Luanda - A saída do Presidente José Eduardo dos Santos (JES) do Poder, em 2017, deu origem a alteração parcial da conjuntura interna e externa do País. Porque, o processo da transformação interna da sociedade angolana não conheceu alterações profundas em termos da despartidarização das Instituições do Estado, da má-governação, da corrupção e da pobreza extrema. Existe a indefinição da visão política (doutrina) das novas lideranças dos dois principais partidos políticos, isto é, MPLA e UNITA. Neste momento ocorre o processo da articulação interna em cada partido político, em termos da arrumação dos órgãos directivos e das estruturas intermédias e de base.
Fonte: Club-k.net
As características dos dois principais partidos políticos, embora adversos, mas são análogos, quanto à matriz ideológica. Filosoficamente, ambos partidos (MPLA/UNITA) políticos são de matriz ideológica marxista-leninista. A diferença entre si consistia no facto de que, o primeiro era da orientação ideológica russa (estalinista), e o segundo, era da inclinação ideológica chinesa – maoista. A visão do MPA era proletária, virada essencialmente para o litoral, assente na cultura crioula, da inspiração Quimbundo. Ao passo que, a visão da UNITA era de matriz rural, virada para o interior do país, assente na cultura indígena-bantu, de inspiração Umbundo.
O maior contraste entre os dois partidos políticos consistia nos dois princípios fundamentais, sendo: a UNITA defendia o “patriotismo,” e o MPLA defendia o “internacionalismo proletário.” Verás que, na definição das políticas públicas o Partido no Poder (MPLA) dá sempre destaque aos cidadãos estrangeiros em detrimento dos angolanos, que ficam classificados na segunda, terceira e quartas categorias. Ao passo que, a UNITA, na pessoa do Jonas Malheiro Savimbi, Presidente Fundador, a «Angolanidade» era a «Essência» da sua Doutrina, como constava na palavra de ordem: Primeiro – Angolano! Segundo – Angolano! Terceiro – Angolano! Angolano – Sempre!
Portanto, a caracterização sociológica e ideológica dos dois partidos políticos é fundamental, porque nos permite fazer a avaliação eficaz do grau da transformação interna desses partidos políticos e o impacto refletido sobre a sociedade angolana. Realisticamente, se olhar bem para o interior desses partidos políticos verás que algo tenha alterado. A alteração verifica-se na representatividade sociológica a nível das superestruturas, onde se procura estabelecer um certo equilíbrio étnico-cultural. Na práctica, a representatividade étnico-cultural não tem muito peso sobre o «círculo interno do poder», que vela pela tomada de decisões nucleares. Pois, estar no «órgão de direcção» do partido, como Bureau Político, não significa para já de que és parte integrante do núcleo interno do Poder, que determina o processo de «tomada- de-decisões» estratégicas.
Pela minha experiência na política, as decisões importantes que vinculam e determinam a estratégia de um partido político não são feitas em sede dos órgãos formais estabelecidos nos estatutos. Pelo contrário, são concebidas nos círculos ocultos e trazidas aos órgãos instituídos para o efeito de formalização, legitimação, legalização e execução. Há, de facto, decisões de carácter vinculativo que se tornam pertinentes na execução, mas a sua origem orgânica é oculta. Pois, o círculo interno do poder, para ser eficaz, cria núcleos activos nas células do partido, que vinculam as informações, sensibilizam os alvos e influenciam a opinião interna, para que as ideias concebidas nos círculos fechados sejam assumidas naturalmente nos Órgãos de Direcção.
Estou com dúvidas se as «bases sociais» tradicionais tenham sofridas alterações substanciais na sua composição étnico-cultural. A meu ver, por exemplo, a UNITA tem estado a ganhar o terreno no Huambo, no Bié e no Cuando-Cubango. Ao passo que, o MPLA continua forte no Bengo, no Cuanza Norte e em Malange. Politicamente, verifica-se «ilhas de influências» espalhadas pelo país, onde cada partido político busca afirmar-se e consolidar a sua implantação. É importante realçar que, a paisagem demográfica do país alterou-se bastante e regista-se maior grau de integração interétnica nos centros urbanos, sobretudo em Luanda, onde a etnia indígena Quimbundo ficou diluída e tornou-se uma ínfima minoria. O Planalto Central (Huambo e Bié), embora tenha conhecido a integração interétnica, mas o grau de assimilação e alienação sociocultural é bastante menor, e as instituições tradicionais Umbundo ainda são evidentes.
No ponto de vista ideológico, existe uma retórica doutrinária, que em substância requer uma avaliação profunda para perceber bem a visão estratégica. No caso específico do MPLA, houve uma migração ideológica, do socialismo científico, para o capitalismo selvagem, que teve como objectivo estratégico criar uma classe capitalista, capaz de exercer o monopólio financeiro e a hegemonia política. Esta estratégia está na segunda etapa, em que está-se a criar uma outra classe de novos capitalistas, enquadrando-se na mesma visão estratégica, concebida pelo antigo Presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos.
Quanto à UNITA, é difícil aferir o grau de alteração ideológica, já que, o Presidente cessante, Isaías Henrique Ngolo Samakuva, não foi sucedido em definir a sua visão política. Repare que, o Presidente Fundador, Jonas Malheiro Savimbi, foi um grande Pensador e Visionário Político, que foi capaz de fazer um diagnóstico realista da sociedade angolana, e definiu antecipadamente o ideário e as linhas mestras, que continuam bem válidas até hoje. Portanto, qualquer líder da UNITA, na época actual, terá dificuldades enormes de projectar uma Visão Política que não esteja enquadrada na perspectiva doutrinária do «Pensamento Estratégico» do Jonas Malheiro Savimbi. Neste caso particular, a postura realista seria de traduzir na práctica o Pensamento Estratégico do Jonas Savimbi e adaptá-lo à realidade concreta do País. No fundo, este é o grande desafio (na época contemporânea) de qualquer Líder da UNITA. Seja qual for, é muito cedo determinar a visão estratégica do actual Presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior.
Contudo, o surgimento na arena política angolana das duas figuras populistas, isto é, do João Manuel Gonçalves Lourenço e do Adalberto da Costa Júnior, alterou o Xadrez Político do País. Pois, verifica-se a mexida do tabuleiro político angolano. Porque neste momento regista-se a deslocação dos eixos principais dos poderes, criando novos cenários, novos actores políticos e novos espaços de disputas. O eixo principal deslocou-se praticamente para o litoral, em que a Província de Benguela vai desempenhar o papel decisivo na definição das estratégias. A Vila de Tchindjendje, a terra natal do Adalberto da Costa Júnior, embora pertencente ao Huambo, mas está mais virada para Benguela, onde está enquadrada no triângulo geoeconómico de Cubal, Balombo e Lobito, partilhando mesmo património sociocultural e histórico.
Para dizer que, o centro do poder da UNITA deslocou-se do Bié para Benguela. Isso acontece igualmente com MPLA, cujo centro do poder deslocou-se de Luanda para Benguela, a terra natal do João Lourenço. Com isso não queira dizer que, o Bié e Huambo não tenham influências dentro da actual liderança da UNITA. Pelo contrário, o Presidente Adalberto da Costa Júnior é rodeado por «Think-Tanks» (pesos pesados) do Bié e do Huambo, por exemplo: General Demóstenes Amós Chilingutila, General Eugénio Antonino Ngolo Manuvakola, General Lukamba Paulo Gato; General Abílio José Augusto Kamalata Numa e General António Manuel Urbano “Chassanha.” Sem subestimar o peso significativo que o Isaías Henrique Ngola Samakuva exerce em torno do actual Presidente da UNITA. Repare que, o Isaías Samakuva ainda desempenha o papel muito importante de galvanizar as vontades políticas, de unir e de manter a coesão interna do Partido entre dois polos: Huambo e Bié.
No caso do MPLA é místico, sem saber com exactidão quais são os «barões históricos» que rodeiam o Palácio Presidencial da Cidade Alta. Fala-se de alguns nomes, como do Lopo Fortunato Ferreira do Nascimento, Marcolino José Carlos Moco, Manuel Domingos Vicente, Joaquim Duarte da Costa David, etc. Porém, é bastante difícil confirmar a veracidade destes dados por facto de existir um clima bastante desagradável e conflituoso no seio deste Partido. O que está assente é o surgimento de «Quadros Jovens» que estão ocupar cargos importantes a nível do Aparelho Central e dos Governos Provinciais. Esta tendência (de Quadros Jovens) observa-se igualmente na UNITA. Antes de proceder para diante convinha sublinhar que, no ponto de vista demográfico mais de dois terço da população de Angola está concentrada ao longo da costa atlântica, nos grandes centros urbanos de Luanda, Benguela e Huila. Este aspecto populacional constitui um dos factor-chaves que vai orientar e equacionar a formulação das estratégias eleitorais dos dois principais partidos históricos.
Queira Chamar atenção especial a um pormenor que devem merecer a atenção dos académicos e dos analistas políticos, mas sem qualquer tabu. No ponto de vista sociológico, o MPLA era dominado pelos assimilados, inspirado pela «cultura luso-brasileira», tendo o suporte inestimável da comunidade branca e mestiça. A UNITA era diabolizada como sendo racista, anti mulatos, anti brancos, matumbo, atrasada e selvagem. Só que, este sofisma, que sempre pairou sobre a UNITA, agora evaporou-se com o surgimento do Adalberto da Costa Júnior e a presença de quadros intelectuais bem equipados e altamente esclarecidos. Isso acontece na altura em que, a comunidade mestiça, que detém mais de dois terços do capital financeiro angolano caiu em desgraça, e tornou-se o bode expiatório da suposta luta contra a corrupção. Não é por acaso que recentemente uma Deputada da UNITA, bem destacada, tinha feito o convite à Senhora Isabel dos Santos para juntar-se ao Galo Negro.
Nesta linha de pensamento, importa notar que na economia do mercado, do sistema capitalista, o poder político está na dependência dos detentores de capitais. Neste respeito, vale dizer que, a economia angolana, de grosso modo, é dominada pelo núcleo de capitalistas da Ala do JES, sob a liderança da Isabel dos Santos. O que quer dizer que, começa a desenhar-se a constelação de forças políticas em Angola, que visa as Eleições Gerais de 2022. É dentro desta estratégia em que o Abel Epalanga Chivukuvuku surgem como «terceira via», que se coloca entre os dois partidos históricos, quebrando assim a bipolarização da arena política angolana, que prevaleceu desde a desintegração da FNLA.
Nesta óptica, existe uma camada social, bastante vasta, que não se inclina aos dois partidos políticos. No alinhamento das forças vivas da sociedade tem havido uma tendência crescente de aderência significativa à «terceira via», tendo uma visão política muito diferente dos dois partidos históricos. Quanto à figura do Abel Epalanga Chivukuvuku dá-se entender que existe o entendimento tácito entre os dois partidos históricos, que visa particularmente afastá-lo do xadrez político angolano, para dividir entre si o espólio. Na verdade, a política é o jogo de cálculos e de realismo, que requer medir bem os passos e avaliar justamente as vantagens e as desvantagens.
Todavia, neste enredo do afastamento descarado do Abel Epalanga Chivukuvuku os dois partidos históricos estão envolvidos na conspiração política, que viola os princípios democráticos da cidadania, da liberdade, da igualdade, da justiça social, da transparência, da ética, da moral e da autodeterminação. Este último, o princípio da autodeterminação, confere ao povo o direito político, jurídico e legal de escolher livremente o seu estatuto político, o seu sistema governativo, os seus órgãos de soberania, a sua autoridade pública e a sua liderança política. Estes princípios acima sublinhados estão plasmados na Constituição da República de Angola e constituem a base fundamental da democracia plural.
Repare que, o MANIFESTO do Muangai (Ideário da UNITA) assentava basicamente no princípio fundamental da “AUTO-DETERMINAÇÃO,” como condição sine qua non para a conquista da liberdade, da igualdade, da justiça e do progresso. Nesta senda, cada cidadão, não obstante o seu estatuto social, genro, étnico, racial, geográfico, credo, etc., tem pleno direito de votar e de ser votado ao Cargo Mais Alto do Estado. Pois, na democracia plural o cidadão é um sujeito mais activo e mais dinâmico na escolha e no exercício da autoridade pública. Portanto, quem violar este princípio sublime da democracia pluralista deixa de ser democrata, e passa a ser autoritário, ditatorial e tirânico. Pois, as democracias modernas são cada vez mais veiculadas pela cidadania, assente na iniciativa dos cidadãos, fora dos palcos políticos tradicionais. Os «cidadãos conscientes», no contexto do Direito, estruturam-se em Movimentos de Cidadãos, galvanizando a opinião pública com vista a alterar a conjuntura interna de momento.
Importa sublinhar que, foi através de Movimentos de carácter cívicos em que surgira o actual Presidente da França, Emmanuel Mácron, que derrotou todos os partidos tradicionais. Interessa igualmente fazer menção ao Primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, que derrubou todos os grandes partidos da Grécia; O outro exemplo de relevo é do actual Chanceler da Áustria, Sebastian Kurz, que ganhou a popularidade sem precedente. O Presidente Donald Trump (apesar de ser controverso) surgira na cena política norte- americana na qualidade de empresário, que antes financiava diversos candidatos dos dois Partidos: Republicano e Democrata. Vale dizer que, a democracia europeia assenta-se na pluralidade político-partidária, que se manifesta através do surgimento constante de novas correntes políticas que alteram o quadro tradicional e dinamizam as diversas correntes de opiniões e de grupos de interesses, dentro da paisagem sociocultural da Europa.
Em suma, a essência desta reflexão é para avaliar a conjuntura interna do país, no rescaldo do reinado longevo do Presidente José Eduardo dos Santos e perspectivar, a curto prazo, o cenário político angolano. Nesta lógica, constata-se que, pouco tenha alterado em termos da despartidarização das Instituições do Estado, da má-governação, da corrupção e dos níveis elevadíssimos da pobreza. O regime político mante-se inalterado: partidarizado, centralizado e unipessoal. O país entrou na crise económica e social muito profunda e devastadora. Constata-se uma certa abertura da sociedade e a liberalização relativa da imprensa.
Em contrapartida, a jurisprudência dos tribunais superiores está altamente politizada e partidarizada, actuando como instrumento político para afastar da arena política as figuras mais proeminentes e representativas, como o caso concreto do Abel Epalanga Chivukuvuku. Verifica-se a deslocação dos eixos de disputas políticas para a Província de Benguela. Ocorre a redefinição de estratégias e a mexida do tabuleiro político angolano. Existe aproximação entre os dois principais partidos políticos, afirmando entendimentos tácitos nas questões fulcrais que tem a ver com os seus interesses partidários. Mesmo quando isso viola em flagrante os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
A UNITA revela estar internamente serena, estável, segura e coesa. Ao passo que, o MPLA vive momentos dramáticos de divisão, de incerteza e de antagonismo. Por este motivo é bem provável que, nas eleições gerais de 2022, surgir dois candidatos no seio do MPLA, como aconteceu na SWAPO, na Namíbia, nas eleições presidenciais de 2019. Aliás, em 2022 o cenário político angolano será muito delicado e complexo, caracterizado pela constelação de forças; pelo surgimento de novas peças no xadrez político; pela gestão bastante delicada do processo eleitoral; pelo reposicionamento da comunidade mestiça e branca; pelo engajamento evidente da Igreja na defesa da cidadania e da boa governação; pela ampliação do espaço e do papel das redes sociais; pela consciencialização mais profunda da sociedade; e sobretudo, pelo protagonismo político da classe capitalista. Este é o quadro real que vai-se desenhar gradualmente daqui para diante, até 2022. Aproveito, por esta via, expressar o meu profundo pesar pelo passamento físico do Bispo Emérito Dom Óscar Braga, ocorrido ontem na Cidade de Benguela. Sua Alma Repouse em Paz!
Dizia um filósofo: «O Poder é material e constrói-se sistematicamente. É imperativo fazer alianças construtivas para erguer e consolidar o Poder, agregar toda gente e serenar o ambiente social. Na fase embrionária do poder deve evitar abrir inúmeras frentes hostis».
Luanda, 27 de Maio de 2020.