Luanda - Dia 6 de Março de 1993: “Hossana, Hossana, Hossana” gritava em tom alto, o Dr. Jorge Alicerces Valentim, Secretário da Informação da UNITA, anunciando ao mundo, através da VORGAN, a queda da Cidade do Huambo a favor das forças da UNITA, ao cabo de 55 dias e 55 noites de resistência à ofensiva das forças governamentais, iniciada dia 9 de Janeiro de 1993.

Fonte: Club-k.net

Na sequência dos acontecimentos de Luanda, de 31, de Outubro, 1 e 2 de Novembro de 1992, em que foram mortos, os negociadores da UNITA, Jeremias Chitunda (Vice-presidente da UNITA), Adolosi Mango Alicerces (Secretário-geral da UNITA), Elias Salupeto Pena (Chefe da Delegação da UNITA na CCPM), Eliseu Chimbili (Chefe dos serviços administrativos da UNITA), a cidade do Huambo, até então único símbolo de “coabitação política”, “reserva de paz”, onde ainda era possível a UNITA e o MPLA partilharem o mesmo espaço geográfico, foi sacudida pelo troar de canhões. Era a generalização do conflito que reiniciara em Luanda.


O Comandante Jorge Sukisa, na altura delegado provincial do Interior e Comandante da polícia, no Huambo na sequência das ordens de Luanda decidiu dar início a ofensiva que visava, a exemplo do que acontecera nas diversas regiões do país, expulsar a UNITA no Huambo.

A situação era sensível. Quisesse José Eduardo dos Santos e o seu MPLA manter a paz e estabilidade em Angola, pouparia o Huambo daquela guerra destruidora e devastadora. O Dr. Jonas Savimbi, co-signatário dos Acordos de Paz, que abandonara Luanda, em Outubro de 1992, para escapar do atentado que estava a ser preparado contra a sua pessoa, encontrava-se no Huambo. Nessa cidade recebeu os dirigentes dos Partidos Políticos da Oposição para uma conferência conjunta, que adoptou uma posição comum em torno da crise pós-eleitoral e do clima que se vivia. Recebeu entidades ligadas à ONU e à administração americana.


Designara os Generais Demóstenes Chilingutila e Domingos Augusto “Wiyo” para trabalharem com Jorge Sukisa na manutenção da paz no Huambo. Jorge Sukisa que garantira ao Dr. Jonas Savimbi que no Huambo não haveria guerra, mudou de posição quando recebeu a ordem de JES que dizia: “Meu caro Sukisa. É urgente expulsar os bandidos da UNITA do Huambo, porque o Huambo é politicamente estratégico e militarmente decisivo”.

 

No sábado 9 de Janeiro de 1993, Jorge Sukisa pós em marcha a monstruosa máquina de guerra que se encontrava no Huambo, apunhalando pelas costas os generais Demóstenes Chilingutila e Domingos Augusto Liahuka “Wiyo” designados pelo Dr. Jonas Malheiro Savimbi para as negociações com vista a manutenção da paz no Huambo.

 

“Foi um ataque traiçoeiro à responsabilidade de negociar, como foi em Luanda, foi um ataque à amizade pessoal, foi um ataque traiçoeiro à palavra dada”, considerou o Dr. Jonas Savimbi na mensagem à nação pela libertação do Huambo, transmitida pela VORGAN.

 

“Queima tudo” “queima tudo” era a ordem do comando das FAPLA aos operadores de tanques e pilotos de aviões de combate.

 

Ernesto Handa que fazia parte dos efectivos da guarda do Dr. Jonas Savimbi na Casa Branca, recorda que às 14h00 soaram os primeiros disparados de canhões de longo alcance, a partir dos quarteis contra a residência do Dr. Jonas Savimbi, sita na rua 50.


“Aquela preparação artilheira era também cobertura à progressão dos tanques em direcção à casa do MV”, lembra Ernesto Handa. Na reacção da guarda presidencial, alguns tanques ficaram carbonizados e os outros com e a infantaria retrocederam para as suas linhas iniciais com muito sofrimento.


Na mesma tarde, alguns minutos depois do início dos combates, registou-se a primeira intervenção da força aérea que tinha objectivo bem definido, a destruição da Casa Branca. A residência oficial do Dr Savimbi ficou em escombros como se apresenta ainda hoje, nas primeiras horas dos confrontos. A destruição da residência do Dr Savimbi foi para a UNITA declaração de guerra a qual, em legítima defesa, as FALA que se encontravam em aquartelamento no Bimbe tiveram de responder a todo o custo.

“Conseguimos conter a ofensiva do inimigo naquela tarde com os comandos que mostraram o que tinham aprendido e fizeram muito bom trabalho”, diz Ernesto Handa, que depois passou a comandar o 9º batalhão regular chamado a intervir no teatro do Huambo.

No segundo dia, informa Ernesto Handa, os combates retomaram muito cedo.

“Desde o primeiro dia fiquei controlar aquela zona do bairro dos ministros, fazendo frente ao Palácio do Governo e aos quartéis”, relata Ernesto Handa.

O ex-comandante do 9º batalhão conta que no início dos combates tiveram algumas dificuldades, decorrentes da surpresa e do facto de as forças da UNITA não terem dominado  bem a cidade.


“Nos primeiro seis dias enfrentamos alguns problemas. As nossas forças precisavam ser reagrupadas e a guerra urbana não fazia parte da experiência de muitos dos nossos efectivos”, reporta Handa.


“Tivemos que nos adaptar à nova realidade de guerra, equipando os infantes não apenas com armas e munições, mas também com instrumentos para abrir canais de comunicação e linhas de progressão”, acrescenta.


O controlo do aeroporto Albano Machado e a destruição do principal paiol de material de guerra pela certeira artilharia das FALA, constituíram o primeiro revés das tropas de Luanda, e teve grande influência no desfecho da guerra dos 55 dias.


Com a Cidade do Huambo envolvida em guerra, dois meses depois dos massacres de Luanda, o sonho de paz e reconciliação estava profundamente abalado.


As populações do Huambo passaram a experimentar, uma vez mais, os medos de 1976, quando, a 8 de Fevereiro, o exército cubano tomou a cidade, obrigando a UNITA ao recuo para as matas. Temendo o pior, alguns populares abandonaram suas casas em busca de lugares seguros na periferia. Os mais corajosos e talvez sem alternativa, também, permaneceram em suas casas, abrigando-se e protegendo-se dos projéteis, de obuses da artilharia e das bombas de aviação militar governamental que passou a ter todo o Huambo como alvo militar a destruir.


A situação era de guerra e como tal novos factos associaram-se ao ambiente. A desordem e pilhagem de casas comerciais e armazéns entraram em cena. O cenário era de caos que se tornou, aos poucos, desolador. A cidade passou a ser mais dominada por militares das FALA de um lado e das FAPLA do outro.


Sem tardar instalou-se a crise de falta de produtos alimentares na Cidade. Vantajosa era a situação da UNITA que controlava todos os municípios e as populações onde havia produtos cultivados.


Nos primeiros dias da guerra do Huambo, as FAPLA detinham alguma superioridade, sobretudo material e técnica, decorrente do facto de ter sido a cidade, base do comando da Região Militar Centro. A estrutura do EMG das FALA que encontrava virada para aquartelamento e desmobilização teve que se remobilizou às pressas para responder ao imperativo de sobrevivência da UNITA e das populações do Huambo.


Não sei dizer como, mas aos poucos, o poder de fogo das FALA aumentou e a sorte das armas começou a ficar do lado da UNITA, talvez, porque as almas dos mártires sacrificados em Luanda quisessem um destino airoso para a UNITA e para o povo angolano.


Na sua reacção as FALA empurram os tanques de guerra para as suas posições de origem e consolidam o seu domínio no aeroporto, numa parte da Cidade Alta e tiveram como linha de progressão para os quartéis, os bairros de Aviação, Santo António, Pica Pau, Rua do Comércio e Kalomanda para o Palácio do Governo Provincial e delegação do ministério do Interior.


O maior avanço que os efectivos do General Sukisa conseguiram lograr na sua ofensiva contra as posições da UNITA na cidade foi terem chegado a zona do Bispado com tanques de guerra.


Daí em diante a situação veio a tornar-se cada vez mais desastrosa para as forças governamentais que ficam confinadas a uma zona sem abastecimento logístico e consequentemente sem força moral para levar avante a iniciativa de expulsar a UNITA da segunda maior cidade do país.


Katombela e Luanda pontos de origem das ordens operacionais e de eventuais apoios ou socorros ficavam a centenas de quilómetros. No corredor do Caminho de Ferro de Benguela - CFB, do Huambo – Benguela, todos os municípios estavam sob influência da UNITA. Na linha Huambo-Lobito, o controlo da UNITA ia até Balombo. A vasta extensão territorial sob vigilância da UNITA, tornava complicada qualquer tentativa de reforço aos efectivos governamentais em situação de desespero no Huambo. Mas essa realidade factual não foi observada por Luanda, que obcecada, decidiu partir para a guerra no Huambo, não se importando com os custos financeiros, materiais e humanos que tal estúpida decisão viria acarretar. Nem mesmo a idéia de preservar a paz no Huambo onde se encontrava um dos co-signatários dos acordos de paz de Bicesse, lhes ocorreu.


Das tentativas de reforço empreendidas pela direcção militar do MPLA apenas uma de uma companhia de anti-motins aero-transportada conseguiu chegar ao Huambo, mas não reverteu a situação. Houve uma tentativa de levar abastecimento alimentar e logística por meio de lançamento de paraquedas que se revelou infrutífera.


Em total e completo desespero, Luanda decretou Huambo como uma zona de guerra e descarregou sobre a cidade e arredores toda a sua fúria, considerando as populações locais inimigas por apoiarem a UNITA. Os dias tornam-se nebulosos.


A aviação de combate fazia incursões diárias consecutivas sobre a cidade, deixando bombas de pesado calibre, poucas vezes certeiras em alvos propriamente militares. Na maior parte de vezes, as bombas de aviões de combate caíam sobre zonas residenciais. Em todos os bairros da cidade, residenciais inteiras foram deitadas a baixo e abertas profundas crateras, deixando enlutadas numerosas famílias. O pior desses bombardeamentos que enlutou cada vez mais a cidade e revelou o cúmulo da crueldade do regime de Luanda ocorreu no mercado do Kanhe, arredores da Missão Católica do Kanhe, que exterminou todos os feirantes que se encontravam a comercializar produtos naquela tarde de uma aparente acalmia.
Foi terrível!

No transcurso dos meses de Janeiro e de Fevereiro, houve vezes que a situação parecia sugerir algum equilíbrio de forças no teatro do Huambo, mas era às FALA que mais a balança pendia favorecer, devido a factores objectivos. Vastidão do território controlado pela UNITA, nas províncias do Huambo, Bié, Huila, Benguela, Kuando Kubango e Kuanza Sul, de onde era impensável organizar qualquer operação de reforço às forças governamentais. A extensa linha logística que separava a cidade do Huambo aos pontos de origem de abastecimento logístico em Benguela e Luanda, era outro factor concreto que tornava difícil qualquer intenção de alavancar o esforço das forças governamentais na cidade do Huambo. Esses factores associados ao desgaste material e humano que era irreversível, tiveram implicações no estado moral das forças comandadas por Jorge Sukisa, que começavam a registar problemas de desentendimento entre si.

Com o avanço imparável das linhas de progressão das FALA para pontos nevrálgicos da cidade, tal como o Palácio e edifícios ministeriais, a situação passou a ficar cada vez mais complicadas para as forças governamentais, que passaram a ter como zonas de refúgio o Instituto Veterinário de Angola - IVA. Perante a superioridade das FALA e o acentuado desgaste das forças governamentais, estas não podiam ter outra alternativa que não fosse recuar, deixando para trás a cidade do Huambo, com saldo de numerosos mortos e feridos abandonados.


Quem visitou, como eu, no dia 6 de Março de 1993, o reduto das FAPLA, facilmente concluiu a inutilidade da guerra, fossem quais fossem os argumentos dos seus promotores e por mais sublimes que fosse os interesses em causa. O cenário encontrado nas instalações da delegação do Ministério do Interior e arredores, nos quarteis, no IVA e nas zonas circunvizinhas do palácio e nos bairros, criminaliza inequivocamente José Eduardo dos Santos e a sua clique do MPLA pela guerra pós-eleitoral de 1992 e 93. Minha homenagem aos técnicos de saúde e às organizações humanitárias e as comissões diocesanas da Igreja Católica pelo trabalho prestado à recuperação de vidas.

Hoje, quem fala em nome das numerosas vidas sacrificadas na troca de tiros e nos bombardeamentos indiscriminados ocorridos durante os 55 dias da guerra do Huambo? Alguém sabe dos nomes de homens, mulheres e crianças abandonadas no IVA?

Guerra, nunca mais em Angola.

* Coronel na reforma