Luanda - Conforme um adágio popular, é na adversidade que se conhece os grandes "heróis", muitos deles "repletos" de feitos nobres, mas nem sempre reconhecidos na medida da sua obra.

Fonte: Angop


Há vários anos, centenas de super-heróis ficaram amplamente conhecidos por histórias de ficção, em quadrinhos, nas primeiras décadas do século XX.

Na última década, por exemplo, as longa-metragens trouxeram à ribalta histórias ocorridas há milhares de anos, "estreladas" por super-heróis que "agitaram" os cinemas.

O sociólogo brasileiro Conrado Werneck Pimentel afirma, num artigo seu, que, naquele período, foi notória no cinema "a presença dos heróis da Grécia antiga, em odisseias e epopeias", que "ainda portam um poder simbólico que marcou gerações".

O especialista em ciências sociais defende, a propósito, que "nenhum homem pode nem deve ser endeusado ou entronado como um redentor ou um detentor de todas as virtudes – terrenas ou celestes". "Cada um está incumbido de deveres e limites morais e éticos".

Apesar dessa visão, é facto irrefutável que surgem pelo mundo, todos os dias, milhares de profissionais que colocam as vidas em risco, diante de duros acontecimentos, para ajudar a salvaguardar a vida dos seus respectivos povos.

Esses são, inquestionavelmente, os "heróis" da vida real, que se destacam no cumprimento do dever, pondo o profissionalismo acima de qualquer outro interesse.

É, pois, difícil, enumerar as profissões que oferecem à humanidade técnicos destemidos, que juraram nunca recuar diante do perigo, mesmo quando a maioria "se recolhe".

Mas, num momento em que o mundo enfrenta um dos piores momentos, desde a II Guerra Mundial, com as grandes economias sob ameaça de colapsar, assinala-se, aqui, a bravura dos profissionais de saúde e das forças de defesa e segurança.

No mesmo leque, surgem os operários, quadros do sector do comércio, agentes do corpo de bombeiros, os profissionais de recolha de lixo e vários outros, como os jornalistas, que não medem esforços quando a missão é ajudar e defender a Pátria.

Numa altura em que se celebra o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, trazemos, nesse dia, relatos de quem tem de superar os seus limites para assegurar a informação.

O mundo celebra hoje (3 de Maio) essa efeméride, ante um cenário bastante adverso para quem, como os jornalistas, tem a dura missão de enfrentar diariamente o temível coronavírus, a fim de manter as sociedades devidamente informadas.

Tal como os técnicos de saúde, os jornalistas estão entre os profissionais mais envolvidos directamente na luta contra o coronavírus e, consequentemente, expostos sempre a riscos iminentes de contágio.

Mas, contrariamente aos médicos, que estudaram e vivem as medidas de assepsia e antissepsia, estando habilitados para se proteger, os jornalistas partem como leigos nessa difícil missão, na grande cadeia dos "combatentes da linha da frente".

Dado o dinamismo da profissão, muitas vezes mantêm, às cegas, contactos com hospitais, pacientes e médicos, actuando, em algumas circunstâncias, em conglomerados com pessoas infectadas, em busca de uma notícia credível e isenta.

Apesar do isolamento social obrigatório, esses profissionais estão dia e noite no batente, desafiando os riscos de contágio de uma doença letal, que perdura desde Dezembro, causando milhares de mortes em todos os continentes.

Por conta desse contacto, várias dezenas de jornalistas já perderam a vida, em todo o mundo, por se exporem a coberturas de risco, no quadro dos esforços contra a covid-19.

Foi por via da imprensa, por exemplo, que Angola soube dos primeiros casos da covid-19 (agora 35), anunciado a 21 de Março, pela ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta.

Desde então, a missão intensificou-se, exigindo a cobertura de conferências de imprensa e actualização de dados, bem como a reportagem presencialmente de factos da actualidade relacionados com a doença, como doações, visitas, voos humanitários e quarentenas.

Desde então, as redacções de todos os jornais, rádios, televisões, revistas e portais digitais lançaram "planos de emergência", confinando maior parte dos seus quadros em casa, mas sem nunca deixar de "bater de frente" com a temível covid-19.

Com esses ajustes, uns poucos profissionais ficaram com a missão de manter vivas as até então "gigantes" empresas de comunicação, levando consigo a bandeira do jornalismo, em nome de milhares de colegas, obrigados a confinar-se.

A tarefa diária desses quadros é dura, cheia de receios e incertezas. Apesar da vontade, nunca sabem, como acontece com todos, quem será e quando virá a próxima vítima.

Sempre que se deparam com casos positivos, o pânico toma conta dos mesmos, apesar do preparo psicológico para desenvolver uma actividade de risco permanente.

"A notícia de que há casos positivos mexe com a minha estrutura. A profissão carrega uma dose de pedagogia, por isso procuro informar com credibilidade, isenção e actualidade", conta o jornalista televisivo Carvalho de Carvalho.

O também jornalista televisivo Nelson Cunha afirma que a responsabilidade de informar a sociedade faz dos jornalistas "heróis dos bastidores".

"É um compromisso enorme que pesa sobre os nossos ombros, sendo que errar não é opção. Esse momento ficará marcado nos meus 11 anos de carreira", expressa.

A covid-19 mudou a forma de viver de todos, como sublinha a jornalista de imprensa Maria Teixeira. "Depois de colher os dados vou redigir o texto em casa, em virtude das medidas adotadas pela empresa para evitar possível proliferação do vírus na redacção".

"Antes de sair, deixo a roupa na casa de banho. Quando chego à casa, sou borrifada com água e lixívia e só depois disso tenho contactos com os familiares e concentro-me para escrever", revela, sublinhando que nunca havia feito isso ao longo de seis anos de carreira.

Imbuído no espírito comum está o jornalista radiofónico Gonçalves Vieira. "É um compromisso desafiante", descreve o profissional sobre a actuação da "mídia".

Liberdade de Imprensa

Apesar de todo esforço, nem sempre o acesso à informação é tão fácil como parece, sobretudo nesse período de pandemia, que já infectou mais de um milhão de pessoas.

O problema, em Angola, vem de várias décadas, embora se registem melhorias substanciais nos últimos anos, conforme os profissionais da classe.

Há quem entenda, entretanto, que a caminhada ainda é longa e teme por um recuo das liberdades no país, com o desaparecimento de órgãos de imprensa do sector privado.

"O país teve mais liberdade de imprensa quando os proprietários dos órgãos eram jornalistas", afirmou, recentemente, o secretário geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido.

Diante de um vírus que se "agiganta" em todo mundo, deixando o jornalista no "meio do fogo cruzado", a classe fala em necessidade de maior abertura.

Teixeira Cândido lamenta a falta de "uma boa relação entre as fontes de informação e os jornalistas", que diz estar mais acentuado nas províncias fora de Luanda.

A propósito, a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA) recorda às entidades públicas que têm o dever de assegurar o acesso dos jornalistas às fontes de informação, com vista a garantir aos cidadãos o direito de serem informados.

Entende que,"sem esse direito, será difícil o jornalismo fazer a diferença que dele se exige".

Um dos grandes problemas que deixa os jornalistas de "cabeça-quente" é a ameaça do desaparecimento de órgãos privados de comunicação social, devido à covid-19, situação que vários profissionais entendem poder vir a ser um grande recuo das liberdades.

"O Sindicato dos Jornalistas Angolanos assinala que o dia 3 de Maio de 2020 comemora-se sob um ambiente de apreensão de muitos jornalistas angolanos, assustados pela possibilidade de perderem os seus empregos, devido às dificuldades vividas pelas empresas privadas", lê-se numa declaração do SJA, a propósito da efeméride.

Apesar disso, considera que os jornalistas continuam a encarnar o "jornalismo sem medo ou favor", conforme o lema escolhido este ano pela UNESCO.

Por sua vez, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, reitera, na sua declaração a propósito do 03 de Maio, o empenho para o fortalecimento da comunicação social, cuja missão favorece o exercício da cidadania e reforça a vitalidade da democracia no país.

Conforme o governante, o Executivo está firmemente empenhado na promoção de um ambiente político favorável que propicie a elevação da liberdade de expressão e de informação, bem como a exequibilidade da missão de comunicar na sociedade, dentro dos princípios universais alicerçados em valores e acções que dignifiquem a classe.

É diante desse clima de incertezas, que os jornalistas arriscam as próprias vidas para se manterem firmes no propósito de informa, formar e entreter as sociedades.

Ao que tudo indica, com ou sem covid-19, nada trava a determinação desses profissionais, comprometidos com um público fiel, para o qual vão trabalhar sempre, venha o que vier.