Luanda - Ao celebrarmos o 57o aniversário do Dia de África, gostaria de fazer algumas reflexões acerca das cifras actuais da imigração africana. Refiro-me ao movimento de migrantes, contemplado a partir do país de destino. Entre o século XVI e o século XVIII, estes fluxos não eram tão homogéneos, e eram protagonizados por migrantes europeus que se destinavam às terras do ‘Novo Mundo’ de África, Ásia e Américas. Durante os séculos XIX e XX, juntam-se aos europeus os emigrantes africanos, asiáticos e americanos.

Fonte: Club-k.net

Estes dirigiam-se aos países industrializados e às antigas metrópoles. Mais que individuais, estes fluxos envolviam famílias inteiras, e migravam para satisfazer as necessidades básicas e assegurar as condições existenciais. E mais, buscavam destinos que lhes permitiam preservar os vínculos originários: os cristãos ou muçulmanos dirigiam-se aos países onde estivesse presente a sua religião. As relações estabelecidas através da religião, língua e passado colonial serviam de critério na busca de destino. No entanto, nos dias de hoje, as migrações são mais individuais, protagonizadas por jovens, bem como ‘horizontais’. As ‘migrações horizontais’ são as que se dirigem aos países da região e mais próximos. Este perfil de ‘migração horizontal’ está mais vinculado aos migrantes da África Subsaariana. A ‘migração vertical’ configura o perfil dos migrantes do Magrebe: 90% emigra para os países da União Europeia (UE), sobretudo França, Itália e Espanha.

 

Números. Global. O último relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) indica que existem 272 milhões de migrantes internacionais. Esta cifra corresponde a 3,5% da população global. Cerca de 84 milhões destes indivíduos estão estabelecidos na Ásia e 82 milhões na Europa. Em termos práticos, EUA figuram como principal país de destino (51 milhões), seguido da Alemanha (13,1 milhões). Em relação às nações de origem, 112 milhões (40%) procede de países asiáticos (Índia, China, Bangladesh, Paquistão e Afeganistão). No entanto, o número de migrantes internacionais (272 milhões) é inferior ao número de pessoas que permanecem no país de origem. Trata-se de 763 milhões de migrantes que não atravessaram as fronteiras internacionais.

 

Números. África. África acolhe 10% dos migrantes internacionais. Por isso, trata-se antes de um continente emissor de migrantes. Porém, os países africanos variam de emissor a receptor, e de receptor a mero trânsito ou corredor. Os tradicionais receptores de migrantes são: Costa de Marfim, Gabão, Botsuana e África do Sul. Os tradicionais emissores ou ‘exportadores’ são: Burkina Faso, Lesoto, Angola e Moçambique. Existem países que são emissores e receptores, ao mesmo tempo: Senegal, Nigéria e Gana. Há outros que se converteram em emissores depois de sofrerem instabilidade política e económica: Uganda, Zâmbia e Zimbabwe. Também existem os que gozam de ‘saúde’ económica, mas que foram sempre emissores de mão-de-obra qualificada: Nigéria, Gana, Quénia e África do Sul. Este último, junto com Botswana, Namíbia e Angola, destacam-se em desenhar políticas de imigração selectivas, pois não pretendem outra coisa que não seja atrair capital humano qualificado. O binómio imigração e desenvolvimento perfila-se nessas políticas. Finalmente, há países que servem de corredor para terceiros países: Burkina Faso - Costa de Marfim, Zimbabwe - África do Sul, Uganda – Quénia, Moçambique - África do Sul e RDC - Angola. Mais que corredores, outros são tipicamente lugares de trânsito, sobretudo dos migrantes da África Subsaariana: Argélia, Líbia, Marrocos e Tunísia. Não menos importante: existem países que são de maneira cumulativa ‘produtores’, ‘consumidores’ (destinos) e ‘exportadores’ de refugiados. Estes são: Burundi, Etiópia, Libéria, República Democrática do Congo (RDC), Ruanda, Somália, Sudão e Sudão do Sul.

 

Inferência a partir das estatísticas. Primeiro, a imigração africana aparece nas agendas de várias formações políticas europeias. Nessas agendas perfila-se a sensação crescente de invasão dos imigrantes africanos ao velho continente. Mas, as estatísticas mostram que 53% dos migrantes internacionais africanos permanecem no continente. Em concreto, 21 milhões de migrantes africanos residem num outro país africano. África do Sul figura como o principal destino, e acolhe cerca de 4 milhões de imigrantes. Os que emigraram para fora do continente são à volta de 18 milhões: 10,6 milhões na Europa, 4,6 milhões na Ásia e 3,2 milhões nos EUA (OIM, 2020). E mais, o incremento da população migrante dentro do continente tem contribuído no crescimento da população dos países recetores.

 

Segundo, 80% dos emigrantes africanos que migram para a União Europeia (UE) cumprem os requisitos de entrada. Além disso, as cifras desses imigrantes tem decrescido: em 2008 eram 442.000, em 2016 reduziram para 288.000, em 2017 subiram para 420.000 (Bjarnesen, 2020). Apesar de muitos terminarem por se converter em migrantes irregulares, na medida em que permanecem mais do que o tempo determinado, apenas 20% migram de maneira irregular, passando pelo Mediterrâneo. Essa situação estende-se às três razões que fomentam as migrações internacionais. Geralmente tem a ver com a busca de trabalho, estudos, e reunificação familiar. No caso dos imigrantes africanos, a atribuição de residência na UE está associada à reunificação familiar. De 2011 a 2017, a UE atribuiu 980.475 autorizações aos imigrantes do Magrebe e 472.597 aos imigrantes oriundos da África Ocidental. Em relação a estes últimos, 59% das autorizações devem-se ao reagrupamento familiar. A cifra sobe para 73% no respeitante aos imigrantes do Magrebe (EUROSTAT, 2019a). Assim, os factores que propiciam aos africanos migrarem para a UE são: primeiro, reunificação familiar; segundo, estudos; e terceiro, trabalho.

 

 

Terceiro, a mobilidade a nível do continente é facilitada pelas iniciativas dos blocos de integração regional. No entanto, os países da CEDEAO são os únicos que têm o protocolo sobre a supressão de visto, direito de residência e de estabelecimento (Protocolo A/P.1/5/79) que funciona de maneira efectiva. O protocolo contempla a criação de certificado de viagem, passaporte internacional, seguro automóvel (Brown Card), companhia aérea (Virgin Nigeria e Arik), taxa aduaneira comum (TEC- CEDEAO), zona de comércio livre (ZEL) e eliminação de controlos fronteiriços. Também concerne à construção de estruturas de transporte marítimo, rodoviário, ferroviário e aéreo (ECOAIR) que unirá os 15 Estados membros. Para os cidadãos não comunitários foi criado ECOVISA (visto Schengen) que lhes permite circular no interior da CEDEAO.

 

 

No entanto, isso não se verifica em outros blocos regionais. Os Estados da África Central (CEMAC) adoptaram medidas de circulação de pessoas em 2017. Mas, o Gabão e a República do Congo exigem aos cidadãos comunitários passaporte electrónico. 

 


Os países da África Oriental (EAC) aprovaram um acordo de supressão de visto. Contudo, exigem passaporte válido, não basta qualquer documento de identificação. Os Estados da África Austral (SADC) preferem acordos bilaterais. Angola e África do Sul sempre vetaram iniciativas de livre circulação de pessoas e abolição de visto. A última tentativa ocorreu em 2005. Finalmente, os Estados do Magrebe (UMA) têm a situação mais complicada. Os acordos de integração regional nunca funcionaram. A tensão política entre Marrocos e a Argélia, assim como entre a Líbia e a Mauritânia, não permitiu que se fizessem grandes avanços. Daí que 90% dos migrantes do Magrebe emigram para a Europa.

 

União Africana (UA). Regista-se um crescente fluxo de migração interna. Alguns desses migrantes são cidadãos comunitários. Por exemplo, 68,3% dos estrangeiros que se estabeleceram no Gana procedem da CEDEAO. E mais, a Nigéria acolhe 74% e a Costa de Marfim 70%, sendo 59,5% constituídos por burquinabês. Essa mobilidade a nível de África acontece ao mesmo tempo que existem profundos obstáculos administrativos para migrar de um país para outro, incluindo em regiões onde vigora acordo de supressão de visto. Um total de 51% de países africanos demandam visto de entrada antes de chegarem ao destino. Por sua vez, 24% exigem-no no momento da chegada (aeroportos e postos fronteiriços). Apenas 25% não exigem visto de entrada. Benim e Seychelles destacam-se por serem os únicos países que dispensam os demais africanos de serem portadores de visto de entrada. Considerando a pretendida integração continental que auguramos desde 1963, ninguém pode ser tratado por imigrante ‘ilegal’ num continente onde nasceu e onde repousam os restos dos seus antepassados. Os ataques xenófobos e os fluxos clandestinos, que só alimentam as mafias, poderiam ser evitados se o Protocolo da UA sobre a livre circulação de pessoas fosse implementado. Para além disso, somos um povo que temos muito em comum: cultura humana, relações históricas e proximidade geográfica.

 


Por isso, urge fomentar quatro liberdades: liberdade de circulação de pessoas, de bens, de serviços e de capitais. A primeira liberdade parece ganhar tentáculos com a criação do passaporte unificado. Na 26a Cimeira, realizada em Kigali, os presidentes Paul Kagame e Idris Deby foram os primeiros agraciados. A medida será extensiva a todos os africanos a fim de se realizar o sonho da abolição de visto e livre circulação de pessoas. As demais liberdades ganharão maior ímpeto com a entrada em vigor do Acordo de livre comércio. Inicialmente previsto para o mês de Julho, a entrada em vigor do acordo foi adiada para 2021. Essas iniciativas são respaldadas pela Agenda 2063. Sobre o passaporte africano, a Agenda determina que a sua emissão surge para capitalizar a migração global e abolir “os requisitos de visto para todos os cidadãos africanos em todos os países africanos até 2018”. Mas, em África o evento é que traz o tempo à existência e, uma vez que o evento tenha ocorrido, ele assume caraterísticas do presente (John Mbiti). Daí que o fracasso da implementação dessa medida não parece preocupar os estadistas africanos. Estes, parecem mais preocupados com as remessas, posto que constituem a maior fonte de divisas dos países africanos. Para o maior aproveitamento dos migradólares, em 2015 apressaram-se a criar o Instituto Africano de Remessas (IAR). No entanto, essa pressa não se verifica em relação à implementação do Protocolo sobre a livre circulação de pessoas, direito de residência e de estabelecimento, adoptado em 2018.


      Avelino Chico, SJ

Docente e investigador