Luanda - O discurso inaugural do congresso feito pelo presidente José Edu-ardo dos Santos foi uma verdadeira bomba. Foi um discurso honesto, corajoso e in-teligente. De uma só sentada, JES contra-atacou face às criticas sobre o carácter retrógrado da vida interna do MPLA e ao mesmo tempo mostrou-se, uma vez mais, muito mais avançado do que os conservadores que ainda na se-mana passada defendiam com todas as letras as ideias do passado. Não deixa de ser curioso de ver o modo como certas pessoas se metamorfoseiam em função de um discurso. Bastou um discurso para passarem a defender outras ideias em público. Como pode-mos respeitar os políticos?


Fonte: SA

"As pessoas, incluindo as do partido, estão cansadas

de boas palavras e da manifestação de boas intenções"

Muitas pessoas ligadas à grande família do MPLA vinham pedindo há muito que o partido se abrisse ao voto secreto, às múltiplas candidaturas e às correntes de opinião. Depois deste congresso, se tudo for de facto aplicado, sensibilidades internas que nunca existiram formalmente como, por exemplo, as opiniões divergentes de Vicente Pinto de Andrade, Marcolino Moco e outras, podem ser acolhidas e submetidas ao crivo dos militantes. Se, realmente, a democracia interna se instalar, o debate interno vai intensificar-se e os militantes terão a cada acto eleitoral a última palavra. Nada será comparável ao que aconteceu até agora.


Muitos dos problemas que JES apontou como o carreirismo, o tribalismo, as intrigas eram, na verdade, consequências da estrutura de poder do próprio MPLA, como, de resto, escrevemos aqui neste espaço há cerca de um mês. Se houver realmente democracia interna, e não nomeações de cima para baixo, quem quiser ganhar o partido em que região for tem de conquistar os militantes locais com a sua presença nas reuniões locais, com as suas ideias sobre a realidade local e com o seu projecto político. Um dia, obtida a maioria, esse militante, vindo de onde vier, terá certamente toda a legitimidade para dirigir o partido ou candidatar-se para as autarquias, ao contrário do que acontecia com a imposi-ção de nomes pelo secretariado e a reacção com o fenómeno dos akwakuiza.


Honestamente, as vozes criticas que pediam a democratização do partido, incluindo a dos analistas políticos, não têm outro remédio senão aplaudir o discurso de JES já que, em boa verdade, ele se aproxi-mou de quase tudo o sempre lhe foi pedido nos últimos anos. Mas JES foi para além disso. Assumiu para o partido um papel moralizador da vida política. Já o tinha feito em relação à sociedade quando decretou uma espécie de tolerância zero para com a corrupção e o esbanjamento. Este compromisso de moralização da vida pública dos políticos é, tal como a tolerância zero, dos mais perigosos para o legado de JES. Se não pretender ser como Mugabe, que, aos 80 anos, ainda pensa na recandidatura, tem de assumir que, a caminho dos 70 anos de idade, a sua vida política está em curva descendente.


Não tendo aproveitado a oportunidade da obtenção da paz para se retirar, à medida que os anos passam o impacto desse feito (a conquista da paz) vai diminuin-do para as novas gerações e, para o seu legado terá de ficar algo mais próximo, mais ligado aos problemas dos nossos dias. JES colocou-se a si mesmo os desafios da tolerância zero e da moralização dos políticos. Ele era o único que poderia ter feito alguma coisa para realmente não termos chegado a este ponto, mas também é o único que ainda hoje pode cortar o mal de modo radical. Tem informação bastante para estar ao corrente dos casos de políticos que prometem e não cumprem, ou dos membros de governo com o nome ligado à corrupção ou sob suspeita de enriquecimento fácil. Se JES quiser lançar o desafio tem de ter a coragem de demiti-los ou, no mínimo, de mandar instaurar inquéritos para esclarecer de onde vem tanto dinheiro. O mesmo se aplica a políticos que actuam sem es-crúpulos e que actuam com o ‹‹vale tudo››.


O único modo de JES ganhar estes dois desafios é sendo ele também exemplar. Dando ele mesmo e o exemplo, honrando a sua palavra de não se recandidatar à presidência da República, honrando a palavra em relação a uma verdadeira democratização do país, como prometeu ao Papa Bento XVI e com a construção de um milhão de casas como prometeu aos angolanos. Como responsável máximo, JES tem de ser exemplar, não deixando que o seu governo e o seu partido pareçam cúmplices do enriquecimento fácil, da falta de transparência e, sobretudo, da promiscuidade de negócios privados e públicos. Como se viu no congresso, amplo apoio do partido não lhe falta. O seu discurso inaugural voltou a empolgar o partido e foi a garantia para que os votos contra nem sequer chegasse aos trinta em 2000 votantes. O que falta agora ao presidente para agir?


 As pessoas, incluindo as do partido, estão cansadas de boas palavras e da manifestação de boas intenções. Nos discursos de campanha em 2008 JES já havia prometido um governo mais eficaz, mais trabalhador e de maior qualidade e, depois, foram poucas as mudanças na estrutura e nas pessoas. Aparentemente, o mesmo aconteceu agora com a estrutura líder do partido. Na essência, tudo na mesma.


JES acredita, erradamente dizemos nós, que a mudança de que o partido e o país necessitam pode ser feita sem uma mudança de pessoas ao nível das lideranças. Tudo isso reforça mais as nossas reservas, apesar de ser inevitável um aplauso ao discurso inaugural. Se JES quer ganhar os últimos desafios que acabou de colocar ao seu próprio desempenho, tem de nos dar acções concretas, muitos exemplos de cima e uma lei que abarque todos, sem incompreen-síveis casos de tolerância, grupos económicos especiais que aboca-nham tudo e dirigentes intocáveis.