Luanda - Angola a semelhança de outros países a nível mundial está abraço com a pandemia do Novo Corona Vírus 2019. Não obstante os poucos casos testados positivos até ao momento no seu território, urge a tomada de medidas de prevenção, quer as de natureza pessoal quanto institucional. Ora, é sobre está última que iremos discorrer, como forma de contributo a um melhor entendimento sobre àquela, quando for aplicada se irá consubstanciar na medida “mais pesada" adoptada pelo Chefe de Estado Angolano, depois do Decreto Legislativo Presidencial Provisório 1/20 de 18 de Março, que determina a tomada de medidas, sectoriais, de contingência apropriadas para enfrentar a pandemia do Covid-19.

Fonte: Club-k.net

A Declaração do estado de emergência ganhou corpo a nível dos diferentes sectores da sociedade angolana, sobretudo pelo pronunciamento feito pela porta voz do Conselho da República que esteve reunido na manhã de ontem, isto é, no dia 25 de Março de 2020. Facto que veio a ser confirmado horas mais tarde pelo Presidente da República, na sua qualidade de Chefe de Estado. Importa assim esclarecer de forma preliminar que, o Conselho da República, a luz do artigo 135° da Constituição da República de Angola (CRA), é o órgão colegial de natureza consultiva do Chefe de Estado, composto pelo Vice-Presidente da República, Presidente da Assembleia Nacional, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Procurador Geral da República, os antigos Presidentes da República que não tenham sido destituídos do cargo, os presidentes dos partidos políticos e coligações de partidos políticos representados na Assembleia Nacional e por 10 cidadãos designados pelo Presidente da República (PR).


Referir que, o acto do PR de reunir com Conselho da República não pode ser visto como o único e suficiente para que fosse declarado em Angola o estado de emergência, mas sim como um formalismo que precede e/ou complementa aquele que apresenta-se como um imperativo constitucional, que vem disposto na alínea p) do artigo 119° da CRA “Compete ao PR, enquanto Chefe de Estado: declarar o estado de emergência, ouvida a AssembléiaNacional (AN). Ora, a declaração de qualquer estado de necessidade constitucional na República de Angola, entre os quais o estado de guerra, o estado de sítio e o estado de emergência, devem ser precedidos de resoluções da Assembléia Nacional ou seja compete a Assembléia Nacional pronunciar-se sobre a possibilidade de declaração pelo PR de estado de emergência. Atente-se que, no âmbito da sua competência de controlo e fiscalização a AN é-lhe imposta a análise e discussão sobre a aplicação da declaração do estado de emergência, resultando numa resolução, nos termos das disposições combinadas da alínea h) do art.° 161°, c) do art.º 162, f) do n° 2 do art.° 166° e 204°, todos da CRA e do nº 1 do art.º 20 da Lei 17/91 – Sobre o Estado de Sítio e Estado de Emergência, de 11 de Maio. Acrescente-se que, a eventual declaração de um estado de emergência não deve subverter a ordem constitucional, isto é, não deve afectar a independência dos órgãos de soberania, mormente a sua competência, funcionamento e imunidade dos seus membros, tão pouco os direitos fundamentais de que são titulares os cidadãos, designadamente o direito à vida, à integridade pessoal, a capacidade civil e a cidadania, o direito a defesa dos arguidos, a liberdade de consciência e de religião apenas para citar alguns.


Não obstante o Decreto Presidencial fixar um prazo inicial de 15 dias prorrogáveis por igual período, o estado de emergência pode prorrogar-se por um período máximo de (90) noventa a (180) cento e oitenta dias ou seja por três à seis meses. Sempre que se julgar necessário a sua continuidade , sem prejuízo de vir a sofrer alguma modificação em resultado de alteração das circunstâncias que tiverem determinado a sua declaração, podendo as medidas serem objecto de adequada extensão ou redução. Findo esse período o PR deve remeter a AN nos (15) quinze dias subsequentes um relatório pormenorizado e tanto quanto possível documentado sobre as providencias e medidas adoptadas na vigência da declaração do estado do emergência, indicando os resultados obtidos, sobretudo os de maior relevo, nos termos do nº 2 do art.º 8º e 16º, conjugados com os art.º 6º , 17º e nº 1 do art.º 29º todos da Lei 17/91.


É importante referir que, o estado de emergência não significa a suspensão da constituição, tão pouco a diminuição da extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. É apenas uma situação de necessidade excepcional que limita os direitos dos cidadãos na medida do que vem elencado no próprio decreto presidencial que o declara, em conformidade com a constituição e a Lei 17/91 de 11 de Maio. Ademais, a interpretação e a aplicação do decreto que o declara ou seja a regulamentação que vir a ser feita sobre o mesmo decreto deve restringir-se ao necessário, proporcional, razoável e a sua adequação à manutenção da ordem pública, à protecção do interesse geral. O que pressupõe a utilização de meios ao estritamente necessário e proporcionais ao interesse que se pretende proteger, no intuito de diminuir o risco de limitações inconstitucionais, por exemplo, a suspensão de direitos no aludido decreto presidencial não se extende ao direito de liberdade de expressão e de informação. Assim sendo, a regulamentação a ser feita que vir a afectar o mínimo que seja a liberdade de expressão e informação, estará eivado de inconstitucionalidade. Um outro exemplo incide sobre o direito a vida e a integridade pessoal, o que significa que a regulamentação em torno do Decreto Presidencial deve acautelar a manutenção dos meios de subsistência das pessoas, de uma cadeia que permite o acesso a bens e serviços mínimos e a mobilidade segura de pessoas e bens, não podendo em circunstância alguma qualquer pessoa ser submetida a um tratamento degradante a sua dignidade humana ou seja as pessoas não podem vir a ser codificadas. Mesmo em caso de condicionamento ou interdição de trânsito de pessoas e bens ou de circulação de veículos, cabe as autoridade e não apenas aos cidadãos tomar as providências necessárias, para atenuar os efeitos decorrentes das medidas de restrições tomadas. Aliás, os meios a serem empregues devem estar voltados ao alcance do interesse que se pretende proteger, devem servir de complemento, neste caso concreto, às medidas que visam o combate a uma iminente calamidade pública e não serem esses mesmos meios causadores de uma situação muito mais degrandante, desnecessária e desproporcionais ao estado e a saúde das pessoas, que em última racio é o que se pretende proteger, pois não se pode apelar a defesa de um Estado Democrático e de Direitos se não haver povo e uma protecção a inviolabilidade dos seus direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.


O que sucede em caso de violação de direitos dos cidadãos durante a vigência do estado de emergência?


Ora, a declaração do estado de emergência não significa que os Poderes Públicos deixam de estar sujeitos a prescrições na sua actuação, ainda que no reforço dos seus poderes administrativos civis requisitem o apoio por parte das Forças Armadas Angolanas, enquanto executores do aludido Decreto Presidencial não devem actuar a margem do que vem nele plasmado, tão pouco pôr em causa os outros direitos dos cidadãos. Consequentemente, os cidadãos cujos os direitos liberdades e garantias venham a ser violados durante a vigência do estado de emergência ou por qualquer ilicitude que venha a ser adoptada neste período, por exemplo a privação ilegal ou injustificada da liberdade, tem o direito à uma correspondente indemnização nos termos gerais do ordenamento jurídico angolano. Outrossim, durante o estado de emergência mantem-se o direito do cidadão aceder aos órgãos jurisdicionais para a defesa dos seus direitos, liberdades e garantias lesados ou que estiverem sob ameaça de alguma violação por qualquer acto ilícito dos Poderes Públicos, fazendo incorrer os seus autores a responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, nos termos dos artigos 5º, 9º e 10º da Lei 17/91.

 

Quanto a suspensão total do recurso ao direito a greve independentemente da fundamentação no referido Decreto Presidencial, suscita alguns questionamentos quanto a sua conformidade, quer no plano supra quanto infra-constitucional, por quanto a CRA remete no seu art.º 58, a regulamentação da limitação ou suspensão dos direitos, liberdades e garantias, como o direito a greve, por meio de uma lei especial. Quanto a esta matéria, apesar de mais velhinha que a CRA, é vigente em Angola com as necessárias adaptações a lei que ja temos vindo a citar, Lei Nº 17/91 – Sobre o Estado de Sítio e Estado de Emergência, de 11 de Maio. Decorre desta aludida lei no nº 2 do seu art.º 4º o seguinte: “... no estado de emergência apenas poderá ser determinada a suspensão parcial ou a limitação do exercício de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos...”.


Por fim, no estrito exercício do direito de cidadania, apelar aos feitores do regulamento para o decreto presidencial que declara o estado de emergência, sobretudo àqueles a quem estejam reservados a defesa, segurança e ordem públicas a primarem por uma atitude mais pedagógica, de respeito a integridade pessoal, a dignidade humana ou seja a um uso adequado e proporcional ao cumprimento da lei, evitando-se assim qualquer excesso na sua actuação, enquanto subsistir o declarado estado de emergência, para que, citando um amigo meu, a cura não seja mais desastrosa que o próprio problema.


Por Njunjulo J. António, advogado.