Luanda - Intervenção na III Reunião Plenária Ordinária da III Sessão Legislativa – IV Legislatura.


SUA EXCIA Presidente da AN,

Nota prévia:

Ontem na reunião de líderes, talvez pelo factor surpresa, não questionamos um aspecto sobre o formato desta reunião plenária, mas após alguma reflexão com colegas do meu Grupo Parlamentar notei que havia no grupo um consenso sobre a matéria em causa, pelo que achamos oportuno fazer este reparo aqui, até porque, como a situação se apresenta, é grande a probabilidade de termos que fazer outros pronunciamentos sobre o Estado de Emergência;


Trata-se, Sr. Presidente das restrições impostas relativas ao número de intervenções por Grupo Parlamentar bem como a grelha de tempo para esta reunião. Entendemos que mesmo, com as limitações decorrentes do Estado de Emergência e, particularmente aquelas atinentes ao distanciamento social era possível fazer uma aproximação maior aquilo que estabelece o regimento, em vez de simplesmente vestirmos o plenário com um casaco que pertence à Comissão Permanente.


Apesar da unanimidade manifestada pelos diferentes grupos parlamentares e representações de partidos políticos por ocasião da reunião da Comissão Permanente que se pronunciou sobre a declaração do Estado de Emergência, este bloco de 15 dias revelou algumas incongruências e debilidades que deveriam merecer dos Deputados uma discussão mais demorada para sustentar o pronunciamento que nos é aqui solicitado. Queríamos, por isso, deixar aqui o alerta para que futuramente se respeite mais o regimento da Assembleia Nacional, até porque o Estado de Emergência não deve coartar a possibilidade dos deputados expressarem livremente os seus pontos de vista.


Para além do manifestamente pouco tempo atribuído a tão importante debate, ter-se imposto apenas uma intervenção para cada Grupo Parlamentar, interfere na liberdade que os grupos têm de poderes organizar autonomamente a gestão do período de tempo a que temos de direito!

 

Excia Sr. Presidente da Assembleia Nacional, Membros da Mesa
Distintos colegas deputados
Dignos representantes do Titular do Poder Executivo
Angolanas e Angolanos

A pandemia do Covid-19 é um verdadeiro abalo sísmico a escala global que afecta já mais de 1 milhão de pessoas em todo o mundo e já deixou um cortejo de mortes assustador, absolutamente impensável nestes tempos em que a humanidade, sustentada pela ciência julgava ter alcançado os píncaros do desenvolvimento tecnológico. Porém, mais surpreendente que o número de afectados e de mortes provocadas pelo novo coronavírus, a grande diferença desta pandemia em relação a outros episódios turbulentos que a humanidade registou, é de facto, a forma rápida como a pandemia se propaga e a extensão geográfica que atinge praticamente todo o planeta, sendo raríssimos os territórios ainda não afectados. Para este alcance não é alheia, certamente, a aldeia global em que o globo terra se tornou e a arquitectura em intrincadas redes que as tecnologias potenciaram.


O impacto da pandemia nas mais diversas esferas da vida é simplesmente tremendo. As economias paralisaram, os sistemas políticos estremecem, a cultura sucumbe e o buraco social que se abre é ainda de profundidade a determinar. O nosso mundo, o mundo humano virou praticamente de cabeça para os pés. Se as grandes nações, os países mais desenvolvidos se ajoelham diante do monstro invisível o que dizer dos países mais recuados na presente ordem mundial, como é o caso de Angola?


Em África a pandemia já se impôs como um facto e o número de casos cresce a cada dia, em alguns casos já de forma exponencial, mas, ainda assim a OMS, autoridade mundial em saúde, alerta reiteradas vezes que o pior está para vir, o que significa que pairam ainda sobre o continente nuvens densas que quando descarregarem podem deixar um rasto de desolação, num continente já assolado por conflitos que semeiam miséria e que tarda a engatar os carris do desenvolvimento e do progresso.


Angola, nossa Pátria querida, que já vinha atravessando uma crise multifacetada arrastada, vê a situação agravar-se com a sobreposição da pandemia do Covid-19.

A pandemia é já uma realidade insofismável no nosso país, infelizmente, havendo desde o mês de Março registo de casos que desde então não param de crescer. Apesar do crescimento do número de casos ser ainda aritmético, os registos dos últimos dias sugerem uma aceleração na propagação da infecção em Angola, o que é uma tendência preocupante.

Conhecidas que são as debilidades do nosso sistema de saúde e num contexto de retracção económica acentuada, que dilacera o tecido social, a perspectiva de afirmação da pandemia do Covid-19 em Angola pode significar um desafio, de proporções imprevisíveis. Portanto, há um risco elevado de calamidade em Angola que não deve ser menosprezado e do qual todos os angolanos se devem compenetrar. Devemos por isso estar conscientes de que a questão da pandemia em Angola é bastante séria e demanda medidas vigorosas e eficazes para o seu enfrentamento.

Sr. Presidente


Neste sentido, a UNITA é favorável a Declaração do Estado de Emergência e a sua renovação nos termos desta solicitação do Presidente da República, por considerar que este propicia o ambiente necessário à implementação das medidas de isolamento e distanciamento social que são imprescindíveis para conter a propagação do Covid-19.


Contudo, baseados em factos ocorridos neste primeiro bloco de 15 dias em que vigorou o Estado de Emergência gostaríamos aqui de alertar as autoridades e não só para situações ocorridas que se não forem acauteladas podem fragilizar o Estado de Emergência, comprometendo a eficácia do pacote de medidas inerentes e, como resultado, abrir-se a via para a propagação vertiginosa do Covid- 19, com toda a carga catastrófica que encerra. Só faz sentido renovar o estado de emergência se dele resultarem o reforço de 2 componentes, o “ficar em casa” e o “aumento extraordinário de testes diários”.


- É notória a incapacidade das autoridades em impor as medidas de confinamento domiciliar e restrição de mobilidade, sobretudo em algumas áreas suburbanas de Luanda. Em muitos casos este comportamento refratário dos cidadãos não decorre de atitudes de mera insubordinação, mas tem subjacentes imperativos de sobrevivência e, em outros casos, contornos de pura ignorância quanto aos riscos de propagação de Covid-19. Quando cerca de 70% dos trabalhadores no nosso país opera no mercado informal, onde o que alimenta as suas famílias resulta do trabalho no final de cada dia, como é possível pedir que fiquem em casa se não lhes forem disponibilizados apoios concretos: ou uma cesta básica ou uma bolsa monetária para adquirir os bens de sobrevivência, para o período em que têm de ficar em casa!


- Há muitos casos em que se faz uma interpretação equivocada do mérito do Decreto Presidencial sobre o Estado de Emergência quer pelas autoridades administrativas que intervêm na implementação das medidas, quer pelos agentes da ordem detentores da força persuasiva para garantir a eficácia na implementação de algumas medidas mais restritivas. Estas falhas de interpretação têm levado por vezes a excessos desnecessários, que caminham no sentido contrário ao espírito do Estado de Emergência, por exemplo, quando a polícia com o intuito de reprimir movimentos desnecessários de jovens, os detém, constituindo aglomerados que não respeitam exactamente o distanciamento social que se pretende.


- O problema dos mercados informais é um elo fraco na cadeia de enfrentamento do Covid-19, para o qual as autoridades não têm encontrado as melhores saídas, optando por soluções, baseadas na força que apenas deterioram a condição dos utilizadores destes espaços e os empurra para as trincheiras de resistência às medidas do Estado de Emergência. Fechar compulsivamente mercados, sem antes oferecer alternativas, é um enorme erro e uma enorme falta de sensibilidade. Quem compra nos mercados informais não tem capacidade financeira de ir comprar nos mercados formais! Quem vende num mercado informal, destruído, vai à procura de outro espaço para vender e por vezes obrigado a percorrer dezenas de kms com a mercadoria à cabeça, numa violência física inaceitável, sem transportes e sem meios! Haja sensibilidade e capacidade de responder a estas realidades.


- Não se pode limitar a mobilidade de camponeses acederem ás sua lavras, quando se pretende substituir as importações por produção nacional. Urge instruir os governos provinciais a não praticarem estas restrições à mobilidade produtiva local!


- Ainda é débil a regulação sobre as regras de lotação dos táxis colectivos e outros meios de transporte públicos, bem como das regras de higienização relacionadas. Os moto-táxis, proibidos de exercer a sua actividade continuam refratários a medida, pois sobrevivem desta actividade e não lhes foram oferecidas alternativas.


Estas e outras situações que configuram debilidades ou incongruências do Estado de Emergência devem merecer a atenção das autoridades pois, caso contrário podem comprometer a eficácia das medidas de excepção que configuram o Estado de Emergência, arriscando tornar este instrumento constitucional, inútil no enfrentamento da pandemia de Covid-19 em Angola, o que acarretaria consequências imprevisíveis. Assim, levamos a consideração das autoridades as seguintes sugestões:


- Incrementar e diversificar as campanhas de sensibilização com vista a levar as populações conhecimento adequado sobre o Covid-19 e educar para prevenção da doença, refinando e adaptando para cada contexto as mensagens a transmitir. Diversificar neste caso os mensageiros em vez de limitar a selecção a determinados espaços políticos e culturais. É preciso convocar a cidadania para este exercício patriótico, envolvendo mais os líderes políticos de diferentes matrizes que gozam de confiança de franjas importantes da população, líderes de opinião da sociedade civil e as autoridades tradicionais, pela sua ascendência moral junto das comunidades.


- Afinar os mecanismos para impor o confinamento das pessoas, ou seja, intensificar a campanha “FIQUE EM CASA”. O sucesso desta campanha depende de muitas variáveis. É preciso que o poder público se desdobre nos esforços para garantir os serviços básicos de água e saneamento (recolha de resíduos sólidos, pelo menos) até na mais recôndita periferia. É necessário pensar em assistência social as franjas mais carenciadas, de modo a desencorajar deslocações desnecessárias das pessoas. É preciso alterar a forma de abordagem daqueles aglomerados que persistem, particularmente os mercados informais. A opção pela brutalidade policial não é com certeza a melhor via de se resolver o problema. Como diz Yuval Noal Harari “o monitoramento centralizado e punições severas não são a única maneira de fazer as pessoas acatarem directrizes benéficas. Quando as pessoas são informadas dos factos científicos e quando confiam nas autoridades públicas para lhes informar esses factos, os cidadãos podem agir correctamente… Uma população motivada e bem informada é geralmente muito mais poderosa e eficaz do que uma população ignorante e policiada”. Por isso, condenamos os excessos policiais e, particularmente a brutalidade que se abateu sobre determinados mercados, que aprofundaram ainda mais a condição de miséria de muitas famílias. Isto só leva as pessoas a resistirem as medidas de confinamento. Entendemos que há necessidade de regular o acesso a estes espaços e com autoridade impor as medidas de distanciamento social e de higiene individual e colectiva que favorecem a prevenção da doença.


- É urgente ampliar largamente a capacidade de realizar testes que permita uma busca mais activa de infectados na comunidade para possibilitar a identificação precoce dos casos, o seu isolamento e a assistência médica. A perspectiva de adaptar os testes GenExpert ao diagnóstico do Covid-19 é encorajadora e devia ser acelerada.


- Regulamentar sobre a utilização dos meios de protecção individual, particularmente de máscaras e luvas, apelando para o uso adequado e racional destes meios que constituem uma importante barreira na transmissão da doença.

- Intensificar as medidas de higienização dos espaços públicos com recurso a acções massivas de desinfecção e desinfestação destes espaços.


- Obrigar os serviços públicos a cumprir as normas de higiene individual e colectiva, relacionadas a prevenção do Covid-19.


- Manter a vigilância para que os estabelecimentos comerciais mantenham as regras de higienização e distanciamento social. Obrigar os estabelecimentos a fazerem com regularidade acções de desinfecção e desinfestação.


- As empresas que estão a sofrer dos efeitos económicos e financeiros por força da declaração do Estado de Emergência, precisam de suporte do Estado para a sua sobrevivência, bem como para manter os postos de trabalho e o pagamento regular dos salários. Deste modo, torna-se urgente que o estado aplique mecanismos de liquidez na economia, financiando as empresas, através da banca, com melhores períodos de carência e juros bonificados para que possam fazer face ás dificuldades que neste momento enfrentam e que se podem agravar. Estas medidas são necessárias para suster a deterioração económica e social resultante do abrandamento da actividade económica e eventual aumento do desemprego.


- A campanha de solidariedade, especialmente a contribuição bancária deveria ser ampliada com a abertura de uma conta envolvendo entidades da sociedade civil, de ong e eventualmente algum membro da comissão interministerial. Muitas são as vozes na sociedade que não se sentem confortáveis em contribuírem para uma conta do tesouro! Busquemos a contribuição de todos e para direcionar assistência aos que mais carecem e também para se comprar um maior número de testes.


- urge ampliar o numero de laboratórios capazes de testar. É impensável um país depender apenas de um laboratório. Urge melhorar o diálogo com outros intervenientes capazes de ajudar: as universidades e mesmo os privados e explorar melhor os hospitais e institutos públicos com áreas de investigação. É urgente assim proceder para salvar vidas e não sermos amanhã surpreendidos porque não testamos como deveríamos.


Por último, gostaríamos de alertar as autoridades implicadas na implementação do Estado de Emergência que a democracia não entra de férias com o Estado de Emergência. Os actores políticos, particularmente os partidos políticos não estão impedidos de exercer a sua acção desde que se observem os aspectos ligados as aglomerações não superiores a 50 pessoas, as medidas de distanciamento social, protecção individual e colectiva, higienização individual e dos espaços. Infelizmente temos assistido a alguns actos que visam subtil ou descaradamente cercear a acção dos partidos políticos no contexto de emergência. Os partidos políticos querem participar de acções no domínio da educação cívica, junto das suas bases e não só. Os deputados precisam manter o vínculo com o eleitorado e até devem reforça-lo neste contexto de dificuldades acrescidas, por isso não devem ver os seus movimentos restringidos.


Por outro lado, a pandemia do Covid-19 nos interpela a todos, enquanto sociedade humana a um profundo exercício de reflexão sobre o presente, a fim de encontrarmos as melhores soluções e os ajustes atempados no combate a propagação do vírus, mas também um exercício de reflexão quanto ao futuro que inquestionavelmente vai determinar um novo paradigma que requererá das sociedades tomadas de posição consentâneas. Este exercício de reflexão só pode ser profícuo se exercido no contexto de debate honesto e construtivo que só a democracia proporciona. Por isso é imperativo que a democracia não seja cerceada no Estado de Emergência e o pluralismo seja incentivado a máxima potência para que sejam decantadas as melhores soluções e se desenhe um rumo certo para o país no pós-Covid.


A pandemia do Covid-19 afecta a todos e deve interessar a todos independentemente da sua filiação partidária, condição social, raça, género, credo religioso, orientação sexual, etc. Todos, mas absolutamente todos, somos susceptíveis a contrair a infecção por Covid-19. Por isso, devemos todos estar envolvidos no enfrentamento a pandemia pois como sabemos,

JUNTOS SOMOS MAIS FORTES!!!

Muito obrigado!!