Luanda - Objecto: o presente parecer técnico tem como objecto o contrato de Locação de Veículos, s/n, celebrado entre o Governo Provincial do Cuanza Sul e a Empresa Ango-Guerou - Comércio Geral Importação e Exportação, LDA, no dia 09 de Outubro de 2019.

Fonte: Club-k.net

I. Enquadramento


1. O Governo Provincial do Cuanza Sul (GPCS) diante da necessidade de veículos para estarem à disposição dos seus dois Vice-governadores, nomeadamente, para o Sector Político, Económico e Social e para os Serviços Técnicos e Infra-estruturas, decidiu celebrar, com a empresa referida supra, o contrato objecto do presente parecer. Com efeito, celebrou o referido contrato nos termos do Código Civil (CC) angolano.

II. Apreciação Técnica


A) Da forma de Contratação


2. O Governo Provincial do Cuanza Sul, enquanto órgão da Administração Local do Estado, pode celebrar contratos de locação de bens móveis com vista à satisfação do interesse público. Todavia, esse contrato de locação deve obedecer a regras próprias impostas às instituições públicas, pela Lei n.º 9/16 de 16 de Junho - Lei dos Contratos Públicos (LCP).


3. Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da LCP, todos os contratos de locação de bens móveis a celebrar pelas Entidades Públicas Contratantes (EPC), devem obedecer os procedimentos aí previstos. Entretanto, o GPCS é uma EPC, nos ternos da alínea a) do artigo 6.º da LCP, devendo, deste modo, obediência total às regras e princípios da Contratação Pública.


4. Ora, o contrato em análise faz referência que tem como base de celebração o CC, deixando de parte o regime da LCP. No contrato, o Estado foi representado pelo Governador Provincial, que está vinculado ao cumprimento do princípio da concorrência, nos termos do artigo 3.º da LCP, princípio este que se materializa pelo cumprimento dos procedimentos de contratação pública, que permite dar a várias empresas a possibilidade de apresentarem as suas propostas, sendo contratada a melhor, dentro de um ambiente justo, transparente e em igualdade de oportunidade.


5. A cláusula 4.ª do contrato estipula como valor do contrato o montante diário de Akz 191.780.00 (Cento e Noventa e Um Mil e Setecentos e Oitenta Kwanzas) e, nos termos da cláusula 3.ª foi celebrado “pelo prazo de 01 (um) ano”, renovável. Assim, temos o seguinte custo anual total:

Custo
Mensal Akz: 5.753.400, 00
Anual Akz: 69. 040.800, 00


Como se pode ver, o contrato tem um custo anual total de Akz 69.040.800, 00 (Sessenta e Nove Milhões e Quarenta Mil e Oitocentos kwanzas). Destarte, nos termos da LCP, os contratos com esse valor devem ser celebrados mediante procedimento de Concurso Limitado por Convite (CLC), que permite a celebração de contratos cujo custo estimado seja inferior a Akz 182.000.000, 00, nos termos do n.º 2 do artigo 24.º da LCP.


6. Por esse procedimento, a EPC é obrigada a convidar, no mínimo, três empresas a apresentarem propostas e adjudicar à melhor, com base em critérios objectivos previamente definidos, nos termos dos artigos 136º e seguintes da LCP.


7. Contrariamente ao regime estabelecido, a EPC celebrou um contrato privado, com recurso ao regime contratual privado (CC), ao invés de um contrato público, que deve ser celebrado com recurso ao regime contratual público (LCP).
B) Da consequência da violação das regras da LCP


8. Não tendo sido celebrado por meio de um procedimento de contratação pública aplicável à situação concreta, o contrato é anulável, nos termos do n.º 1 do artigo 382.º, por violação do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 24.º, 136.º e seguintes, todos da LCP, sobre a imperatividade de utilização de procedimento para contratar e violação das regras da concorrência.


C) Das normas sobre Probidade Pública


9. O Governador Provincial, enquanto agente público, está vinculado, nos termos da Lei n.º 3/10, de 29 de Março - Lei da Probidade Pública (LPP), dentre outros, aos seguintes princípios:


• Da Legalidade: deve pautar a sua actividade com base na lei. Para a celebração do contrato em causa houve frauda à lei não houve respeito da Lei, no caso a LCP;


• Da Competência: deve tomar as melhores decisões, isto é, as decisões a tomar devem ser eficientes e sustentáveis, o que não ocorreu, facto amplamente demonstrado no presente parecer. Houve, portanto, demonstração de incompetência técnica culpável;


• Da responsabilidade e da responsabilização: o agente público é responsável pela ilegalidade da sua actuação;

 

• Da parcimónia: o agente público deve utilizar com racionalidade os recursos postos à sua disposição, incluindo os recursos financeiros, o que claramente não ocorreu, no caso em apreço.


• Do respeito pelo património público: impõe que o agente público deve abster-se de praticar actos que lesem o património público, como, por exemplo, o esbanjamento.


10. Assim, nos termos dos artigos 23.º e seguintes da LPP, a violação dos princípios acabados de referir considera-se acto de improbidade pública. Com efeito, o n.º 2 do artigo 26.º da Lei que vimos citando, apresenta-nos as seguintes situações aplicáveis ao caso concreto, referindo que é improbidade pública quando o agente público:


• alínea a), n.º 2 do artigo 26.º: facilita, por qualquer forma, a integração no património particular de pessoa física ou jurídica, de verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial da entidade pública;


• alínea b), n.º 2 do artigo 26.º: permite que pessoa jurídica privada utilize valores da entidade pública sem observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis;


• alínea g), n.º 2 do artigo 26.º: viole as regras legais sobre concursos em matéria de contratação pública;


• alínea k), n.º 2 do artigo 26.º: permite, facilita ou concorre para que terceiro enriqueça ilicitamente.

11. No entanto, esses actos de improbidade têm como consequências, para o agente público, nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 31.º da LPP, dentre outras, (i) o ressarcimento integral do dano causado ao erário, (ii) a perda da função pública, (iii) o pagamento de multa de até duas vezes o valor do dano e (iv) a suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos.

D) Da Racionalidade Económico - Financeira do Contrato


12. Por força do princípio da economia previsto no artigo 3.º da LCP e no artigo 4.º da Lei n.º 18/10, de 6 de Agosto – Lei do Património Público, as EPC estão obrigadas a fazer reflectir nas suas despesas uma dose considerável de racionalidade económico-financeira. Deste modo, pelo valor total do contrato celebrado levanta-se a questão de saber se é mais racional comprar ou locar os veículos em causa.


13. Por razões imperiosas de interesse público, a aquisição de veículos por parte dos órgãos públicos deve observar o disposto no Decreto Presidencial n.º 92/16, de 4 de Maio que aprova o Regulamento Sobre a Aquisição, Gestão e Abate da Frota de Veículos Automóveis do Estado (RAGAFVAE). Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º e do artigo 10.º todos do RAGAFVAE, o Governo Provincial pode adquirir veículos automóveis.


14. Para os Vice-Governadores, os veículos automóveis a adquirir constam do anexo I do RAGAFVAE que estabelece as suas características. Assim, o veículo pessoal, protocolar do Vice-Governador tem como característica: seguimento do tipo turismo, motor de cilindrada superior a 2700cc e inferior a 3500cc, caixa de velocidade automática, 4 portas e máximo de 5 lugares.


15. Numa breve consulta ao mercado, foi possível constatar que o veículo automóvel Land Cruiser Prado, vulgo TXL, que preenche todas essas características, tendo como Cilindrada 2982cc, custava no mercado, na altura em que o contrato foi celebrado e custa actualmente, o valor médio de Akz 22.000.000,00 (Vinte e Dois Milhões de Kwanzas). Deste modo se se optasse pela compra, ao invés da locação, haveria uma poupança de pelo menos Akz 25.040.800,00 (Vinte e Cinco Milhões e Quarenta Mil e Oitocentos Kwanzas).


16. Por último, consideramos que tendo em conta os valores praticados no mercado pelas empresas que têm como actividade o aluguel de veículos, o preço do presente contrato é irreal por ser bastante elevado e levanta fortes indícios de branqueamento de capitais.

 

III. Considerações Finais


17. Face ao acima exposto somos a tecer as seguintes considerações finais:


• Que se anule o contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 382.º, por violação dos dispostos nos artigos 2.º, 3.º, 24.º e 136.º e seguintes, todos da LCP, devido a violação das regras da concorrência e da imperatividade de utilização de procedimento para a celebração de contratos;


• Que seja o Governador Provincial responsabilizado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º, pelos seguintes actos de improbidade pública previstos no n.º 2 do artigo 26.º todos da LPP:


 facilitar, por qualquer forma, para a integração no património particular de pessoa física ou jurídica, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial de entidade pública;


 permitir que pessoa jurídica privada utilize valores da entidade pública sem observância da Lei;

 violar as regras legais sobre os procedimentos de contratação pública;


 facilitar para que terceiro enriqueça ilicitamente.


• Que pela inobservância do princípio da economia previsto no artigo 3.º da LCP que, resultou na falta de racionalidade económico-financeira medida, sobretudo, pelo valor avultado do contrato, tendo um custo superior ao valor médio da venda do bem no mercado, seja levado ao conhecimento da Procuradoria Geral da República, a existência do contrato objecto do presente parecer, por haver fortes indícios de crimes subjacentes ao branqueamentos de capitais, dentre eles o crime de participação económica em negócio, previsto no artigo 40.º da Lei 3/14 de 10 de Fevereiro, Lei Sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais (LCISBC).

 


IV. Diplomas Utilizados

• Lei n.º 9/16, de 16 de Junho - Lei dos Contratos Públicos (LCP);
• Lei n.º 3/10, de 29 de Março - Lei da Probidade Pública (LPP);
• Decreto Presidencial n.º 92/16, de 4 de Maio - Aprova o Regulamento Sobre a Aquisição, Gestão e Abate da frota de Veículos Automóveis do Estado (RAGAFVAE);
• Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro - Lei Sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais; e
• Lei n.º 18/10, de 6 de Agosto – Lei do Património Público.