Luanda - A economista e professora Laurinda Hoygaard defende que, nesta fase da expansão da “Covid-19”, o Estado deve assumir responsabilidades acrescidas. Na sua linha de pensamento, isso significa ajudar a salvar o tecido empresarial existente e, se possível, fortalecer os objectivos estratégicos de redução das dependências da indústria extractiva e alargar o espectro produtivo, especialmente, com apoios à Agricultura, Pescas e Indústria.

Fonte: JA
O mundo entrou para uma denominada “guerra sem armas”, estando a destruir seres humanos e, por conseguinte, a enfraquecer as economias. Na qualidade de académica, com experiência acumulada ao longo de vários anos, é um cenário cuja curva manter-se-á descendente por muito tempo?

A “guerra sem armas” a que se refere e que hoje afecta de forma generalizada o Planeta e a Humanidade é, na verdade, uma guerra com arma que, apesar de invisível, é altamente contagiosa e mortal. Designada como Covid–19, tem origem no SARS-CoV-2, classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como pandemia da família coronavírus. Trata-se, na verdade, de uma arma biológica que, como afirmou, destrói seres humanos e enfraquece as economias. Por quanto tempo, pergunta-me. Infelizmente, não sei responder, sendo que, por agora, tudo é incógnita: 1. Como começou; 2. Que consequências terá, nos diversos planos da vida (não apenas económica); 3. Como vão reagir os povos e as Nações para debelar esta terrível ameaça à vida e à segurança da Humanidade e 4. Como será solucionada.
Quanto ao começo, diversas «teorias da conspiração» têm proliferado com vista a explicar a origem desta terrível doença. Abstraindo esta linha de pensamento, permita-me reter alguns factos que me parecem coerentes para compreender os antecedentes da doença e, assim, fundamentar as respostas sobre estas «Questões Covid-19 – crise económica».
Se assumirmos serem verdadeiras as imagens difundidas pelos meios de comunicação social sobre o mercado de animais selvagens de Wuhan que ilustram a forma como os mesmos animais, de todas as espécies, incluindo as que deveriam ser protegidas, são comercializados vivos, em condições permissivas à mistura dos seus fluidos, susceptíveis de originar em os vírus da família Corona (para já) a «curva» de que fala só será «descendente» quando tais condições de proliferação forem eliminadas.

É que depois disso, as organizações já não serão as mesmas…

De facto. Nem as organizações, nem as pessoas e nem o mundo em geral. Dependerá do conhecimento correcto sobre as origens, mas também das diferentes formas de reacção e, finalmente, das soluções que se aplicarem com sucesso. Os resultados finais, imediatos ou a prazo, dependerão da resposta que for dada, pelas organizações e as pessoas que as integram. Ondas de reflexão sobre este terrível fenómeno, em todas as suas dimensões, têm que ser despoletadas para que a Humanidade conheça a sua essência e actue em conformidade.

Como as empresas se posicionam perante a pandemia?
A primeira luta das empresas será conseguir sobreviver e garantir a manutenção dos respectivos postos de trabalho. Esta luta pela sobrevivência pode estar alinhada com acções de solidariedade quando as empresas reconvertem, ainda que temporariamente, os seus processos de fabrico, de forma a dar resposta às necessidades emergentes da crise. Isso está a acontecer nalguns países. Exemplos: fábricas têxteis ou de confecções que se transformaram em produtoras de vestuário para os hospitais e, em geral, para o sistema de saúde. Noutros casos, empresas que têm instalações destinadas a determinados objectivos, mas que possam ser alteradas para receber doentes e complementar as capacidades hospitalares.
Estes casos dependem, evidentemente, das situações concretas de cada país ou região, da consciência, incluindo a económica, das direcções das empresas e da abertura dos governos e em geral das sociedades. A sociedade civil organizada pode e deve desempenhar um importante papel na actual conjuntura. Aliás, em Angola já assistimos a iniciativas desta natureza. Proprietários de camiões-cisterna e mesmo tractores distribuem água aos munícipes.

No caso concreto de Angola, até que ponto a redução do imposto industrial vai ajudar no fortalecimento da economia nacional?
A ministra das Finanças, Vera Daves, informou que a proposta já foi entregue à Assembleia Nacional e que será discutida nos próximos tempos.
Embora desconheça os critérios e particularidades dessa redução considero que poderá ter efeitos positivos a prazo. Mas será grande dilema para as autoridades, nomeadamente, quanto à percentagem da redução e ao valor absoluto a que corresponde; as empresas a beneficiar. Façamos votos para que as empresas apliquem os valores na dinamização da economia nacional.

Como o Estado vai continuar a criar um ambiente de negócios favoráveis face a Covid-19?
A prioridade, agora, é evitar que a doença se propague no país e, por isso, trata-se de salvar vidas. As medidas que estão a ser implementadas no âmbito do Estado de Emergência podem ter efeitos indirectos muito positivos na criação do “ambiente de negócios”. Como? Na formatação de comportamentos mais disciplinados, exigentes e alinhados com objectivos sociais e metas a cumprir. Por parte dos cidadãos e consequente fortalecimento institucional.

Perante a uma iminência falência das organizações empresariais, o Estado é obrigado a dar crédito mais barato às empresas?
Em primeiro lugar compete às empresas tomarem iniciativas que promovam a manutenção e desenvolvimento das respectivas empresas e dos seus recursos humanos. Incluindo para dar resposta às exigências da nova conjuntura. Mas é claro que o Estado deve implementar políticas económicas, incluindo de crédito, que ajudem as empresas a ser capazes de superar a crise.

As actuais restrições e escassez de recursos financeiros tornam imperiosa uma abordagem cautelosa, mas o Governo reconhece que é fundamental garantir a alocação de mais recursos para actividades económicas...
Abordagens devem ser sempre cautelosas e com critérios, equacionando objectivos e recursos disponíveis. A principal função do Esta-do, além da regulatória, é garantir investimentos e manutenção das infraestruturas, sobretudo as indispensáveis à mobilidade das pessoas e dos bens, assim como produção e distribuição de electricidade e água. Mas considerando a “delicadeza” da actual conjuntura de crise, agravada com o fenómeno coronavírus, o Estado deve assumir responsabilidades acrescidas. Na sua linha de pensamento, isso significa ajudar a salvar o tecido empresarial existente e, se possível, fortalecer os objectivos estratégicos de redução das dependências da indústria extractiva e alargar o espectro produtivo, especialmente, com apoios à agricultura, pescas e indústria.

O que acha da operacionalização dos CLODs para apoio aos produtores de alimentos?
Não conheço com a profundidade necessária estes projectos para opinar. Admitindo que os investimentos em infraestruturas já foram feitos logicamente devem ser aproveitadas com toda a urgência para serem rentabilizadas economicamente e cumprirem os objectivos sociais da criação.
Outra avaliação é saber como serão operacionalizadas. Directamente por órgãos da Administração Pública? Não aprovaria tal solução. Mas podem ser adjudicadas, mediante concurso público, a entidades privadas como empresas, cooperativas ou outras organizações para serem operacionalizadas e colocadas em funcionamento. E seria urgente. Porque um dos momentos fundamentais do processo de produção é a comercialização. Por outro lado, se tais entrepostos já existem devem ter condições de frio e armazenagem que favoreçam a produção nacional e o consumo.

Há necessidade de uma emergência alimentar para facilitar as famílias pela propagação do coronavírus?
Sim, especialmente se o Estado de Emergência se prolongar. Há famílias que vivem do rendimento diário da zunga. Há que avaliar a forma de proceder. Podem ser utilizadas ONG ou outras organizações da sociedade civil, devidamente credencia-das, e que actuem localmente para apoiar acções desta natureza.

Como avalia a revisão das projecções económicas de Angola?
Parecem-me realistas.

Concorda que a recessão da economia angolana venha a estar à volta dos 1,21 por cento?
Não tenho opinião sobre o valor exacto, mas confio que os cálculos estão correctos e consideraram as particularidades da estrutura económica e social nacional, incluindo as questões de ordem cultural.

Produtividade

Acredita que as potências devem procurar trazer mais inovações tecnológicas, a exemplo das Tecnologias de Informação e Comunicação, que estão neste momento a revolucionar o mundo?
A inovação tecnológica é imparável. Reis ingleses, incluindo a Rainha Isabel I impediram o registo da descoberta do tear mas, foi na própria Inglaterra que a Revolução Industrial nasceu. A revolução tecnológica é boa. No plano económico aumenta a produtividade e logo permite que o ser humano possa garantir a satisfação das suas necessidades mais facilmente. Os governos podem estimular o progresso tecnológico através de políticas públicas dirigidas a esse objectivo, mas a quem cabe investigar e criar são as universidades, institutos e organizações vocacionadas.
Quanto às Tecnologias de Informação e Comunicação, concordo que estão a revolucionar o mundo, mas, infelizmente, nem sempre no bom sentido. Também nesta área e, em geral, na inovação tecnológica, é necessário que o mundo se debruce sobre questões de ordem moral e ética e estabeleça princípios para aplicação geral no sentido da defesa da humanidade. Há que definir e aplicar valores universais que garantam o futuro e a felicidade do ser humano.

Qual seria a atitude das organizações financeiras internacionais perante o cenário actual dos países afectados pela Covid-19?
Certamente, apoiar os países, os governos e os povos através de programas que permitam dar resposta à pandemia que se instalou. Nos planos humanitário, económico e social.

Revisão orçamental

Alguns economistas na linha de Carlos Rosado de Carvalho acham que é cedo a revisão orçamental, uma vez que não se sabe do futuro, por causa do impacto da Covid-19 na economia mundial. Tem a mesma visão?
A revisão orçamental é obrigatória. A questão é saber em que dimensão, quais as categorias a serem revistas, na estrutura das receitas e das despesas públicas e ainda o timing, mas é absolutamente necessário e prudente manter em estudo contínuo e rigoroso a conjuntura interna e internacional, a fim de avaliar a evolução e os comportamentos e, em consequência, definir as premissas e regras a aplicar face às realidades que se evidenciarem.
Em síntese, e para maior funcionalidade, de imediato, há que projectar diferentes cenários de revisão orçamental, dinâmicos, isto é, que devem ser actualizados diariamente e estabelecer os fundamentos para uma actuação oportuna.

O Governo decidiu reduzir alguns Departamentos Ministeriais de 28 para 21. Esperava por esta decisão?
Sim. Mas sem juízos de valor quanto à dimensão ou composição do novo Executivo. Creio que deveria ser promovida uma reflexão mais ampla dessa matéria e obter mais contributos da sociedade, organizadamente. Há quem defenda também que deve haver cortes maiores e não mínimos nas regalias a que os titulares e detentores de cargos públicos têm direito por causa do declínio mundial.

Corrobora com essa tese?
Sim. Creio que deveriam ser redefinidos critérios que privilegiassem o desempenho, os resultados, a eficiência governativa. É necessário introduzir uma metodologia de gestão por objectivos. A prazo, há que fazer um ajuste e integração das tabelas salariais de toda a função pública, diferenciando algumas situações (por exemplo, deslocação geográfica) por meio de subsídios. Apesar dos progressos, que destacamos, na prestação de contas, e em geral, nos procedimentos de boa governação, temos que continuar a melhorar, garantindo eficácia crescente nos resultados obtidos.
Permita-me que conclua agradecendo às nossas autoridades, não quero particularizar, os esforços que vêm fazendo, com modéstia, mas com evidente entrega à causa da salvação de vidas no nosso país. É com estes exemplos e atitudes que Angola vai progredir.