Luanda - “Já faz tempo que não fazemos amor”. Já faz tempo que não ouvimos música boa e nova nestes novos tempos de ameaças à vida.

Fonte: Club-k.net

E resolvo começar com o título de uma canção do criativo, comunicativo e simpático artista, que é Yuri da Cunha. Confinado em casa, em Portugal, vimo-lo há dias, a comunicar via Skype, com a nossa TPA, o seu elenco familiar, a gerirem o tempo de quarentena, mas sempre de olho e amor à profissão que é a música, que verificamos também contagia a família. Aquela menina que se expôs à curiosidade televisiva deve ser catapultada para o domínio das técnicas vocais, porque deu sinais de ser alguém que sabe o que quer na vida adulta. É preciso lapidar o diamante bruto e isso sei que o Yuri vai fazer. 


O aspecto a seguir, ligado à música, que é muito nossa, que ainda assim, apesar dos pesares, galvaniza jovens e mais velhos, estes últimos abandonados e reduzidos aos lamentos e aos inflamados funerais de saudade, custa-me admitir que o tempo e os poderes instituídos sejam tão ingratos, a ponto de nada fazerem para permitir que as suas vozes ainda se façam ouvir nos palcos e no convívio salutar nos seus lares, no desfrute das glórias do passado, em palcos de fama.


Foi uma alegria e um gesto nobre quando no Show do Mês do ano passado, o realizador Yuri Simão mostrou aos angolanos, o que se deve fazer, aos percussores da nossa arte musical: satisfazer minimamente as suas necessidades. E foi assim num gesto tão simples, mas cheio de significado, que da sua pequena bolsa de solidariedade, extraiu um linda guitarra eléctrica, que o nosso Mário Arcanjo (Vejam só???!!!), o célebre Marito dos Kiezos, que deu melódica ao Milhorró, que se ouve ainda hoje nos quatro cantos do mundo, não tinha uma guitarra! Pasme-se! E nós no You Tube, ligado aos altifalantes sem fios, que muitas famílias e admiradores confessos da música angolana, choram de alegria e saudade daqueles tempos em que era obrigatório ir à “Gajajeira comprar geloso, a fazenda azul que esta(va) na moda”, nos diversos salões de baile dos centros recreativos espalhados pelos subúrbios de Luanda”, conviver e dar largas à alegria de ser angolano. A nossa música já teve esta particularidade. Com a sua dinâmica rítmica baixou aos padrões mínimos, a outra, que também é boa e nós respeitamos, mas nada comparável “à nossa Princesa Rita”, que os Kiezos ainda “varrem”, em qualquer salão. Que o banco Sol continue a prestar a sua responsabilidade social a este grupo de rapazes faziam-nos esquecer os Beatles, Roberto Carlos, só para citar os mais populares entre nós. Eu aprendi a conhecer esta realidade que não vivi, através de testemunhos, que os nossos mais velhos contam nas conversas de sunguilar!


Lembras-te do Rochereau, do Franco, das orquestras OK Jazz, African Fiesta, African Jazz, Afrisa Internacional, Ricco Jazz, Les Bantous de la Capitalle, do Dr. Nico, do Wendo, do Fonseca e outros? Ouvia os vinis dos kotas, em cassetes e bobines de fita magnética nos almoços e, não sei porquê, sentia-me arrebatado pelo ritmo cadenciado do rumba de Franco, Rochereau e Joseph Kabasele, miúdo que eu era, e já rendido à música de pessoas, com a idade do meu avô. A lista das vedetas africanas é longa e ainda hoje mora nos corações dos seus admiradores. O seu talento fomentou a indústria fonográfica congolesa liderada por um cidadão grego, que se instalara em Kinshasa, a sua máquina de fazer dinheiro com a música. Ouvíamos tudo isso dos nossos velhotes, que tempos depois passaram a adquirir música africana, a partir da Lusolanda, em Luanda.


E isto para dizer o quê? Que é preciso prestar atenção à arte angolana no seu todo e à música em particular. Temos artistas de referência, para justificar que na era colonial, viveram da música , que instituiu em Luanda e no Bié, as primeiras fábricas de vinil que o mercado angolano transformou numa verdadeira indústria cultural, que passou a congregar e a mobilizar uma selectiva classe de artistas, muitos deles, com carreira firmada naquele tempo. Viviam da música, que depressa se estendeu por todo o país e não estavam sujeitos à caridade institucional, do patrocínio que custa a sair das promessas etilizadas nos encontros recreativos, mas que depois são arquivadas nos gabinetes e balcões financeiros, fazendo com que o artista morra de ansiedade, para realizar o seu sonho, que é gravar um disco, neste caso, um Compact Disc. Nada mais sórdido, num ambiente como este, em que as promessas etílicas ainda comandam a nossa vida.


O que é salutar é despolitizar a música angolana, que antagoniza todo o processo de criatividade e coloca os artistas na indigência. É necessário “empresariar” a arte, na proporção do valor que ela congrega em todos os sentidos. É necessário organizar e com urgência, as sociedades de direitos de autor, sem as fricções e burocracias conhecidas. É um erro ter uma associação de direitos de autor que privilegia no seu corpo directivo, os músicos, subalternizando as outras classes artísticas. A organização tem de estar alinhada ao seu objecto social principal, que é a defesa e cobrança dos direitos autorais e ponto final. O Teatro, a dança, o cinema, a composição artística devem estar alinhadas aos objectivos reais, para poderem cumprir o seu objecto social, que é cobrar e angariar fundos, para o exercício normal da sua actividade. 


Não se deve submeter aos caprichos das burocracias institucionais, que ditam regras, que se confundem com a lei e interesses sem causas objectivas. O compadrio e a intriga têm de ser abolidos impiedosamente, em nome do profissionalismo que se exige no exercício dos cargos.


Os artistas continuam a ser uma poderosa arma política de arremesso, para influenciar, creditar valor acrescentado aos objectivos sociais e políticos de quem governa ou pretende alcandorar-se ao poder e é na arte que encontra o escudo protector das suas intenções para conquistarem o eleitorado.


O artista comum é um homem livre com ideias próprias, não subversivas, mas que pode modificar status, produzir efeitos contrários aos pretendidos, se não for respeitada a sua independência e direitos de cidadania. Por isso deve ser acompanhado e estimulado com acções que garantam não apenas a sua sobrevivência, mas a sua identidade e valores que alimentam a sua capacidade de criar e fazer arte.


A sociedade angolana quer os artistas mais presos à arte e não à política. Nota-se que a política não é a sua praia, pelo que temos visto nas discussões para as lideranças do sector dos direitos de autor. Existe muita intriga pelo meio a mascarar uma realidade, que é muito nossa, a de criar antagonismos onde não existem, o de atrapalhar as ideias inovadoras, o de combater onde não há motivos para o efeito, o de afastar e condenar deliberadamente, a experiência, a sabedoria de quem quer fazer alguma coisa que dê trabalho e dinheiro aos membros. Só visto!


Que o sector cultural do país ajude os nossos artistas a defenderem os seus interesses
A arte, a música em particular não são nada disto e não merece o que dela estão a fazer determinadas pessoas. O Ministério da Cultura, agora incorporado, numa estrutura mais ampla, deve mostrar profissionalismo e só não o fará, por causa dos interesses instalados na alma de alguns grupos, que se proclamam donos da cultura, que são militantes do partido A e B e lutaram por este país e têm direito de mandar, de pregar militâncias mal diluídas, num nacionalismo, que não é para aqui chamado, num organismo que pode gerar receitas para os seus membros poderem desfrutar do trabalho realizado no passado.


Deixo aqui a minha admiração para todos aqueles, que conseguem transformar os nossos corações em amor, em canções da vida vivida e não vivida, em promessas de gratidão e respeito pelo nosso passado, presente e futuro e mais do que isso, da nossa felicidade!
Por isso termino pedindo que façam dos corações uma fonte inesgotável de amor ao próximo, de paz e de um orgulho pelos valores pelos quais nos batemos neste solo pátrio chamado Angola.

ANDRÉ PINTO