Londres  - As urgências do dia-a-dia, pressionadas pela demanda de uma força cuja estratégia é completamente desconhecida, tem nos proporcionado uma oportunidade ímpar de evidenciar, pois sempre estiveram aí escancaradas, as nossas “carecas”, o maior motivo da nossa vergonha enquanto um país que apesar de rico e independente falhou com uma missão primária: a de providenciar o mínimo dos mínimos aos seus cidadãos.

Fonte: OPAIS

Essa exposição das nossas “carecas” em praça pública, que só as torna mais claras aos olhos de quem não as quer ver, nos obriga a olhar para o caminho que percorremos até ao presente e tentar encontrar aonde é que nós, povo, também erramos, assumindo que uma falha da dimensão desta nossa, mais voltada para gralha, na verdade, não pode só ter um lado responsável.


A normalização do anormal foi certamente um daqueles pilares fundamentais para o sustento do castelo de opressão a que o nosso país, a dada altura, se viu transformar. Não por mera vontade popular mas através de uma estratégia muito bem concebida e executada com um fim único: o de garantir a manutenção do sistema opressor.


Para este efeito, era preciso (1) que se afastasse a potencial “massa pensante”, os jovens, dos grandes centros de debate e decisão política, (2) que se investisse pouco, ou quase nada, na sua educação, e outros meios de acessos e oportunidade de se auto-libertarem, pois, pessoas capazes de ousarem em questionar a estrutura de poder era tudo que menos importava a este sistema de opressão.


Mas, para além de se massificar a máxima do “Xé Menino Não Fala Política” era preciso que se ocupasse estes jovens, pois canecas e panelas vazias, em simultâneo, ainda dão muito tempo para se pensar em outras coisas. Daí a célebre instituição, quase que legal, das maratonas nos bairros em sintonia com os baixos preços de bebidas alcoólicas, ao ponto de chegar a ser mais fácil o acesso a uma grade de cerveja do que a um livro no nosso país.


Como só a íntima relação com os derivados do etanol não é suficiente para garantir uma fidelidade canina entre os jovens e o sistema, tal como aquela que se pretendia, era preciso que se instituísse também o fanatismo dada a sua eficiência na conservação de movimentos e sistemas de opressão, tal como a história mundial nos mostra. Foi daí que começou a ser quase que imperativo que se idolatrasse o líder, o governo, o partido e as instituições. E todo aquele que desafiasse ou simplesmente não quisesse fazer parte do esquema do “sim,chefe!” era automaticamente rotulado como “antipatriota”.


Foi este disparate de ídolos e idolatrados, no meu entender, que pariu a estulta ideia de que a acção governativa não passava de um acto de boa fé e caridade dos governantes e não, como de facto o é, uma obrigação que emanava dos seus deveres e estatutos, enquanto servidores pagos com fundos públicos para prestarem um determinado serviço.


Como a vergonha não se contenta com a solidão, fomos mais longe e passamos a considerar actos heróicos merecedores de destaque em ecrãs televisivos e capas de jornais toda e qualquer iniciativa do governo com o objectivo de “aliviar a dor do povo”. Um jogo tão baixo mas tão baixo que ia da inauguração de um chafariz de água numa comuna qualquer à exaltação de um governador por ter visitado uma escola numa outra esquina qualquer.


Assim, passou a ser norma, entre nós, a ideia de que os populares precisam de agradecer os servidores públicos por e simplesmente fazerem o seu trabalho, mesmo até quando mal feito, o que é, diga-se, bastante comum aqui nosso país.


Eles próprios, os membros do governo, colocam-se, muitas vezes, na posição de serem bajulados e exaltados pelos populares sempre que movem uma palha que seja para cumprirem com a sua obrigação. E isto não se trata de coisa do passado, infelizmente.


Mesmo no tal “novo paradigma” continuam a existir governantes que, no auge da sua petulância, acreditam que fazem um grande “esforço” quando exercem o trabalho pelo qual são pagos.


É o caso, por exemplo, da ministra da Saúde, Silvia Lutucuta, que disse recentemente em entrevista à TPA que a “comissão multisectorial fez um grande esforço” para garantir as melhores condições de quarentena institucional no país quando, na verdade, eles não fizeram mais do que a sua obrigação.


É de lamentar a frequência com que estes episódios ainda acontecem entre nós, revelando um total desconhecimento de noções de papéis e responsabilidades sociais.


O costume tem a mania de normalizar tudo e mais alguma coisa. Daí considerar urgente que esclareçamos as pessoas, de uma vez por todas, que elas não precisam de agradecer ao céu pelo Sol, ao mar pela água nem ao vento pelo frio. Pois, é para isto que cada um deles existe.


Um elogio quando se impuser? Talvez sim mas jamais cânticos de gratidão aos governantes. Pois, caso se tenham esquecido, senhores governantes, a vossa obrigação é GOVERNAR!