Luanda - Foi com alguma apreensão que Associação dos Juízes de Angola – AJA, tomou conhecimento pelos órgãos de comunicação social da informação prestada pelo porta-voz da Polícia Nacional, que dava conta de factos imputados a um Magistrado Judicial, cuja identificação foi exposta na referida informação, segundo a qual o Magistrado visado violou a cerca sanitária imposta pelo Decreto Presidencial nº 120/20 de 24 de Abril, razão pela qual havia sido “retido”. 

Fonte: AJA

Ora, no âmbito da sua actuação, dentro dos limites estabelecidos pela CRA, pela lei e pelos seus Estatutos, a AJA salvaguarda as posições dos Juízes sobre todos os aspectos relevantes para a defesa da imagem, prestígio e dignidade da função jurisdicional, pelo que, face a referida informação, vem esclarecer a sociedade em geral o seguinte: 


1- Que o magistrado judicial visado teve a necessidade de se deslocar à província de Luanda com o escopo de beneficiar de tratamento médico, já na vigência do Estado de Emergência, tendo, inclusive, sido portador de um processo cuja decisão foi sujeita a recurso, que deu entrada no Tribunal Supremo; 

 

2- Que a sua deslocação foi teve anuência do Juiz Presidente em Exercício da Comarca em que se encontra colocado e, por se tratar de um Juiz que iniciou funções recentemente, não se faz acompanhar do cartão de identificação da função, cuja emissão compete ao CSMJ, pelo que, na sua interpelação identificou-se apresentando o documento em que consta o despacho a coberto do qual se deslocou; 

 

3- Que após tratamento, diligenciou no sentido de retornar a sua jurisdição, com o objectivo de retomar o exercício das suas funções em processos que lhe estão distribuídos, especialmente aqueles que a coberto da Resolução do CSMJ deveriam merecer atenção neste período, como os de réus presos; 

 

4- Que perante a cerca sanitária em vigor e, não dispondo o Magistrado visado de viatura oficial atribuída para o exercício de funções, como de resto prevê o Estatuto dos Magistrados, viu-se aquele forçado a socorrer-se dos únicos transportes que excepcionalmente podem circular, os que transportam mercadorias, tendo o motorista do camião de marca Volvo, contentorizado, de forma gratuita, aceite transportar o Magistrado até à Província de Benguela; 


5- Que do que a AJA apurou, trata-se de um camião cavalo de força com trailer contentorizado, pelo que, na sua cabine, além do seu motorista, ia apenas o Magistrado Judicial visado, sendo imperioso, a bem da verdade, referir que o camião transportava 40 toneladas de mercadoria em contentor selado, não sendo verdadeira a informação posta a circular, segundo a qual, o Magistrado tentava passar escondido na carroçaria, entre a mercadoria. 


Perante estes factos, a AJA vem publicamente reconhecer os esforços das Autoridades Nacionais em cumprir com as recomendações da OMS na luta contra a propagação do COVID-19 e reconhece que a Comissão Multissectorial de Luta contra a Pandemia do COVID – 19, tem feito o esforço de garantir o direito de informação ao cidadão, que é essencial para o momento e para a luta que Angola leva a cabo contra a pandemia. Contudo, a AJA não deixa de alertar que a informação, prestada pelas autoridades como arma de luta contra o COVID-19, mesmo durante o Estado de Emergência, não pode ser prestada sem rigor, isenção, verdade e proporcionalidade, não se vendo descurar, para tal, a necessária ponderação, quando houver conflitos de direitos e interesses públicos entre si e destes com interesses particulares, o que deve ser visto à luz das soluções jurídico-legais para potencias conflitos de interesses ou direitos. No caso, sem prejuízo do apuramento de eventuais responsabilidades por parte do Magistrado Judicial visado, pelos órgãos competentes, a informação nos termos em que foi passada pelo Porta-voz da Polícia Nacional na conferência de imprensa, não só coloca em causa a dignidade da Função Judicial, como também viola o direito à privacidade do Magistrado, cuja identidade foi revelada de forma gratuita e despropositada. 

A AJA não tem dúvida que a forma como a informação foi prestada cria consequências nefastas para a imagem e a credibilidade do Poder Judicial, pois as imunidades e as prerrogativas dos Magistrados Judiciais, previstas no art.º 58º, nº 5, da CRA e nos art.ºs 31º e 33º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, não são  consagrados como um privilégio do Magistrado mas sim como uma garantia da Função Judicial, só podendo, por esta razão, ser limitada nos termos e de acordo com os formalismos legais existentes. 

Outrossim, o fim de prevenção geral que se visou com a informação prestada não seria prejudicado se a identidade do Magistrado Judicial fosse preservada, porquanto a isto impõe o art.º 32º da CRA. 

Assim, a AJA repudia com veemência a forma como foi o assunto tratado, acima de tudo por representar um claro atentado à Função Judicial e ao direito à privacidade do Magistrado Judicial visado e exorta a Polícia Nacional o estrito cumprimento da CRA e das leis e o respeito de todos os profissionais que neste período estão obrigados a prestar trabalho, entre eles os Magistrados Judiciais, que se têm visto a braços com os agentes da Polícia nacional por não se fazerem acompanhar de credenciais, o que não se justifica em face do passe de serviço de que são portadores, do qual constam as imunidades e prerrogativas que lhes assistem. 

A AJA aproveita o ensejo para agradecer a onda de solidariedade que a situação tem colhido a favor da dignificação da Função Judicial e do direito à privacidade do Magistrado Judicial visado, de pessoas singulares e colectivas, destacando aqui o apoio do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público – SMMP, de Juízes Militares, de Advogados e de Deputados à Assembleia Nacional. 

=== Associação dos Juízes de Angola, em Luanda, 01 de Maio de 2020

==== O PRESIDENTE ADALBERTO GONÇALVES