Luanda - Luanda pediu ajuda a Havana, que envia médicos. Governo de João Lourenço inquieta-se com entradas a partir da fronteira da Namíbia

* Gustavo Costa
Fonte: Expresso

Não são os milhares que chegaram em outubro de 1975, mas são os primeiros 250 médicos cubanos que se juntarão a Angola na próxima semana para ajudar o país a colmatar a preocupante falta de imunidade do seu sistema de saúde pública, perante o avanço da pandemia de covid-19.

 

Quarenta e cinco anos depois de, em vésperas da independência, terem desembarcado em Luanda com armas e bagagens na sua primeira missão em África, os cubanos regressam a Angola para uma nova missão de vida. Já não estão em causa a Guerra Fria nem a descolonização e a subsequente guerra civil, mas uma crise de saúde mundial.

 

O desembarque far-se-á por isso, desta vez, com máscaras, meios técnicos e saber científico, para ajudar o Governo angolano a salvar vidas. É um primeiro contingente que responde ao apelo endereçado a Havana pelo Presidente João Lourenço.

 

Com duas mortes em sete casos de covid-19 importados de Portugal e do Brasil, as autoridades de Luanda estão empenhadas na conversão parcial de alguns hospitais em centros especializados de apoio ao tratamento da doença. “A clínica Girassol já está equipada em recursos técnicos e humanos para isso, mas as consultas de rotina foram suspensas”, revelou ao Expresso fonte desta unidade hospitalar.

BOAS MEMÓRIAS DA GUERRA


A vinda dos cubanos, contratados para acudir a situações de emergência neste e noutros hospitais, está a ser saudada em diversos círculos. “Têm conhecimento científico e um espírito de voluntariado que vai ser providencial para travar o alastramento desta e de outras patologias”, afirmou ao Expresso o médico Laureano Dinis.

 

Angola recorre à ajuda de médicos cubanos após uma experiência muito eficaz durante o período da guerra. “Prestaram um auxílio inestimável, sobretudo na assistência médica às populações do interior do país, onde os médicos angolanos se recusavam a cumprir missões, e na ministração de aulas na Faculdade de Medicina e nos Institutos de Saúde”, recorda um antigo governante.

 

Angola espera pela chegada, em breve, de uma encomenda de ventiladores, máscaras, respiradores, testes e material de higienização para colmatar a enorme falta desses equipamentos nos hospitais locais.

FLUXO NAMIBIANO

Apesar de as fronteiras terem sido encerradas desde o fim de semana, Angola continua a registar um fluxo anormal de entrada, por via terrestre, a partir da Namíbia de cerca de 150 pessoas por dia.

 

Perante esta situação, que tem criado entraves ao controlo epidemiológico do novo coronavírus nas províncias fronteiriças do Cunene e Namibe, João Lourenço enviou uma missão governamental para pôr em marcha um plano de contingência para travar o alastramento do surto migratório.

 

Em Ondjiva e em Moçâmedes, a ministra de Estado para os Assuntos Sociais, Carolina Cerqueira, assegurou esta quarta-feira a disponibilização, pelo Executivo central, de recursos financeiros e outros ao poder local sobrecarregado.

 

“Muitos que estão a entrar fazem-no por caminhos ínvios, sem serem testados e, nalguns casos, nem angolanos são, são namibianos portadores de bilhete de identidade angolano. Não está a ser fácil e vamos ser obrigados a submetê-los a uma rigorosa quarentena”, revelou fonte do governo local de Cunene.

UMA AMEAÇA À PORTA DAS OPERADORAS DE LIMPEZA


Com um sistema de saneamento básico precário, as empresas privadas de recolha de lixo não regateiam esforços para manter a capital do país a salvo de novos focos de doenças. As operadoras de limpeza de lixo queixam-se, porém, da falta de pagamento dos seus serviços, que remonta a quase dois anos.

 

“Estamos comprometidos com o momento crítico que o país vive, mas gostaríamos que as autoridades não nos remetessem para uma situação de asfixia financeira semelhante à vivida em 2015, quando a paralisação da nossa atividade gerou um surto de cólera que matou muita gente”, advertiu o responsável de uma dessas firmas.

 

Associando-se à luta contra a pandemia, o Banco de Fomento de Angola fez uma doação de cinco milhões de dólares (4,6 milhões de euros) ao Governo para aquisição de ventiladores no mercado asiático e medicamentos à Africa do Sul.

 

Solidário com este combate estão também as Grandes Moagens de Angola, envolvidas numa ampla campanha de produção de farinha de trigo para assegurar o fornecimento de pão a diversas instituições sociais. Como produto desta contribuição, a Casa Militar da Presidência da República chamou a si a distribuição de 50 mil pães por dia.

 

Assente numa parceria entre as Grandes Moagens e três indústrias de panificação, os pães estão a ser doados a instituições de caridade com o Lar Kuzola, Horizonte Azul, centro de recolha de meninas órfãs, hospital psiquiátrico e hospital pediátrico, centro de toxicodependentes da Barra do Dande e paróquias da Igreja Católica.

 

Esta iniciativa, segundo Paulo Rasgado, administrador das Grandes Moagens, visa envolver a empresa num esforço conjunto destinado a mitigar o impacto da crise sanitária e financeira junto das camadas mais vulneráveis da população.