Luanda - Todos tínhamos bons motivos quando à meia-noite de 31 de Dezembro (àquele Dezembro, o mais fresco do nosso imaginário) celebrámos e lançámos cartuchos e iluminámos o céu com fogo-de-artifício. Entre celebrações mais ou menos pomposas, muitos beberam sumos ou refrigerantes, cerveja ou uma casta qualquer dos vinhos (tinto ou verde, branco ou outro qualquer), cor e graduação não importava na ocasião. Certamente outros agarraram numa taça cheia e degustaram líquidos espirituosos, puderam saborear um vintage ou libertaram para o ar jactos do espumante que os arrebatou para dimensões mais ou menos exotéricas.

Fonte: Club-k.net

Alguns tiveram a sorte de agradar a língua e depois de apreciados enviaram faringe abaixo verdadeiros nectares. Desde aprazíveis manjares dos anjos a melodiosa deglutinação das iguarias dos deuses – vultos para estômagos desventuradamente a roer e panças simplesmente vazias, bocas clamorosamente carentes e faltas de tudo, desertas ou nem por isso abastadas - mesas fartas e muito bem compostas, cada um teve a sua ocasião e o seu momento de iluminação do espírito e alimentou o seu interior com feixes de alegria de contornos mais hedonistas ou epicuristas.


Era um daqueles dias em que todos tivemos quase total liberdade de escolher. Ninguém imaginava que a liberdade de todas pessoas, famílias, comunidades, nações e estados estava a escassos dias de ser capturada e prostrada pelo marasmo de uma sorte anunciada. Nenhuma previsão cientificamente melhor alicerçada surpreenderia a força do fenómeno que implodiu os nossos modos modelos e estilos de vida. O paradigma do mundo liberal e de todos outros modelos que coexistem e subsistem no lar do homem e dos seus co-herdeiros das outras espécies, esbateu em instantes. Agora, o espírito de qualquer alma mediana confronta-se e debate-se com as questões existenciais como nunca no que respeita às gerações contemporâneas. A verdade é que por estes dias, raras são as almas (medianas) de “homem” que não soçobraram nas linhas que ligam o subconsciente ao consciente. As interacções uns com os outros (dentro da espécie) complicaram-se. Impelidos com estrondo do poder invisível a vista desarmada, por uns tempos nos esquecemos das questões ambientais. A natureza grita agora aos ouvidos de todos com força paralisante. Instante após instante e segundo após segundo o ar que não desejamos mas de que, desesperadamente, a nossa natureza precisa de se apropriar, aquele que contém o oxigénio que nos fez viver, que nos move e nos mantém vivos passou para o controle de um agente belicoso e invisível.

E, agora?

Tudo que a ciência humana conquistou, tudo, é agora objecto de particular desejo e da mais afeiçoada aspiração como fonte utilitária ao alcance dos líderes mundiais. Reluz o foco nas soluções conjunturais da ciência e destacam- se agora os seus mandamentos qual escudo dos soldados da idade média. Quanto tempo temos que esperar e até que ponto nos vai acudir? Regras, regras mais regras a ameaça permanece e angústia dilacera vidas minuto após minuto. Divisões nas estratégias de combate ao inimigo comum e impiedoso não são bem-vindas. O momento é implacável e desaconselha hesitações nicho da desunião. Nas ideias e nas visões o consenso é vital como na abordagem prática dos desafios. Queiramos ou não, deslizes oferecidos por divergências ou discórdias fúteis são um aliado do inimigo comum da humanidade. O que fazemos agora pode nos proteger ou pode projectar-se para o futuro e nos afectar quando menos esperarmos. Os mais fracos nas suas fraquezas, os mais fortes nos seus fortes.


É um fim de ciclo! O que aparece em grande plano e se pode vislumbrar na tela do tempo e dos acontecimentos, o evento que se desenrolou perante os nossos olhos e que agora comanda as prioridades de todos, marca o fim de um período temporal e encerra no passado quase todas realidades que lhe deram forma e expressão. Não sabemos o que aí vem mas, a noção de até onde podemos vaticinar o futuro (há muito) nada de idílico augura. No horizonte minguaram muitos dos feixes da luz que fazia inflectir no curto e no médio prazo as pulsões mais pessimistas. A final, optimismo e esperança dos imediatismos podem ser mais efémeros do que a vida de uma borboleta. O mundo é dinâmico, está em constante transformação e se renova para o conforto ou para adversidade ao ritmo das leis da natureza. A fada do futuro assim passou a chamar-se porque dizia que o passado caiu-lhe das mãos quebrou-se e não podia reconstituí-lo; o presente a asfixiava porque todos ao mesmo tempo lhe rodeavam em busca de sorte promissora e boa. Felizmente, porque a varinha da fada mágica podia atrair o futuro tornando-o consumptível ela era amada por toda alma que contemplava a silhueta.


Tito Silva