Luanda - A inflação é a subida generalizada de preços, havendo na teoria económica diferentes maneiras de lhe dar o adequado tratamento. Assim, os neoliberais, maioritariamente sedeados nos países ricos vêm a inflação como o inimigo número um, que tem de ser abatido a todo o custo, e nesse sentido consideram que quanto menor for a taxa de inflação, tanto melhor, sendo o ideal a inflação zero, podendo, contudo, aceitar no máximo uma taxa muito baixa com um único algarismo.

Fonte: JA

Consideram mesmo, que a inflação é uma fonte oculta de imposto, que de forma injusta rouba às pessoas rendimento obtido com muito esforço.


Os neoliberais também defendem que a inflação é má para o desenvolvimento económico e a grande maioria deles preconiza que quanto mais baixa for a taxa de inflação de um país, maior poderá vir a ser o seu crescimento económico, apresentando o seguinte raciocínio: o investimento é essencial para o crescimento; os investidores não gostam de incerteza, por isso há que manter a economia estável, o que significa manter os preços sem variação; deste modo, a inflação baixa é uma condição básica para o investimento e o crescimento.


Os economistas neoliberais afirmam que existem duas coisas fundamentais para atingir uma inflação baixa: Em primeiro lugar tem que haver disciplina monetária e, nesse sentido o banco central não deve aumentar a oferta de moeda acima do que é estritamente necessário para sustentar o crescimento real da economia.


Em segundo lugar, deve haver prudência financeira, no sentido que nenhum governo deve viver além das suas possibilidades. Para alcançar a disciplina monetária o Banco Central, que controla a emissão de moeda, deve ser levado a procurar garantir única e exclusivamente, a estabilidade de preços.


Os neoliberais, para além da disciplina monetária, têm dado bastante relevo, enfatizando mesmo, a importância da prudência orçamental e nesse sentido, a menos que o governo viva dentro das suas possibilidades, os défices orçamentais resultantes causarão inflação ao criarem mais procura do que aquilo que a economia pode suportar.


È hoje ponto assente na nossa época, com uma das máximas económicas mais aceites, que a inflação é má para o crescimento.


Porém há exemplos de casos ocorridos em países em que tal não aconteceu assim : No Brasil, durante as décadas de 1960 e 1970 a taxa média de inflação foi de 42% ao ano. Mas apesar disso o Brasil foi das economias que mais cresceu no mundo nessas duas décadas, tendo o seu rendimento per capita crescido 4,5% ao ano durante esse período.


Entretanto e contrastando com o período em que o Brasil adoptou a ortodoxia neoliberal, entre 1996 e 2005 , em particular no que se refere à política macroeconómica, a taxa de inflação média foi muito menor, atingindo 7,1% ao ano. Apesar disso, durante esse período, o rendimento per capita do Brasil cresceu apenas 1,3% ao ano. Nem toda a inflação é boa, pois que uma subida rápida dos preços destrói a possibilidade de cálculo económico racional. Esse tipo de inflação torna o planeamento de longo prazo impossível e sem que haja um horizonte temporal razoavelmente longo torna-se impossível tomar decisões de investimento racionais. Ora sem um investimento robusto, o crescimento económico torna-se dificílimo.


Há uma diferença grande entre o reconhecimento da natureza destrutiva da hiperinflação e o argumento que a melhor taxa de inflação é a menor.


Para além do mais, no argumento neoliberal a estabilidade económica é conotada de forma errada com a estabilidade dos preços. A estabilidade dos preços é, naturalmente uma parte importante da estabilidade económica global, mas a estabilidade de produção e do emprego também são importantes.


Assim sendo, se definirmos a estabilidade económica de forma mais abrangente, não se pode dizer que a politica macroeconómica neoliberal tenha tido êxito, nem sequer na sua auto proclamada meta de alcançar a estabilidade económica nas duas últimas décadas e meia, pois que a instabilidade da produção e do emprego têm efectivamente aumentado durante esse período.


Os exemplos de alguns países como o Brasil, a Coreia do Sul e outros revelam que a taxa de inflação não tem que situar-se entre 1 % a 3%, como entendiam a maior parte dos neoliberais, para que uma economia tenha bom desempenho.


Como dizia o prof. Chang, nas suas prelecções, há inflação e inflação. E nesse sentido, a inflação alta é prejudicial, mas a inflação moderada, de até 40%, não só não é necessariamente prejudicial, como pode até ser compatível com um crescimento rápido e a criação de emprego.


Pode-se até afirmar que algum grau de inflação é inevitável numa economia que se pretende ser dinâmica. No actual contexto de crise económica em Angola, que se prevê ser duradoira, provocada pela pandemia da Covid-19 e agravada pela contínua baixa dos preços de petróleo, o governo terá necessariamente de criar estratégias alternativas para fazer face à difícil situação que enfrenta desde já , em que a economia está paralisada, as empresas em estado de falência aguda e sem liquidez para pagar salários, e com uma volumosa dívida pública.


Nesse sentido poderá, temporariamente, ter de recorrer ao financiamento inflacionista que não deverá, em qualquer caso, ter longa duração, o que significa, que não deverá perpetuar-se.


Para tal seria prudente escutar a opinião da sociedade civil, no seu todo, incluindo, de técnicos de maior capacidade profissional, sob uma coordenação eficiente e dinâmica. Nesse sentido, é de louvar a todos os títulos, as contribuições que vêm sendo dadas por algumas entidades, como o Centro de Estudos Internacional da Universidade Católica e outras, que vêm surgindo nas redes sociais, com propostas susceptíveis de discussão frutuosa e com elementos que podem ajudar a criar estratégias alternativas para a saída da crise em que o país se encontra mergulhado.


Os preços variam porque a economia se transforma, pelo que é natural que os preços subam numa economia em que inúmeras actividades novas criam mais procura.

 

Contrapondo estas opiniões, os neoliberais argumentam que, moderada ou não, toda a inflação é questionável, porque prejudica especialmente as pessoas com rendimentos fixos, nomeadamente os assalariados e os pensionistas, que são grupos vulneráveis da população.


Uma inflação mais baixa pode garantir uma melhor protecção aos salários que os trabalhadores já auferem, mas as políticas necessárias para gerar esse resultado podem reduzir o rendimento potencial dos trabalhadores no futuro.


Com efeito, as políticas monetárias e fiscal rigorosas e exigentes, que procuram reduzir a inflação, em especial, quando o objectivo é o de atingir um nível baixo, tendem a reduzir o nível de actividade económica, o que, por sua vez irá reduzir a procura de trabalho e, assim, aumentar o desemprego e reduzir salários.


Um controlo muito apertado e exigente da inflação constitui uma espada de dois gumes para os trabalhadores, visto que protege melhor os seus rendimentos actuais, mas reduz os seus rendimentos futuros. Os pensionistas e outros agentes económicos, incluindo o sector económico, de forma muito significativa, cujos rendimentos resultam de activos financeiros com retornos fixos, é que consideram uma bênção a redução da inflação.


Os neoliberais continuam a insistir na questão de que a inflação prejudica as pessoas, em geral, mas essa retórica populista, obscurece o facto de as políticas necessárias para gerar a inflação baixa podem reduzir os ganhos futuros da maior parte das pessoas que trabalham, reduzindo as suas perspectivas em termo de empregos e salários.


Uma política monetária muito restritiva reduz o investimento e, havendo menos investimento desacelera o crescimento e a criação de emprego, o que constitui um verdadeiro desastre para os países em desenvolvimento, que precisam, desesperadamente de mais rendimento e emprego e, até, muitas vezes estão tentando resolver o problema complexo da desigualdade distributiva sem recorrer a um programa de redistribuição em grande escala, que, de qualquer forma, poderia criar mais problemas do que aqueles que resolve.


Entretanto, e, contrariamente ao que acontece aos países pobres, para os países ricos pode não tratar-se de um problema grave, pois que estes têm níveis de vida elevados, um estado de bem-estar generoso e pobreza reduzida.


Tendo em linha de conta os custos de uma política monetária restritiva, não é prudente conceder independência ao Banco Central com o objectivo único de controlar a inflação, sendo por isso a última coisa que um país em desenvolvimento deve fazer, visto que isso irá consolidar institucionalmente a política macro económica monetarista, que é, particularmente desadequada para países em desenvolvimento.


Isto é especialmente verdade, na medida em que não há nenhuma evidência clara de que uma maior independência do Banco Central reduza a taxa de inflação nos países em desenvolvimento e, muito menos que contribua para alcançar outros objectivos desejáveis, como maior crescimento e menor desemprego.


Com efeito, dando maior ênfase à questão, não há nenhuma evidência de que uma maior independência do Banco Central tenha qualquer associação com inflação mais baixa, maior crescimento, mais emprego, melhor equilíbrio do Orçamento de Estado ou mesmo maior estabilidade financeira nos países em desenvolvimento.

*Antigo ministro das Finanças e ex-governador do Banco Nacional de Angola