Luanda - É legítimo perguntar qual o género da palavra COVID, tanto que ouvimos argumentos a favor do feminino e argumentos a favor do masculino. O que não se admite é que continuemos na dúvida, depois de esta palavra ter entrado para o léxico da grande maioria das línguas do planeta.

Fonte: Club-k.net

A palavra “covid” (adiante, sem aspas) entrou no início deste ano para o léxico (dentre outras) da língua portuguesa. Trata-se de uma abreviatura, relacionada com o mais recente coronavírus, que atinge a Humanidade desde Dezembro de 2019.


Como é habitual, desde logo se apresentou a dúvida sobre se a deveríamos considerar do género feminino, se do género masculino. Há línguas onde essa dúvida normalmente não se apresenta, mas este não é o caso da língua portuguesa, que faz mesmo parte das línguas que distinguem os dois géneros em cada esquina.

Como sucede com as palavras importadas (incluindo as abreviaturas importadas), cada um foi pensando na melhor alternativa em relação ao género de covid.


Para uns teria de ser do género masculino, porque (dizia-se) se trata do nome de um vírus: se a palavra vírus é do género masculino, então o nome do vírus também deve ser masculino.


Já outros contestavam, dizendo que deve ser do género feminino, uma vez que covid não é o nome do vírus, mas o nome da doença provocada pelo vírus. É que a palavra doença está no feminino.


E assim ficou aparentemente esclarecida a dúvida: se é nome de doença e se a palavra doença é do género feminino, então covid deve dizer-se “a covid” e não “o covid”.
Tanto é que, na comunicação social dos vários países onde se fala português, prevalece o género feminino, exactamente com base neste argumento.

A questão que apresento é: será que este argumento está correcto?
Penso que não.


Só estaria correcto, se todos os nomes de doenças estivessem necessariamente no feminino. Mas não estão, exactamente porque na língua, as coisas não funcionam desse modo.


Asma, bronquite, cólera, diarreia, gastrite, malária, miopia, otite, pneumonia, rinite e varicela são exemplos de doenças cujos nomes em português são do género feminino.


Já bócio, cancro, gigantismo, lúpus, paludismo, raquitismo, reumatismo, tétano e vitiligo são algumas das doenças cujos nomes pertencem ao género masculino.


Chamo à atenção para o caso da malária, cujo outro nome (paludismo) pertence ao género contrário. Portanto, uma mesma doença, com duas designações, cada uma delas no seu género.

O caso da doença designada por sida

Antes de tentar esclarecer o género do substantivo covid, vou recorrer ao caso de uma outra doença, cuja designação provém também do inglês (AIDS), mas que depois foi aportuguesada: sida.

De início, mesmo após o aportuguesamento, houve dúvida sobre se a sigla SIDA deveria ser usada no feminino ou no masculino.

Para o HIV (a designação do vírus), quando usado em português, houve consenso no género masculino. Mas para SIDA, de início tanto se utilizava o masculino, quanto (em menor grau) o feminino.

Eu próprio tive dúvida, até porque não sou linguista.


Recorri, pois, a um linguista, que me esclareceu que a regra gramatical nada tem a ver com o facto de se tratar de nome de vírus (substantivo masculino) ou nome de doença (substantivo feminino).


As regras gramaticais são claras: se sida termina em A, a regra é que seja do feminino (independentemente de ser nome de vírus ou nome de doença, pois não é isso que está em causa).


Então, deveria dizer-se: a SIDA. Como era abreviatura, em maiúsculas.

Mas a partir do momento em que a palavra entrou para a língua portuguesa, as maiúsculas desapareceram, passando a usar-se a palavra “sida”, como substantivo em língua portuguesa, do género feminino: a sida. Sem qualquer maiúscula, salvo se estiver no início da frase.


Isso pode mesmo ser constatado no “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, da Academia das Ciências de Lisboa, que é a entidade que estabelece a norma linguística do português. Na edição do dicionário de 2001, está no vol. II, à pág. 3409.

E como deverá ser com a doença designada por covid?

Tendo em conta o que é dito acima, julgo que o primeiro passo será definir como se deve designar essa doença na língua portuguesa.


Devemos manter a sigla em inglês – covid?


Ou devemos aportuguesar essa sigla, passando-a para covide?

O que me parece, não sendo linguista, é que se a opção for por manter a palavra covid, então ela teria de pertencer ao género masculino: o covid.


Portanto, olhando para a regra gramatical, nunca se poderia dizer a covid (apenas por se tratar do nome de uma doença).

Mas se a opção linguística for pelo aportuguesamento desse nome, então o que me parece é que a palavra covide estaria no feminino (tal como pevide): a covide.

A meu ver, esta segunda opção seria a mais correcta.
Mas, levantado que está o debate, esperemos que os linguistas se pronunciem a respeito.
Não podemos é continuar, meses a fio, a ouvir na comunicação social o emprego de qualquer dos dois géneros para uma mesma palavra, com argumentos que absolutamente nada têm a ver com as regras linguísticas.


Paulo de Carvalho
(sociólogo angolano)
2/5/2020
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