Luanda - Na passada sexta-feira, dia 15 de Maio, o Papa Francisco fez o lançamento da Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, cujo ponto mais alto será celebrado no domingo, dia 27 de Setembro. O tema proposto pelo Sumo Pontífice tem a ver com as Pessoas Deslocadas Internamento (PDI). A nível global, afeta 62,9 milhões de pessoas, sendo 41,3 milhões de indivíduos que se viram obrigados a abandonar os seus lugares de origem por razões de conflito e violência, e 21,6 milhões por causa dos problemas ecológicos, tais como tempestades, secas, riscos e desastres geofísicos (OIM, 2020).

Fonte: Club-k.net


Africa. Segundo a Convenção de Kampala, norma que define os termos de proteção das PDI em África, trata-se de “pessoas ou grupos de pessoas que tenham sido forçadas ou obrigadas a fugir ou a abandonar as suas habitações ou locais de residência habitual, em particular como resultado ou como forma de evitar os efeitos dos conflitos armados, situações de violência generalizada, as violações dos direitos humanos ou calamidades naturais provocadas pelo próprio homem e que não tenham atravessado a fronteira de um Estado internacionalmente reconhecido” (2009). A África é o crisol dos fluxos migratórios; por isso, a União Africana declarou 2019 o ano dos refugiados, retornados e PDI. Em finais de 2018, havia 17,8 milhões de PDI no continente, e os países com maior número de PDI provocados por conflitos e violências, são a Etiópia (2,9 milhões) e a República Democrática do Congo (1,8 milhões). Por sua vez, o topo das PDI devido aos desastres ambientais é liderado pela Nigéria (613.000) e pela Somália (479.000) (IDMC, 2020).


Angola. Apesar do fim do conflito armado, Angola não está isento do drama das PDI. Pouco antes do final da guerra civil, isto é, em 2001, havia 5 milhões de PDI no país (Soares, 2015). Depois da guerra, os fluxos internos continuaram, motivados por outras razões: violências, violações dos direitos humanos e desastres ambientais. Tanto as violências como as violações dos direitos humanos têm ocorrido a coberto das políticas de desenvolvimento, urbanização e construção de infraestruturas económicas e sociais. Neste momento, Angola tem 6.700 pessoas que abandonaram as suas terras devido aos problemas ambientais, sobretudo a seca (IDMC, 2020). Esse fenómeno tem afetado o sul do país, as províncias de Namibe, Cunene, Cuando Cubango e Huila. Entretanto, também tem o registo de mais de 20.000 PDI (Soares, 2015) desalojados do seu habitat, com frequência com recurso à arma de fogo. Na realidade, depois da guerra, as demolições têm sido uma constante.


Proteção jurídica. No plano de proteção internacional, desde 1972 o mandato do ACNUR era extensivo às PDI. Não obstante, não tinham amparo jurídico na doutrina internacional. Os refugiados, solicitantes de asilo e trabalhadores migrantes tinham respaldo jurídico.


Este vazio jurídico levou a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos a encomendar ao Secretário Geral da ONU a supressão deste vazio. Em 1992, criou-se uma comissão chefiada pelo sul sudanês Francis Deng, a fim de estudar as causas e as consequências das PDI. Nos mesmos termos, melhorar a sua proteção e assistência, dialogar com os governos e outras entidades. Não menos importante, a comissão tinha a árdua tarefa de elaborar o marco normativo e institucional das PDI. Esse labor culminou com a adoção dos Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos, em 1998.


                                                                                                  Os líderes africanos aprovaram a Convenção de Kampala de 2009 como instrumento de proteção e assistência às PDI. Angola foi o primeiro país a incorporar no seu ordenamento jurídico os Princípios Orientadores da ONU. Isso ocorre em 2001 e 2002, com a aprovação das Normas sobre o Reassentamento das Populações Deslocadas (Decreto 1/1 de 5 de Janeiro) e do Regulamento para Aplicação das Normas sobre o Reassentamento das Populações Deslocadas (Decreto 79/2 de 6 de Dezembro). Entretanto, em 2005, ignorando a integração socioeconómica das PDI provocados pela guerra civil e, ao mesmo tempo, pelas demolições propiciadas pelo programa de reconstrução nacional, o governo de Angola declara o fim das PDI. Nesse sentido, a partir desta data, as PDI deixaram de constar na agenda política do Estado angolano.

Mensagem do Papa Francisco:


Razões da escolha do tema. O tema proposto pelo Papa Francisco brota desse diagnóstico marcado pelo “drama dos deslocados dentro da própria nação”. Recorda o Papa que esse é um dos “desafios do mundo contemporâneo”. Ante a pandemia da Covid-19, que parece ser mais atual, o Papa esclarece as razões que o levaram a dedicar a sua Mensagem às PDI: trata-se de “um drama – muitas vezes invisível – que a crise mundial causada pela pandemia do Covid-19 exacerbou”. E mais, “muitos dos países atingidos por estas situações carecem de estruturas adequadas que permitam atender às necessidades” dessas pessoas. Daí que o problema que afeta os deslocados não pode ser relegado “para um plano secundário nas agendas políticas nacionais e nas iniciativas e ajudas internacionais” [na medida em que] “este não é tempo para o esquecimento”. Por não ser mesmo tempo de esquecimento, a Mensagem engloba “todos aqueles que atravessaram e ainda vivem experiências de precariedade, abandono, marginalização e rejeição, por causa do vírus Covid-19”.


Ícone. Para nos ajudar a refletir sobre o drama das PDI, o Santo Padre propõe, como ícone, o Menino Jesus. Este também viveu junto com os pais a condição de deslocado e refugiado, na sua fuga para o Egipto. Desse modo, experimentou em primeira mão situações de “medo, incerteza e dificuldades”. Razão pela qual em cada família obrigada a abandonar a sua terra de origem “está presente Jesus”. Através dos rostos dessas famílias, o Papa sugere que “somos chamados a reconhecer o rosto de Cristo faminto, sedento, nu, doente, forasteiro e encarcerado, que nos interpela”.


Propostas de atuação: abeirar-se e envolver todos. Para enxergar essa realidade, a Mensagem propõe seis pares de verbos: conhecer para compreender, aproximar- se para servir, para reconciliar-se é preciso escutar, para crescer é necessário partilhar, é preciso coenvolver para promover e colaborar para construir. Os três primeiros pares de verbos incidem sobre a vida das PDI. Têm como objetivo familiarizar-se com a história de vida de cada deslocado. Porém, familiarizar-se com a situação do migrante implica ação de todos, os três últimos pares de verbos versam sobre isso: a dimensão ‘envolvente’. Por isso, clamam pelo envolvimento dos próprios deslocados e a “cooperação internacional, a solidariedade global e o compromisso local”. Cada par de verbos é iluminado por um texto bíblico.


Abeirar-se. É preciso conhecer para compreender as histórias de vida. Dessa maneira, enfatiza o Papa, evitamos limitarmo-nos “à questão do seu número. Não se trata de números; trata-se de pessoas”. Apresenta-se o diálogo de Jesus com os discípulos que                 iam a caminho de Emaús como paradigma para o conhecimento e a compreensão do outro (Lc 10, 33-34). Para que isso ocorra, é necessário aproximar-se e posteriormente servir. Dois exemplos ilustram esta realidade: o samaritano, que ante um homem espancado e deixado meio morto, se enche de compaixão, se aproxima, cuida do ferido deitando vinho e azeite nas suas feridas e o leva a uma estalagem para posterior cuidado (Lc 10, 33-34). Por sua vez, num gesto de humilde serviço, Jesus põe-se de joelho a fim de lavar os pés dos discípulos (Jo 13, 1-15). Mas, abeirar-se, adverte o Papa, implica “estar dispostos a correr riscos, como muitos médicos e enfermeiros nos ensinaram nos últimos meses”. Ao mesmo tempo ajuda-nos a vencer os “receios e os preconceitos” que, com frequência, nos “mantêm afastados dos outros, para os servir com amor”. Graças a isso, consegue-se reconciliar-se e, para que a dita reconciliação tenha lugar, é preciso escutar. Deus escuta e responde às aflições da humanidade, enviando o seu próprio Filho (Jo 3, 16.17). O silêncio a que se assiste nesses meses, afirma o Papa, pode servir de “ocasião para ouvir o clamor dos mais vulneráveis, dos deslocados” e reconciliar-nos “com tantas pessoas descartadas, connosco, e com Deus”.


Envolver todos. A experiência da reconciliação leva-nos acrescerpor dentro e a partilhar bens, talentos e tempo. No entanto, isto implica coenvolverepromover, colaborar e construir. A partilha foi “um dos elementos basilares” da primeira comunidade cristã (At 4, 32). Por isso, cresceram juntos sem “deixar ninguém de fora”. Na realidade, nisto consiste promover e coenvolver: tornar as pessoas “protagonistas da sua promoção”. Ao fazer isso, sublinha o Papa, nascem “novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade”. Assim o fez Jesus com a mulher samaritana, ao “torná-la anunciadora da Boa Nova” (Jo 4, 1-30). O último par de verbos é a expressão máxima da dimensão ‘envolvente’, na medida em que incita ao compromisso de todos.


De acordo com o Papa, a resposta ao drama das PDI implica colaborarpara melhor construir. Mas, adverte, “sem nos deixarmos tentar por invejas, discórdias e divisões”. Em seguida o Papa reitera que “este não é tempo para egoísmos”, mas sim para “a cooperação internacional, a solidariedade global e o compromisso local”. A advertência do Papa encontra eco em S. Paulo, que se dirige à comunidade de Corinto, a fim de evitar divisões (1Cor 1, 10). Este exemplo, finaliza o Papa, deve-nos servir para “não deixar ninguém de fora”.


Avelino Chico, SJ