Competiram dois movimentos com dinâmicas e significado histórico comparáveis em torno da primeira mulher e do primeiro negro com perspectivas reais de chegar a Casa Branca. Ao longo da campanha, cristalisaram-se os campos, mobilizaram-se milhões de adeptos e conquistaram-se todos delegados possíveis. O processo fez caminho, os eleitores exprimiram as suas preferências e a maioria optou pelo primeiro negro colocando-o mais perto da presidência da primeira potencia mundial.
 
As causas do fracasso da primeira mulher serão, com certeza, objecto de analise de peritos e de historiadores nos próximos tempos. Porem, a causa mais importante, a nosso ver, foi a subestimação do seu adversário que levou a miopia estratégica. Tanto ela como os seus conselheiros, convenceram-se de que Obama era um outro Jesse Jackson, que seria irremediavelmente derrotado nas batalhas da Super Terça Feira, dia 5 de Fevereiro. Consequentemente, não se prepararam para as batalhas seguintes. Quando Obama, que se preparou para uma batalha longa nos 50 estados, sobreviveu o dia 5 de Fevereiro, Hillary não tinha recursos financeiros muito menos organização para enfrenta-lo. Obama conquistou 11 vitórias consecutivas sem oposição seria e criou uma vantagem de mais de 120 delegados eleitos, ate o dia 4 de Marco, quando chegou a vez de Texas onde Hillary estava emboscada a espera de Obama. Dada a lei da proporcionalidade, muitos analistas concordam que, estrategicamente, o combate foi perdido no dia 5 de Fevereiro. Dali em diante, Hillary optou por maximizar as suas vantagens tácticas – a conquista das maiores praças eleitorais, maior aceitação no eleitorado feminino e na classe trabalhadora branca – para inverter o déficit estratégico procurando atrair para si o maior numero possível de super delegados. Porem, estes foram apoiando gradualmente Obama, a medida que a campanha se aproximava do fim, por quatro razoes: I. A necessidade de por termo a uma campanha que já durava tempo demais sob risco de deixar divisões irreparáveis no seio do partido. II. O desejo de unir o partido antes do fim de Junho para concentrar esforços na campanha geral e direcionar as baterias contra John McCain. III. Receios de conseqüências negativas, se os super delegados fossem a desautorizar a vontade expressa pela maioria dos eleitores. IV. Um sentimento anti-Clinton no seio da elite democrata que cresceu nas ultimas semanas, depois de declarações pouco abonatórias de Hillary.
 
Assim, a cortina caiu e terminou o primeiro acto, que também revelou as mudanças profundas que se operaram na sociedade Americana. Depois de séculos de escravatura, décadas de discriminação racial, e pouco mais de quarenta anos depois do movimento social pela igualdade de direitos liderado por Martin L. King, a maioria dos democratas americanos parece concordar em julgar os seus concidadãos, não na base da cor da sua pele mais sim pelo conteúdo do seu caráter.
 
Muita tinta ha de correr sobre o futuro da senadora Hillary. Porem, a forma como ela decidiu encerrar a sua campanha, acabou por desqualifica-la de qualquer consideração a Vice Presidência. No dia em que Obama ganhou o numero suficiente de delegados para reclamar vitória, Hillary não concedeu, pediu que seus adeptos mandassem sugestões sobre o seu procedimento futuro, e fez um discurso com desafios pelo meio, que deixou os ouvintes, incluindo apoiantes dela, perplexos. Era a altura de reconhecer o vencedor e encorajar aqueles que votaram nela a cerrar fileiras em torno do novo líder. Criticada por meio mundo, Hillary anunciou uma comunicação a nação para sábado, dia 7 de Junho, na qual prevê reconhecer a vitória de Obama e colocar-se a sua disposição. Será um acto necessário, mas tardio, que já não terá o mesmo significado.
 
Depois de Sábado, a campanha eleitoral entra em pleno, na fase das eleições gerais, que representa oportunidades e desafios para Obama. Das oportunidades constam: um pais sequioso de mudança depois de oito anos da administração Bush, uma economia precária, a guerra do Iraque que continua tão impopular como o presidente Bush, juntos, os campos Obama e Hillary, aperfeiçoaram uma maquina inédita de angariamento de fundos e de mobilização de novos eleitores. Por ultimo, o campo republicano continua fracturado. McCain ainda não conseguiu conquistar a base do partido republicano e uni-la em torno do seu programa, apesar de não ter oposição interna ha mais de dois meses.
 
Dos desafios de Obama constam: o descontentamento de uma franja do eleitorado feminino afeto a Hillary, a resistência de uma parte considerável do voto latino ao “candidato negro”, a associação no passado, com elementos considerados radicais, a falta de experiência executiva e a questão racial que, no universo do eleitorado nacional - deferente do eleitorado democrata das primarias – poderá conhecer outras dimensões. As primarias provaram que a questão da raça pode ser ultrapassada, mas também demonstraram que continua a ser um factor importante.
 
Em conclusão, dentro de cinco meses, o mundo saberá se a maioria dos americanos concorda com a maioria dos seus concidadãos democratas. Ha ainda um longo caminho por trilhar mas, seja qual for o desfecho das eleições de Novembro, este ciclo eleitoral já faz parte dos grandes anais da historia Americana, quiçá, da humanidade.
 
* Jardo Muekalia / Mestre em Relações Internacionais
Fonte: Club-k.net