Moçâmedes - A aprovação das licitações dos blocos petrolíferos feitas pelo governo da República de Angola para a exploração offshore nas bacias do mar do Namibe, tem constituído objecto de acirradas confrontações ao nível de várias sensibilidades locais e nacionais.

Fonte: Club-k.net

No entanto, se por um lado afiguram-se legítimas as posições daqueles que defendem o exercício desta actividade na bacia do mar do Namibe, por outro lado, não menos verdadeiras são as posições contrárias, contando que neste agora nos encontramos diante de um tremendo conflito entre valor e necessidade, o que exige de certo modo uma posição prudente e estratégica que optimize os interesses em jogo.

 

Esta quezila, imposta pela dialéctica do valor e necessidade, exige antes de tudo que se situe o Namibe e o seu perfil sócioeconómico no contexto do país e o peso que a actividade pesqueira representa na balança económica da província.

 

A província do Namibe tem uma linha de fronteira marítima atlântica de cerca de 480 Km, com características costeiras e com uma plataforma continental que favorecem a prática da pesca, com um clima considerado como o melhor de todos na costa litoral de Angola. A zona piscatória do Namibe é a mais importante do país, representando 65% de toda a actividade pesqueira. O peixe abunda na costa da província, sendo presentemente a principal actividade económica da região e que é exercida por comunidades piscatórias sem o nível médio concluído, portanto com um nível de escolaridade baixo e exercida maioritariamente por jovens.

 

Saiba-se que o petróleo representa mais de 60% das receitas do país e mais 90% na balança das nossas exportações, constituindo-se assim como uma matéria estratégica para a dinâmica funcional do sector económico nacional. Na verdade, nesta era em que vivemos marcada primeiramente pelos momentos áureos da nossa economia, quando o petróleo custava mais de USD 100 no mercado internacional e a crise económica, imposta pela COVID 19 que reduziu o consumo e a procura desta commodity e inundou o mercado internacional, acabam por nos dar uma perspectiva clara das prioridades das nossas escolhas e a urgência dos sectores em que executivo deve potenciar.

 

Pelo que se nos deu a saber, pelo menos a partir do encontro do Presidente da República com a Sociedade Civil, face a situação relativa ao petróleo no mercado internacional, apostar no incremento desta actividade, não é só inoportuna e contraproducente, mas também não recomendável, tal como se referiu o presidente na sua intervenção e citamos: “o petróleo financiou e promeu o surgimento de economias florescentes e pujantes, nascidas das areias do deserto, por um lado, mas por outro lado este mesmo petróleo se tornou num entorpecente que fez adormecer certos países(o caso de Angola), na ilusão de que as receitas do petróleo compram tudo. Bens e serviços de fora a preço mais baratos, A exploração do petróleo na bacia do mar do  Namibe - Francisco  TchingaluleA exploração do petróleo na bacia do mar do  Namibe - Francisco  Tchingaluleestagnando assim suas economias”. Esta foi a tónica dominante vertente explícita e implicitamente em quase todas as intervenções, pois ela reflecte em pleno a realidade Angolana.

 

Diante deste dilema resta apenas uma saída, se não o investimento no sector não petrolífero, da qual a pesca a par da agricultura se afiguram com fundamentais, não só porque contribuem para a segurança alimentar, mas sobretudo porque proporciona maior número de empregos, quais vias para o desenvolvimento de qualquer nação.

 

Situar a actividade da exploração petrolífera na bacia do Namibe, não só contraria a lógica de uma projecção de sustentabilidade económica, mas também periga o incremento de um sector vital para a estabilidade das famílias nesta região e no país, dado o valor que ele representa.

 

Como de resto tem sido nosso apanágio, o exercício da actividade de exploração petrolífera traz consigo muitos riscos associados, cujas consequências incidem directamente na qualidade de vida das pessoas e do seu modus vivendi, bem como no estado das espécies que compõem a fauna marinha e consequentemente afeta de forma directa os que fazem da actividade da pesca o meio de subsistência e trabalho. Mais do que isso, está o facto de que a actividade de exploração petrolífera exige uma força de trabalho altamente qualificada e esta exigência contrasta diametralmente ao perfil socioeconómico da maior parte da população costeira, propiciando assim, um fosso graudo e um campo aberto de fomento das assimetrias e integração social das camadas mais vulneráveis.

 

Esta visão monolítica da petrodependência, deixa sem substância a ingente tarefa da diversificação económica e o do alargamento da nossa base tributária, concretizadas através da dinamização do sector não petrolífero, da produção interna e do valor que representa no PIB. Pois, como bem referiu o presidente da República, “só há uma opção a seguir, a do investimento privado na produção interna de forma diversificada, privilegiando todos os ramos da economia não petrolífera. Apenas a agricultura e as pescas... garantem efectivamente a segurança alimentar, o emprego sustentável e a oferta de bens essenciais às populações”.

 

Neste entretanto, o executivo coloca-se aqui numa posição no qual lhe é imputado o ónus da opção estratégica, assente numa lógica de exclusão de uma das vias, porque optando pelas duas, abre precedentes para o questionamento da credibilidade das suas políticas económicas viradas para o desenvolvimento sustentável.

Moçâmedes, aos 29 de Maio de 2020