Luanda – O Covid-19 ou novo-coronavírus é um tema imbuído de bastante polémica a nível mundial, espalhado por todos os noticiários, a pandemia que está alarmando as grandes nações e dificultando o intercâmbio comercial, está levando com que as nações adoptem medidas preventivas, decretando estados de alerta, emergência ou ainda legislando sobre medidas a serem tomadas para se evitar uma maior propagação do vírus, como fecho de fronteiras, proibição de cultos religiosos, actividades culturais e desportivas quando tenham um aglomerado com mais de 200 pessoas (como é o caso do nosso país), colocando pessoas em quarentena ao aterrarem em território pátrio etc, ou seja, restringindo-se direitos, liberdades e garantias fundamentais, o que se entende oportuno, conveniente e necessário.

Fonte: Club-k.net

No entanto coloca-se aqui as seguintes questões: a forma com que foram tomadas, há relevância do ponto de vista jurídico? Terá se escolhido a melhor forma para se restringirem tais direito? Parece-nos que não!

No passado dia 18 de Março do ano em curso, foi promulgado e publicado pelo Presidente da República, o Decreto Legislativo Presidencial Provisório (DLPP nº 1/20 de 18 de Março) com vista a dar resposta a então pandemia.

Breve Esboço

Direitos fundamentais são direitos humanos constitucionalmente positivados e juridicamente garantidos no ordenamento jurídico. Segundo o Professor J.J. Gomes Canotilho, os direitos fundamentais não são direitos ilimitados ou ilimitáveis, e isto, percebe-se pelo simples facto de o homem viver em sociedade, é normal que o Direito seja chamado a limitar os direitos fundamentais de modo a proteger os direitos fundamentais de outras pessoas ou ainda garantir bens jurídicos de relevo específico, como a segurança da colectividade e a ordem pública, e com tal decreto percebeu-se que tais restrições aos nossos direitos tiveram como escopo a proteção e salvaguarda destes bens jurídicos.

Restrições aos direitos, liberdades e garantias

Nos termos do art. 57°, n° 1, da CRA, só a lei pode restringir direitos, liberdades e garantias, estabelecendo-se uma reserva de lei formal restritiva. De acordo com este preceito, determina-se que estas restrições só podem ser feitas mediante lei em sentido formal, isto é, da Assembleia Nacional.

Com efeito, o art.164° da CRA determina que apenas a Assembleia Nacional tem competência para legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias, bem como para aprovar restrições e limitações aos mesmos.

São restringidos:

a) Direito à liberdade de residência, circulação e emigração (art.46° CRA) b) Direito à liberdade de culto (art. 41° CRA); entre outros.

Dos Actos Presidenciais

Os actos do Presidente da República resultam das suas competências constitucionais, como sejam as executivas, legislativas, administrativas e as praticadas enquanto Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas. Estes actos assumem formas diferentes, podendo apresentar-se como decretos presidenciais, decretos presidenciais provisórios, despachos presidenciais, directivas, indicações, ordens e despachos do Comandante em Chefe (art. 125º CRA).

O Decreto Legislativo Presidencial é uma competência legislativa absoluta, que se insere no princípio da auto-regulação do Poder Executivo. Os decretos legislativos presidenciais são os actos praticados no uso da competência legislativa do Presidente da República, sejam eles actos próprios, resultantes da sua competência legislativa absoluta, sejam no uso de uma autorização legislativa da Assembleia Nacional.

Revestem a forma de decreto legislativo presidencial os actos referidos na alínea e) do artigo 120° da CRA. O Decreto Legislativo Presidencial Provisório está regulado no art. 126° da CRA, que, no seu n.° 1, diz que o " Presidente da República pode editar decretos legislativos provisórios, sempre que, por razões de urgência e relevância, tal medida se mostrar necessária à defesa do interesse público, devendo submetê-los de imediato à Assembleia Nacional, podendo convertê-los em lei, com ou sem alterações, ou rejeitá-los ".

O Decreto Presidencial Provisório deve obedecer a dois critérios:

a) Urgência;
b) Relevância e necessidade de defesa do interesse público.

Caso exista uma situação de carácter urgente e que seja necessária à defesa do interesse público, o Titular do Poder Executivo pode aprovar um decreto legislativo provisório, não necessitando, para tal, de autorização legislativa da AN.

Cabe dizer que este é um acto precário ou mesmo provisório como o nome diz, ou seja, ainda não é definitivo, mas contém força de lei, no entanto este acto só detém força de lei por um período de 60 dias, findo os quais perdem a sua eficácia, salvo se forem convertidos em lei pela Assembleia (art. 126º nº 5 da CRA), após a publicação em Diário da República, o PR deve remeter no prazo de 10 dias à AN o diploma para a sua apreciação, não tendo sido remetido o diploma à AN nesta data, a apreciação parlamentar faz-se por requerimento de pelo menos 10 deputados (art. 172º nº 1 e 2 da CRA), esta apreciação destina-se à conversão do DLPP em lei parlamentar ou na sua rejeição perdendo deste modo a sua eficácia e deixando de vigorar na ordem jurídica desde a publicação da resolução em Diário da República (art. 172° nº 3 e 4 da CRA).

Inconstitucionalidade

O artigo 126º n° 3 al. a) da CRA é claro ao nos alertar que não poderão ser aprovados DLPP sobre matérias de reserva legislativa absoluta da Assembleia Nacional, ou seja, não podem ser reguladas por via de um DLPP as questões previstas no art. 164° da CRA e, no caso sub-judice o que se vê é uma clara violação a este imperativo legal, pois o DLPP vem restringir direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, tais restrições são de reserva absoluta da Assembleia Nacional como dispõe o art. 164° al. c) ou seja fez-se exactamente o que a lei diz para não fazer (permitir isso, é aceitar que amanhã se venha a aprovar o OGE por via de um DLPP) e, neste sentido cabe ressaltar que o DLPP está eivado de um vício, designado por inconstitucionalidade na sua modalidade formal, que segundo a prof.ª Alexandra Martins, consiste na preterição de formalidades essenciais no processo de formação da norma, pela forma com que revestiu tal acto, e por outra, padece de uma inconstitucionalidade orgânica, que segundo a mesma professora ocorre quando a norma provém de um órgão sem poderes para a criar, e no caso em concreto não compete ao PR restringir direitos fundamentais, mas sim à AN, é ainda visível uma inconstitucionalidade material.

Pois, a matéria legislada é competência absoluta da Assembleia Nacional. É importante estar bem patente que a regulação de uma matéria de reserva absoluta por via de um DLPP constitui um grave atentado a separação de poderes, é uma imiscuição aberrante do poder executivo ao poder legislativo.

Recomendações

1. Assembleia Nacional transformar imediatamente em lei.
2. Clarificar a finalidade deste acto, pois está confuso entender se estamos diante de um Estado de Emergência.

Referências Bibliográficas: CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra, 2003 ARAÚJO, RAUL. Introdução ao Direito Constitucional Angolano, 1ª ed., CEDP/UAN. Luanda, 2018 MACHADO, JONATAS; DA COSTA, PAULO NOGUEIRA & HILARIO, CARLOS. Direito Constitucional Angolano. 2ª ed., Coimbra, 2013