazelas da governação transpirando os factos que de outra forma seriam captados com selos de falsificação através dos órgãos de informação públicas controlados pelo seu partido.



Diante desta guerra silenciosa entre o MPLA e JES está um povo que se encontra relegado ao plano abstémio da política. Aqui vale acentuar que a extrema apatia ou dificuldade de assumpção de responsabilidades políticas digna de cidadãos sérios entre os angolanos são factos dignos de análise psicossocial e provavelmente de análise psicanalítica ou mesmo psiquiátrica nos casos mais sérios. O jornalista e jurista William Tonet bem sustenta que a maioria dos responsáveis pela mudança política do país são pessoas “presas pelo estômago” significando que há uma larga preferência forçada, por razões de sobrevivência, pelo acesso aos trocos ou sobras palacianas – descendo pelo corredor da corrupção institucional generalizada – do que pela vontade fiel a natureza de assumir a consciência sobre a mudança dos factos sociais comprometedores do futuro de todos os angolanos. Neste estranho ambiente pode surgir uma proposta C com todas as contestações possíveis mas certamente ninguém vai querer que ela desapareça uma vez que garante a permanência de um quadro sócio-económico favorável àqueles que ganham com a permanência da ditadura.



Assim é que o debate constitucional mesmo esgotado pela propositura do projecto C seja alimentado por uma onda de bajulação ao chefe. Houvesse coragem para travar o chefe prevenindo-o do fim trágico desta petulância em dirigir o país fora dos carris da democracia e do respeito pela Lei como fartam de avisar os poucos políticos sérios como Nelson Pestana “Bonavena”. Afinal é sempre possível termos uma constituição consensual ou negociada – mesmo quando tenha de ganhar timbres centralistas ou ditatoriais – porque o que os angolanos desejam é participar num debate inclusivo sobre a constituição em que as regras da democracia e do respeito a Lei sejam efectivamente cumpridas independentemente do conteúdo da vontade do chefe.