Luanda - Em visita de trabalho a Cabo Verde pela Fundação Huaenga Xito, Tarrafal campo de concentração que viu sofrer muitos dos melhores filhos de Angola com realce para o patrono da fundação, foi um dos nossos principais destinos no arqueólogo.

Fonte: Club-k.net

No hotel ao lado de onde estávamos hospedados, de nome Beramar Hotel na cidade de Praia, no penúltimo dia da nossa estadia, entramos com o objectivo de visitar o mesmo espaço e, dei-me de caras com o Jornal Expresso das Ilhas. Nele continha uma grande entrevista dada pelo Professor, Politólogo e Investigar Daniel dos Santos sobre a sua nova obra literária intitulada “Amílcar Cabral – Um outro Olhar” uma obra biográfica em torno deste grande filho de África Amílcar Lopes da Costa Cabral, Nacionalista e fundador do PAIGC e PAICV partidos libertadores da Guiné-Bissau e Cabo Verde respetivamente.

 

De realçar que segundo a lista da BBC World Histories Magazine, Amílcar Cabral foi o segundo maior líder de sempre da história da Humanidade. Mas foi mesmo o título da entrevista que me chamou atenção “Cabo verde precisa de libertar-se dos libertadores”. O livro discutido na entrevista retrata situações irreais em torno da figura de Cabral, os mitos sobre acontecimentos que envolveram figuras do nacionalismo em África, Cabo Verde e Guiné- Bissau em particular. A construção de inverdades históricas e políticas que suportaram figuras do nacionalismo, a forma como os movimentos se impuseram como partidos na proclamação das independências para alguns antecedidos de grandes lutas de Guerrilha e outros nem tanto, são algumas críticas trazidas pelo pesquisador.


A título de exemplo, o autor fala de uma audiência dos nacionalistas Agostinho Neto, Cabral e Marcelino dos Santos com Papa Paulo VI, audiência que segundo o pesquisador não chegou a acontecer, facto confirmado por António Alves Tomás Medeiros nacionalista e político São-tomense, que confirma a inexistência de tal acto. “Curioso é que não há nenhuma foto desta audiência” reforça o pesquisador. “O que aconteceu foi que, como o Santo Padre recebia aos domingos fiéis, eles puseram-se na fila como qualquer crente e chegaram lá e apresentaram-se ao Papa. O encontro não durou mais de sete ou oito minutos, entregaram ao Somo pontífice um dossiê e deram logo uma conferência de imprensa que teve repercussão mundial”. Enfim coisas da política.


É sobre Angola o nosso país, que me proponho falar. Não direi nada de novo, não expressarei ódio, apenas o estado de saturação pelo sofrimento desnecessário do nosso povo por problemas que têm solução... Precisamos continuar a falar sobre a nossa Pátria e por esta via despertar os cidadãos menos atentos e municiá-los porque, “conhecimento é Poder”. Os mitos, as incapacidades do “libertador” em concretizar e realizar a vida pública e a liberdade dos povos, sustentam a tese segundo a qual os “libertador” hoje demonstram não ter noção do valor da liberdade, uma vez que voluntária ou involuntariamente transformaram-se em novos opressores. São infindáveis as perguntas: Como entender a falta de Amor a Pátria que dizem ter liberto, a falta de Sentido do Estado que dizem ter fundado, como é possível governar sem o Compromisso que dizem ter assumido? As afirmações tais como: “os governantes amam as riquezas e não Angola” ou se “Estes são realmente angolanos”? Como justificar 45 anos de governo sem resolver os problemas mínimos dos cidadãos?


Por que razão os mais Comentado [1]: Verificar a coerência da frase Comentado [2]: arquipélago velhos com 60 anos em diante ainda sentem saudades da era colonial? Perguntas cujas respostas nos levarão a compreender o propositado atraso na realização do bem comum.


A luta pela libertação que culminou com a conquista da independência, não foi um acto isolado e sem passado. A resistência a penetração, ocupação e fixação em África, e das iniciativas de opressão iniciada pelos Árabes (Séc. VIII) seguida dos Europeus (Séc. XV), foi uma luta que começa num passado histórico do continente Berço e dos povos da região que hoje é Angola especificamente, interpretada a posterior pelos seus melhores filhos dignos de consagração desta conquista da Humanidade, a Liberdade. Qualquer angolano digno deste nome, destemido e tocado pelo sofrimento do seu povo naquela altura havia de fazê-lo, aliás existiram 3 movimentos e igual número de líderes durante o processo de libertação, mas infelizmente só um tem tido o valor histórico e político, confundindo a história do nosso povo o que torna incompleta a conquista da nossa Liberdade. A independência vai muito além da expulsão dos colonos, descolonização. Tal como já dissemos, a Liberdade é uma conquista da Humanidade e, não tem dono. Quem lutou por ela em Angola, saiba que fê-lo pela e para a Humanidade.


Após a proclamação da independência o desentendimento entre os movimentos de libertação agudizou-se significativamente, levando a um dos mais violentos conflitos da história de África e do mundo, movido por razões internas (incumprimento dos acordos, questões étnicas, rácicas entre outros) agravada pela então bipolarização mundial. Com a queda e a consequente perda de influência política da FNLA o primeiro, mais enraizado e conhecido movimento de libertação de Angola no mundo, até muito depois da independência, restaram dois, MPLA e UNITA que, digladiaram-se militarmente por mais de 20 anos, um na condição de governo em Luanda (capital) e outo como beligerante nas matas com sede na Jamba (interior). Responsáveis pela entrada de tropas estrangeiras (Cubanos e Sul-africanos) que “invadiram” Angola em defesa dos interesses dos dois contendores, matando milhares de angolanos e saqueando as nossas riquezas com a chancela dos mesmos MPLA e UNITA, os únicos que lucravam com o conflito enquanto o povo indefeso morria como capim.

 

O “fazer a guerra para acabar com a guerra” pôs fim ao conflito, mas não trouxe a “paz no prato”. Enquanto isso o mesmo slogan que calou as armas, abriu as portas para os que “fizeram a paz” por via da guerra criassem um novo capítulo, o roubo, repito roubo desenfreado das riquezas deste belo país, colocando novamente o povo numa outra guerra, mas sem armas de fogo. A pobreza extrema. “Nesta guerra não houve vencidos nem vencedores” foi parte do discurso oficial, mas no interior do MPLA e nas suas acções diárias apresentam-se como “vencedores” humilhando os “vencidos”, arrogando-se em nome desta vitória o direito exclusivo do acesso as riquezas do país. A guerra acabou a 18 anos, porém a reconciliação não passou de palavras que o vento levou. Sem distribuição e usufruto das riquezas do país, não há reconciliação nacional.


“O custo económico do conflito armado em Angola foi de 20 bilhões de USD”, por outro lado, o custo do saque para o exterior pelas mãos dos seus supostos filhos no período pôs conflito, 2004 a 2014, foram de mais de 200 bilhões de USD. Uma verdadeira drenagem financeira apadrinhada pela Acumulação Primitiva do Capital, assumida em discurso do Estado da Nação ao parlamento pelo então Presidente da República José Eduardo dos Santos. Aproveitando-se da ignorância da maioria, da inércia e conivência de muitos esclarecidos bem como da saída de cena de alguns tecnocratas, o MPLA foi tomado pela ganância de alguns dos seus mais influentes militantes que, transformaram o país numa propriedade privada, aniquilando a cidadania e instalando o absolutismo por via da Constituição da República de Angola – CRA, que deve ser urgentemente revisada para o bem do país. A escravatura era de lei, o nazismo e o apartheid eram igualmente de lei, mas nem por isso eram boas leis e portanto, foram banidas das cartas magnas destes Estados. O Estado está capturado por poderes instalados disfarçado em partido político. No desgastado discurso de combate a corrupção de João Lourenço, falou-se muito dos poderosos interesses instalados, mas tem sido uma luta inglória, na medida em que o maior poder instalado é o MPLA. Eu já não tenho dúvidas.


A classe detentora do poder executivo do Estado não tem noção da realidade objectiva do país que dirige, de tal maneira que não sabem projectar Angola nos próximos 30 anos. Os desígnios da luta dos nossos antepassados perderam a razão de ser, tudo porque o Estado é refém do partido “libertador”, visível nas práticas para a manutenção do poder político, espalhando o terror institucional desde os dias que antecederam a proclamação da independência e a posterior, prova disso, são acontecimentos como o do 27 de Maio de 1977 onde mais de 70 mil angolanos foram dizimados, a sexta-feira sangrenta de 23 e 24 de Janeiro de 1993, está que visou dois grupos étnicos (Ovimbundos e Bakongos) actos próprios para introduzir o medo como recurso de gestão de massas por via da eliminação em massa e de figuras influentes criando um corte cirúrgico na dinâmica da sociedade para facilitar o controlo e consequente consolidação do poder do “libertador”.


A ridicularização e banalização do conhecimento, o empobrecimento dos intelectuais pelo fraquíssimo investimento na educação e pesquisa científica em particular e desvalorização da ciência no geral, acrescida da desvalorização da cultura no geral e o ofuscamento das iniciativas de endogeneização dos povos. As acções acima descritas tiveram como consequências a promoção da futilidade tornando os cidadãos acríticos e inaptos a reagirem mesmo diante de recorrentes injustiças. O desinvestimento em sectores chaves como a saúde, educação reitero (nunca na história do OGE - Orçamento Geral do Estado angolano estes dois sectores tiveram no mínimo até 10 % para cada um, salvo melhor informação), justiça social e distributiva mesmo diante de favorável situação económica, não podemos esquecer o processo da morte da indústria por via da alienação para empresários incapazes, a constante desacreditação da agricultura pelos fracos incentivos no OGE favorecendo o lóbi da importação que, mesmo diante de excelentes condições naturais como mais de 60% de terras agricultáveis, inúmeros rios e um rico histórico no sector. Estes são os inequívocos sinais que o plano não é, e nunca foi tornar Angola num bom lugar para se nascer, crescer e viver. Angola é um país que está muito acima das capacidades do MPLA, é um país altamente estratégico para a região, para África e o Mundo para ser tão mal gerido, cometeram e se continua a cometer erros gestão pública que mancham a história dos nossos tempos. O sucesso e insucesso de um Estado dependem de quem governa.


O MPLA só pode reclamar de si mesmo, governou no maior e melhor momento económico da história de Angola pôs independência, mas a falta de um Projecto para o País, submeteu-nos a condição de Estado falhado. Em democracia, a manutenção do poder político só é feita de uma forma sendo esta a boa governação. Agora pergunto como é que o MPLA tem mantido quase meio século do poder sem governar bem? Por via da corrupção sistémica (institucional e eleitoral) que enfraquece as instituições facilitando assim o controlo e consequente manipulação social e eleitoral. Daí que combater a corrupção é combater a única forma de manutenção do poder, esta é uma das respostas do fracasso da luta contra a corrupção.


Ontem defensores do igualitarismo, hoje são incapazes de dividir para todos o que é de todos, a ponto de se transformarem mais capitalistas que o capitalismo sistema económico que um dia ideologicamente abominaram. “Eles ainda controlam tudo, mas nós estaremos sempre em todo lado”.


O adiamento do sucesso de um país com as nossas riquezas e potencialidades, por incompetência governativa de um partido, leva-nos a inevitável e infeliz constatação de que ANGOLA PRECISA SE LIBERTAR DO LIBERTADOR.


Olívio Kilumbo
(Professor, Politólogo, Analista Político e Consultor)