Lisboa -- Catequistas, um padre, superior na missão católica de Salazar (vila), e sobas, os chefes das aldeias angolanas, foram identificados como líderes da rebelião em curso pela independência de Angola, num relatório militar de 1961, pouco depois do início da guerra.

Fonte: Lusa

"Os chefes da rebelião em Libolo são os catequistas católicos José Domingos Quenha, Francisco Wiskei Marinha e Francisco Wiskei Bento. Consta que o padre José Oliveira Adriano, superior da missão católica de Salazar [atual N´dalatando], orienta o referido movimento, facto que não mereceu medidas locais para não prejudicar pesquisas em curso", lê-se no relatório de situação n.º 29, relativo ao período de 19 a 21 de setembro de 1961, que a Lusa consultou no Arquivo Histórico da Marinha, em Lisboa.

O documento faz parte do fundo recolhido pela COLOREDO, a Comissão Eventual para a Localização e Recolha de Documentos sobre a ação da Marinha nas operações militares em África e Timor (1961 -- 1975) -- Ultramar.

O exemplar n.º4 desta comunicação encontra-se no acervo histórico da Marinha e esteve classificado como secreto até 2017, juntamente com milhares de documentos relativos à guerra colonial que a instituição tem vindo a desclassificar nos últimos anos.

No relato dos acontecimentos feito pelo comandante militar Carlos Miguel Lopes da Silva Freire dava-se conta de que o "inimigo" continuava a procurar estender para sul a revolta iniciada no norte, tentando "criar incidentes" em Luanda.

O responsável militar informava que haviam sido assinalados "cerca de 100 terroristas", armados com canhangulos (espingardas de fabrico caseiro) e catanas, a atravessar a estrada Camabatela - Negage.

De acordo com o general, os "terroristas" seriam "indígenas" das sanzalas de Rumba e Quidando.

A narrativa prossegue com os acontecimentos registados nos dias seguintes, fornecendo informações sobre a localização de três acampamentos "terroristas" junto a cursos de água, "os quais foram destruídos".

"Foram abatidos diversos terroristas", referia o general, reportando ainda que estava organizada para fins de agosto uma reunião de toda a área dos concelhos de Golungo Alto, Dondo e Libolo, com a finalidade de concentrar em Viana "todos os indígenas da área", para "marcharem sobre Luanda".

"Fatores vários fizeram adiar esta reunião para 15 de setembro e, posteriormente, para data desconhecida", escrevia o responsável militar, facultando nomes:"O chefe deste movimento é Francisco Landrilho, de Luanda, que atua por intermédio do capataz da Fazenda Bergman, Manuel João, do Dondo, e José Mendes, que se intitula Coronel Will Frank".

Por esta altura, segundo o mesmo documento, encontravam-se concentrados na mata Imbundo (a norte de Banza Zombo) 50 independentistas, com dezenas de bailundos, mulheres e crianças.

As forças portuguesas haviam também localizado três habitações adaptadas a "hospitais rudimentares" e um cemitério com cerca de 150 campas recentes.

"O inimigo sofreu baixas consideráveis durante a operação Esmeralda", relatava o comandante, acrescentando que fora preso um feiticeiro numa sanzala perto de Banza Quitel e o "quimbar" daquela povoação, que confessara "ter conhecimento das atividades subversivas" que ali se desenvolviam.

O general informava ainda, por esta via, que a captura de canhangulos e pólvora na região de Muxima, deixava prever a intenção dos movimentos independentistas avançarem para sul.

Na sequência de um ataque, haviam sido encontrados "vários papéis" da UPA, a União das Populações de Angola, bem como cartuchos 9mm FN.

O grupo atacante era constituído por 15 naturais de Cabinda e um de Luanda: "Terão regressado ao Congo ex-francês".

Já na região do "Posto Macolo", os sobas eram identificados como "terroristas", armados com engenho artesanal.

"Estão armados com canhangulos e azagaias, lutando com falta de pólvora, que vão comprar ao Congo ex-belga, ao preço de 100 escudos por cada 150 gramas", relatava o oficial, precisando que a mistura explosiva era distribuída pelos povos da área de Macelo, Santa Cruz, Uamba, Sanza e Pombo. Os canhangulos fabricavam-se com canos de água.

No topo das árvores, a guerrilha que lutava pela libertação montava postos de vigia, enquanto no terreno as forças portuguesas prosseguiam patrulhamentos intensos em todo o distrito de Cabinda, deparando-se constantemente com estradas obstruídas e pontes destruídas.