Luanda - O ponto de partida: Certo dia, após ter recebido um convite decidi embarcar na aventura de elaborar uma proposta de alteração à Lei nº 9/16, de 16 de Junho dos Contratos Públicos. Em seguimento a isso, tive a oportunidade de participar em uma formação ministrada pelo Professor Dr. Carlos Maria Feijó, sobre a contratação pública e onde com toda propriedade abordou-se sobre a Lei dos Contratos Públicos, sua eventual alteração e todas as práticas e demais instrumentos legais relacionados.


Fonte: Club-k.net

Para mim, deixou de ser por importância, mas por necessidade, entender como funciona a contratação pública em Angola ou não seria capaz de concorrer por meio da proposta que elaborei, para efeitos de alteração à referida Lei.

 

No entanto entende-se que a Lei dos Contratos Públicos vem traduzir a mensagem do legislador, que é dotar as pessoas do saber como proceder para realizar a contratação pública. Esta, a contratação pública, é por si só um instrumento administrativo de realização de tarefas públicas, de actuação das entidades públicas e de afectação de recursos públicos que demanda uma série de requisitos para que seja viável.

 

Importa realçar que a Lei dos Contratos Públicos incide sobre duas entidades: as sociedades contratantes (empresas do estado ou a administração pública) e as contratadas (empresas privadas prestadoras de bens e serviços).

 

Portanto, é possível encontrar na referida Lei 4 tipos de procedimentos para a consumação do seu objecto, que é estabelecer o regime jurídico da formação e execução dos contratos públicos. Estes procedimentos distinguem-se por (1) Concurso Público; (2) Concurso Limitado por Prévia Qualificação; (3) Concurso Limitado por Convite e (4) Contratação Simplificada.Para a realização destes procedimentos é imperativo a escolha de um dos dois critérios, nomeadamente, o Critério do Valor Estimado do Contrato ou Critérios Materiais que por padrão remetem à Contratação Simplificada, conforme a Lei.

 

Atendendo à realidade angolana será que convêm ter uma Lei dos Contratos Públicos tão complexa?

 

Factores de inconsistência da Lei dos Contratos Públicos

 

Para além do facto de a Lei não exprimir com clareza a razão de existência de 4 tipos de procedimentos, esta, encontra-se integralmente alicerçada nestes procedimentos que divergem de alguns princípios básicos para o bom funcionamento de um mercado, tais como a concorrência, a transparência, a eficiência e eficácia, bem como o respeito pelo património público. Ora, os tipos de procedimentos de Concursos Limitados por Prévia Qualificação e por Convite, e a Contratação Simplificada, por definição não permitem que se respeite os princípios da concorrência e da transparência.

 

Um procedimento ideal de contratação valoriza os critérios objectivos de selecção, que devem primar pelo registo histórico de sucesso ou ainda performance (desempenho) da sociedade candidata à contratada, pelas suas capacidades de realização conforme o caderno de encargos e não simplesmente pelo seu tempo de duração de vida e nem pelo seu capital social.

 

À título de exemplo destaca-se a Contratação Simplificada que é bastante famosa pelo seu grau de recorrência na sua aplicação na prática. Entende-se como sendo um procedimento facilitador de processos e um dos critérios materiais fundamentais para adesão ao procedimento de Contratação Simplificada é a ocorrência de eventos imprevisíveis, tais como catástrofes naturais à qual recai a seca em 2019 que provocou um estado de emergência nas Províncias do Namibe, Huíla, Bié e Cunene, todas da região Sul de Angola. A necessidade era premente de se atender com rapidez e eficiência às necessidades daquela população afectada.

 

Por que razão precisa-se definir 4 tipos de procedimentos na Lei para colmatar situações resultantes de eventos imprevisíveis, por exemplo?

 

Relativamente a disponibilização do montante da despesa destinado à aquisição de obras/empreitadas ou de bens e serviços por parte das entidades contratantes, parece escusado ser também da competência do titular do poder executivo, discutir e decidir sobre preços dos contratos e que podem ser fixados sem limites de valores. Pois entende-se, que sob a alçada da figura do titular do poder executivo existem muitas outras importantes tarefas.

 

Na minha opinião, o cenário hoje desenhado por esta Lei dificulta a realização em Angola, de processos de contratação pública, lisos e livres de vícios que anormalmente podem resultar em actos de corrupção, especificamente de insubordinação e sobrefacturação – o que incita um agravamento da dívida pública angolana. O Economista Carlos Rosado de Carvalho recentemente revelou com base em um estudo realizado pela Universidade Católica, sobre os impactos económicos e sociais da COVID 19, que Angola poderá enfrentar tempos ainda mais difíceis, por se prever para 2021 um rácio de dívida pública acima dos 130% do Produto Interno Bruto. Será que a actual Lei dos Contratos Públicos promove o aumento da dívida pública?

 

Paralelo com o mundo

 

A contratação pública é um tema debatido nos mercados pelo mundo todo. De acordo a Professora Maria João Estorninho, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a contratação pública representa na generalidade dos países europeus, percentagens superiores a 20% do PIB. Foram criados mecanismos, por via de instrumentos legais e outros oficiais para possibilitar uma economia europeia mais verde, mais inovadora e mais inclusiva do ponto de vista social, e fomentar novos paradigmas de contratação pública, apostando na adjudicação de contratos públicos como um instrumento de políticas públicas, ambientais e sociais.

 

À semelhança de outros países de Africa como o Botswana e o Rwanda que com os seus mecanismos de contratação pública incentivaram à criação de um novo dinamismo empresarial no próprio país e adaptaram as suas estruturas e modelos de funcionamento de forma a conseguir competir dentro e fora das suas fronteiras, assim como junto dos países da SADC, Angola tem em mãos a grande oportunidade de tornar melhor o seu ambiente de negócios e reduzir a aceleração galopante da sua dívida pública.


A contratação pública em Angola absorve actualmente mais de 60% do Orçamento Geral do Estado, que representa 37,9% do PIB.

 

Seria aplausível, havendo uma revisão da Lei, que se priorizasse os aspectos inerentes ao aumento da riqueza de Angola e dos angolanos, por meio de uma repartição mais justa das oportunidades, da valorização da velocidade de execução, da maior qualidade na execução, da inovação das soluções e métodos propostos a preços mais competitivos, e se minimizasse ao máximo todos os aspectos passíveis de propiciar desperdícios de quaisquer sortes.


A reforma da contratação pública

 

Visando a melhoria do processo de contratação pública em Angola, segue uma abordagem visionária que parte de pressupostos testados e aprovados globalmente por diversos países.Essencialmente, 1 único tipo de procedimento de concurso público, em substituição dos 4 hoje existentes, seria suficiente para atender às necessidades da administração pública angolana. Bastaria que as condições para a realização de determinado contrato se encontrassem devidamente detalhadas no caderno de encargos, ficando ao cabo das empresas candidatas a competência de gerir o seu conteúdo e apresentar respostas à altura, à entidade pública contratante e esta, seleccionaria a melhor entre elas. Esse processo chama-se “concorrência”.


Em adição, para aferir a efectividade do contrato, à entidade pública contratante competiria a realização de um trabalho de fiscalização minucioso, efectuado com competência e ética.

 

Com a minimização dos procedimentos a 1 único – o qual se poderia denominar “Concurso Público” e ao ser reestruturado, ter-se-ia automaticamente uma Lei mais moderna e de facto mais simplificada em todos os seus aspectos.

 

Com um novo e único procedimento para formação e execução de contratos públicos, aumentar-se-ia a competitividade entre as sociedades candidatas à contratadas e desse leque fariam parte as grandes empresas e empreendedores, as PMEs e até mesmo as Startups – novas sociedades em fase de arranque, que buscam por soluções inovadoras e graças ao seu dinamismo, modo flexível de operar e com uma governação corporativa adequada, podem oferecer soluções a preços mais baixos e ser criadoras de emprego e de novas fontes de impostos para o Governo. Este último tipo de sociedades, apesar da sua natureza, poderá ter potencial ao associar-se a sociedades estrangeiras dinâmicas e inovadoras com capacidades técnicas e financeiras comprovadas, com histórico de sucesso naquela área ou tarefa específica e que se requeira, obviamente sem ferir as demais imposições legais angolanas conexas, e quando certificado que nenhuma sociedade a nível nacional tenha capacidade para cumprir o mandato, objecto do contrato. Seria uma forma mais inclusiva e transparente de dar-se oportunidade aos agentes do mercado angolano e por conseguinte, permitiria uma alta qualificação dos mesmos pelo grau de exigências impostas na Lei.

 

Outrossim, por via de Benchmarkings – análise comparativa não apenas do preço, mas da qualidade, do tempo de execução e de outras melhores práticas, seria possível facilmente estimar-se o valor dos contratos independentemente do seu objecto. As empreitadas, fornecimento de serviços e bens pretendidos pelas entidades contratantes angolanas, não diferem dos que se pretendem e são executados em outros mercados.

 

Com a criação de uma entidade destinada a regular a contratação pública em Angola, estruturada com gestores públicos competentes para dar resposta a todos os pelouros e comités de apoio necessários, com vista a selecção do melhor contrato, mas que reportariam ao órgão hierárquico máximo dessa entidade reguladora e a este coubesse e centrasse-se o poder de decisão, poder-se-ia isentar, por exemplo, o titular do poder executivo do exercício de discutir e decidir sobre os preços dos contratos. E isso certamente o aliviaria de mais uma tarefa.

 

Por fim, com a vigência do penúltimo e último parágrafos anteriores, as disposições constantes da Tabela de Limites de Valores previstas no Anexo II, bem como as previstas no Anexo V, sobre os Procedimentos Abertos à Participação de Pessoas Singulares ou Colectivas Estrangeiras, da Lei dos Contratos Públicos, seriam alteradas ou no máximo extintas e na sequência, seriam de igual modo dissolvidos os termos dispostos no Capítulo II, sobre a Escolha do Procedimento em Função de Critérios Materiais.

 

Angola tem dado passos que paulatinamente vão melhorando a perspectiva da Comunidade Internacional sobre si, internamente, tem se visto especialmente na área da comunicação social, melhorias que permitem uma maior liberdade de imprensa e expressão por parte dos profissionais dessa matéria e da sociedade civil, respectivamente, por meio da disseminação de debates de ideias que rondam por todos os aspectos das vidas dos angolanos.

 

Não obstante, reconhece-se que a economia angolana clama por saúde. Os fenómenos da crise económico-financeira que acentuaram-se desde 2014 e dos quais os angolanos ainda se recompuseram, acrescido da actual COVID-19, o grande flagelo mundial e impulsionador do agravamento da recessão económica em Angola, obriga à reflecção de todos angolanos e a ser capazes de assumir uma postura de recusa ao estado actual da economia, com vista a continuidade dos esforços que se vêm empreendido no sentido de se fazer mais e melhor por Angola e para os angolanos.

Núria de Oliveira Krüse