Luanda – “Indústrias Culturais e Criativas”, a partir da altura que estas palavras passaram a fazer parte do léxico cultural nacional, as mesmas foram associadas a Feira de Artesanato do Dondo. Um evento que, sob a bandeira de promoção das indústrias culturais e criativas, é há anos organizado pelo Ministério da Cultura.

Fonte: Club-k.net
Felizmente, com o passar do tempo, o acontecimento, que já foi motivo de muita algazarra e desbaratamento de dinheiros públicos,foi se tornando cada vez menos interessante, quer para a população como para os expositores, maioritariamente rurais, devido a sua desconexa concepção estrutural e objectivos e metas ininteligíveis.

A redução da agenda das“industrias culturais e criativas” à feira de artesanato do Dondo, resulta do facto do sector cultural e os objectivos culturais em Angola estarem fixados a uma ideia de produção cultural demasiado distante das necessárias para a sua real implementação prática na nossa realidade de hoje, ancorada na economia de mercado.

Por outro lado a julgar pela importância que é dispensada às “indústrias culturais e criativas” no País , parece-nos o entendimento oficial sobre a matéria andar muito distanciado do resto do mundo, uma vez a economia criativa,para além daqueles considerados como tipicamente culturais, envolver as indústrias de conteúdos digitais, o design (de moda, de mobiliários, de artefactos, gráfico etc), a arquitectura e urbanismo, até mesmo o turismo cultural.

Segundo a UNESCO, os sectores criativos podem ser classificados em três categorias: Património Cultural: correspondente ao património cultural e natural, incluindo produtos e serviços de museus, sítios arqueológicos e históricos e paisagens culturais; Criatividade e Mídias: Performance de artes e festivais (shows, festivais e música); Audiovisual e mídia interativa (filmes, rádio e televisão e jogos de vídeo); artes visuais e artesanato (pintura, escultura, fotografia, artesanato); Livro e imprensa (livros, jornais e periódicos, bibliotecas físicas e digitais e feiras do livro); e Criações Funcionais: design e serviços criativos (moda, decoração de interiores, paisagismo, arquitectura, publicidade).

Estudos de organizações credíveis, como a ONU, afirmam que a demanda por produtos da "indústria criativa" permaneceram estáveis mesmo durante as recessões globais, em muitos países, concluindo assim que, para os países em desenvolvimento, as indústrias culturais e criativas podem vir a ser um dos sectores mais dinâmicos do comércio mundial.

A Secretaria da Comunidade do Pacífico reconheceu as ICCs (Industrias Culturais e Criativas) como um importante sector económico .

As Caraíbas incorporaram as indústrias culturais nos seus acordos de livre comércio com a União Europeia .

De acordo com o Observatório Cultural da África do Sul (SACO), as indústrias criativas e culturais em geral, são responsáveis por 6,72% de toda a África do Sul, o que representa mais de um milhão de empregos. Contribuindo com mais de R $ 90 biliões para a economia nacional ou 2,9% do PIB, a frente do sector agrícola que é de 2,2%.

Considerando o valor agregado da cultura na produção de bens e serviços, os países signatários da “Convenção da UNESCO sobre a Promoção e Proteção da Diversidade das Expressões Culturais” passaram a considerar a cultura como o quarto pilar do desenvolvimento das Nações, sobretudo, para os países em desenvolvimento.

Recentemente, os líderes da indústria e tecnologia da África e construtores de ecossistemas se reuniram para uma conferência de dois dias em Kigali, Ruanda, para explorar as oportunidades que surgirão com a assinatura do acordo comercial para a economia criativa no continente.

Posto tudo isso,porquê teimarmos em não nos descolarmos dos paradigmas do passado, continuando a darmo-nos ao luxo de colocar de lado o potencial da economia criativa, para a diversificação da nossa economia , e a considerar a Cultura como parasita e economicamente marginal ?

Neste momento em que a diversificação da economia é o mote principal para a revitalização económica do nosso País, tendo em conta o novo pensamento e experiências de outros povos, a indústria cultural e criativa, não deveria ser estruturada, organizada e também tida em conta para o desenvolvimento sustentável da nossa economia?

Como não temos a cultura de ouvir as vozes dissonantes, queremos crêr que estamos com dificuldades para desconstruir a visão parasitária da cultura, que ao longo dos anos se acomodou e bloqueou a visão dos estrategas económicos e políticos deste País.

Será que o sangue novo que se está a injectar no Governo não impedirá a insensata repetição de programas e teorias de fomento cultural economicamente estéreis, que amiúde dão suporte a estereótipo sque servem para marginalizar e afundar uma Classe cuja participação económica nunca deveria ser menorizada a pontos de a deixar entregue à expedientes mil de sobrevivência,de paredes meias com a indigência social ?

Definitivamente, o País precisa de abordagens e de políticas culturais diferentes das do passado.Pelo menos de experimentar outros caminhos, a ver se desse modo consegue cumprir comas promessas eleitorais e com as expectativas dos Homens da cultura e da sociedade em geral.

O Ministério deveria já incluir na sua denominação, em substituição de “Cultura”, as palavras “Industrias Culturais e Criativas”, para a todos inculcarno pensamento de que a gestão cultural agora deverá ser feita com base nos princípios organizacionais da economia de mercado.A viragem de página na Cultura implica uma mudança doutrinária no modo de ser e estar dos responsáveis pelo seu fomento, a nível nacional. De outro modo continuaremos nas mesmices de costume.

Precisamos de acelerar o amadurecimento das condições subjectivas, para que fique facilitado o entendimento e a linguagem relativa as novas dinâmicas de desenvolvimento da cultura, do financiamento de infraestruturas,da redinamização e regulação do mercado artístico-cultural, da inserção e contribuição social do artista, enfim... para o nosso engajamento massivo e consensual no desfecho da ansiada machadada às regras e paradigmas do passado!

*Músico e compositor
Presidente da PRO-CULT ANGOLA