Luanda - Ponto prévio III: Perante a pandemia Covid 19, cada um deve fazer a sua parte, pelo que é reservado aos, investigadores, estudiosos, enfim, proporcionarem neste período do estado de emergência, entre outras, artigos acadêmicos capazes de transformarem a quarentena versus fica em casa versus isolamento social, não momentos de tédio e de inércia mas, momentos de aumento de conhecimento do domínio científico-social na sua transversalidade, com enfoque sempre que possível (para nós angolanos), sobre a realidade histórico-social da nossa pátria – Angola, (a verdadeira história de Angola ainda está para ser contada), razão pela qual me propus a partilhar esta nova temática.

Fonte: Club-k.net

A Constituição de 2010, refere no ponto 3 do artigo 5.o, que a República de Angola organiza-se territorialmente para fins político-administrativos, em províncias e estas em municípios, podendo ainda estruturar-se em comunas e em entes territoriais equivalentes nos termos da Constituição e da Lei.


A Lei 13/16 de 12 de Setembro, sobre as Bases da Organização Administrativa do Território, no ponto 1 do artigo 5.o, refere que o território da República de Angola, organiza-se para fins político-administrativo, em Províncias, Municípios, Comunas e outros Entes territoriais equivalentes.


De forma clara, o artigo 1.o da Lei 18/16 de 17 de Setembro, sobre a Divisão Político-Administrativa, refere que o território da República de Angola, é constituído por 18 Províncias, 164 Municípios, 518 Comunas e, 44 Distritos.


Os contornos do Estado de Emergência incluíram entre outras, um novo conceito – as CERCAS (nacional, provincial e municipal), um instrumento de regulação de “divisão político-administrativa” das localidades angolanas, para efeitos de coordenação, controlo e acompanhamento à COVID 19, operacionalizada pela Comissão Interministerial, cujo enfoque principal (CERCA Provincial e Municipal) tem sido a problemática da mobilidade singular ou colectiva, do cidadão, particularmente na busca de produtos alimentares, em e para meios informais que, quer queiramos ou não admitir, tem as suas valências num extrato significativo das comunidades angolanas.

Uma abordagem académica assente na análise crítica descritiva


Quando em Março do corrente ano, foi decretado o 1.o Estado de Emergência na história de Angola, nem mesmo os sectores académicos tinham em mãos a amplitude das implicações sociais daí decorrentes, mais ainda em resultado das sucessivas prorrogações (três até a presente data).


A problemática da mobilidade singular ou colectiva, do cidadão, no presente periódo de Estado de Emergência tem tido implicações ao nível da relação entre a província de Luanda (a título excepcional confinada em si mesmo) e a Província do Bengo, podendo ser abordada em perspectivas assentes no contexto histórico que as liga, entre outras, pelo facto de:


1. O actual território do Bengo foi parte integrante da Província de Luanda durante muitos anos, estando, portanto e intrinsecamente ligadas as múltiplas relações (económico-sociais) e de vivência das suas gentes;

2. Elevada a província num contexto de estratégia política, em sede do conflito armado cada vez acentuado naquela circunscrição territorial, ainda assim manteve as “múltiplas relações sociais e de vivência luandense”, ou não fosse o caso de parte significativa dos funcionários públicos, membros da direcção das forças de defesa e segurança e outras entidades do sector empresarial e produtivo, sedearem as respectivas famílias em Luanda, tendo o Bengo até mais recentemente, como “local de trabalho” isto é, almoçar no Bengo e dormir em Luanda.


3. A posição geográfico-territorial, potencialmente servida com recursos hídricos que enriquecem os seus solos, com gente trabalhadora proveniente de vários pontos do país, transformaram a província do Bengo, num dos principais centros abastecedores alimentares dos eventuais 7 milhões de habitantes da vizinha Luanda;


4. Ao contrário, Luanda é para o Bengo o seu principal centro abastecedor de produtos manufacturados grossista, permitindo aos empresários e ou comerciantes da terra do Jacaré bangão, uma rápida reposição de stok para o consumo local e remessa para outras províncias adjacentes (Uíge, Zaire, K.Norte...).


5. Quase que esgotada territorialmente, em razão do colapso do plano de ordenamento do território e do plano urbanístico (que se quer salvar agora) com o denominado Plano Director (metropolitano) Geral, Luanda vê muitos dos seus citadinos, procurarem terrenos para as mais diversas ocupações, na província do Bengo dada a sua proximidade fronteiriça e as “múltiplas relações sociais e de vivência” herdadas.


Estes e outros factores não descritos (para não sermos fastidiosos), têm tido repercussão no actual contexto de restrições de mobilidades impostas pelo Estado de Emergência, observando-se nas vias de acesso entre Luanda e Bengo, uma coabitação “difícil” entre as forças da ordem e os populares maioritariamente produtores e ou comerciantes agrícolas ou de piscicultura.


A grande concentração de pessoas e bens, apeadas ou nos meios rolantes, na via de Quifangondo por exemplo, está também eivada de inverdades, da parte de oportunistas com intenção de violarem a CERCA, para outras paragens. Mas também está coberta de verdades de modestos camponeses e comerciantes informais, ávidos de manterem as suas plantações e colheitas localizadas na cintura agrícola territorial partilhada Luanda Bengo, cujas obstruções ao acesso, trás consigo prejuízos aos pacatos cidadãos-


A guisa de conclusão, concordando nós com a visão do Estadista João Lourenço, aquando da Visita Presidencial à Huíla, onde incentivou o Governo Provincial a continuar com o processo de reabilitação das infra- estruturas, na expectativa dessa província servir para a “descompressão” da capital, convenhamos considerar que a província do Bengo, deverá ser tida e vista, por natureza e excelência, o principal território para o efeito (descomprimir Luanda), impondo à Comissão Interministerial o desafio (presente e futuro) de ajustar a interpretação da CERCA, não apenas pela via da delimitação geográfico-territorial alinhada a divisão político-administrativa, mas em alguns casos particulares como o que estamos a apontar, pelas “múltiplas relações sociais e de vivencia, geográfica e historicamente estabelecidas”.


“...Vamos estimular a que se realize um debate aberto e abrangente a toda a sociedade, de modo a conseguir o máximo consenso possível...” (extracto do discurso de abertura do Presidente da República sobre as autarquias em Angola, no 1.o Conselho de Governação Local – Benguela aos 19 de Fevereiro de 2018).

Eduardo Lisboa
Mestre em Governação e Gestão Pública

Primeiro Assessor e Técnico do Gabinete de Intercâmbio do Ministério da Administração do Território