Luanda - Há aquelas vezes em que a família, a comunidade entra em crise. Daquelas crises sérias, que ameaçam a vida e os bens dos seus membros. No pior dos casos, há mesmo a ameaça de desaparecimento, daquela comunidade de pessoas ficar apenas a estória. Contada por outros. Essas crises, tão graves assim, são raras mas acontecem. É o que está a acontecer agora e, ameaça todos os homens, mulheres e crianças à escala do planeta. Parece mentira, parece um pesadelo, mas e a pura realidade.

Fonte: Club-k.net

Aqueles que viveram os tempos de medo e incerteza durante a guerra, viram muitas vezes essas crises acontecerem. Os mais velhos reunidos com semblante grave e carregado, as mães e tias silenciosas e apreensivas; até as crianças recolhem-se acabrunhadas, oprimidas pela tensão no ambiente, que não entendem mas sentem.


Terminada a reunião, os mais velhos dirigiam-se à comunidade. O chefe da família ou o soba explica o problema, detalha os caminhos traçados para sair da crise e distribui os papéis que cada membro irá desempenhar no plano traçado. Raramente algum membro, salvo as crianças pequenas, era excluído desse plano. Entendia-se na altura que a participação de todos era a garantia mais segura que todos trabalhariam de forma coesa para o objectivo comum, o de ultrapassar o problema.


O cenário contado acima – ninguém me contou, na minha infância em 1976 vivi um ano com a minha comunidade deambulando pelas matas do Sambo fugidos da guerra – é a forma clássica de gestão de crise tal como vem nos manuais. Pode ser transportada para o momento de pandemia que o país vive. Algumas lições desta gestão consuetudinária das crises nas comunidades, podem muito bem ser aproveitadas para retocar alguns aspectos importantes da forma como estamos a tentar combater a Covid 19.


O primeiro aspecto tem a ver com a mobilização total essencial para que todos adiram às medidas de prevenção. Há um pouco a impressão, errada diga-se de passagem, que “a Covid é problema do Executivo e dos ricos”; ou daqueles que “viajam para fora do País”. A classe média, por sua vez, e seguindo um (mau) hábito antigo, vai achando que “a Covid é doença dos pobres dos musseques; dos que andam de táxi e kupapata; e fazem compras em mercados e zungueiras”. Nada menos certo: a Covid 19 entrou no País – não importa agora como – instalou-se e está aí para pôr em risco a vida de todos nós. Ricos e pobres, governantes e governados, governo e oposição, directores e roboteiros, em suma, homens, mulheres e crianças, independentemente de critérios de qualquer índole. É um problema que atinge todos e, todos têm que fazer a sua parte se quisermos que o país se livre da pandemia.


Dali a necessidade da mobilização de todos! É preciso uma comunicação que “faça sentir” a todos que o perigo é real e atinge todos. Ninguém está de fora. Essa comunicação tem que ser deliberada, cuidadosamente planeada e executada para convencer as pessoas; como sempre nestas coisas, há factores que competem com as acções necessárias para a prevenção individual contra o coronavírus. Esses factores de competição – a fome e a miséria são os principais – impedem que as pessoas consintam os sacrifícios necessários para a implementação das acções de prevenção.


Dali a necessidade do passo seguinte: porquê as pessoas não aceitam ficar em casa? Ou saem sem máscara? Ou não cumprem as regras de distanciamento físico nos mercados e outros espaços informais? Pulam as cercas sanitárias? Ninguém sabe. Não se fez qualquer pesquisa para ter essas respostas de uma forma metódica. Porquê? Porque toda a gente pensa que já sabe as respostas e não vale a pena gastar dinheiro e recursos em pesquisas.


Isso leva-nos a um factor que carece de tratamento urgente: a gestão interdisciplinar da pandemia. Até agora, as grandes intervenções no combate à Covid foram de âmbito político, jurídico-legal, logístico… e repressivo. À medida que os efeitos nefastos da pandemia – que não são só a doença e morte – vão-se espalhando na sociedade e na economia, já começa a haver necessidade de psicólogos, sociólogos, economistas, assistentes sociais, etc., engajarem-se também por formas a garantir a inclusão voluntária e informada de absolutamente todos.


A título de exemplo, o porta-voz dos órgãos de defesa e segurança chama reiteradamente “comportamento irresponsável dos cidadãos” quando se refere àqueles que não cumprem as medidas de protecção preconizadas. Mas será a zungueira que vive o drama diário de sair à rua ou ver os filhos morrer à fome mesmo irresponsável? Ou o taxista que no fim de cada dia tem que entregar o dividendo do patrão e ainda levar algum para a família? Ou o pais de família desesperado que precisa de ir a Caxito pegar alguma macrueira que não tem dinheiro para comprar ao preço de Luanda para matar a fome dos monandengues em casa? Ou ainda o empresário que tem que abrir as portas, o colégio que tem que dar aulas senão tem que despedir pessoal? De formas que, não deixando de ter a sua razão o digno subcomissário da Polícia, qualquer destes exemplos citados também a tem. É por isso que, à semelhança do que acontece nos outros países, há que legislar e avaliar sob vários ângulos, o impacto das medidas de gestão da pandemia.


Mas não basta somente levar os factores de competição em conta. É também preciso gizar soluções para resolver os problemas identificados. Há dias, a Administração Municipal do Andulo (!) veio com uma solução “inovadérrima” para isolar o passageiro do kupapata. Até o Presidente João Lourenço saudou a iniciativa no seu Twiter. É precisamente isso que tem que acontecer.


Para já, e alinhado com uma recomendação do Banco Mundial, o Estado tem que alocar ao MASFAMU quase a mesma verba que teve o MINSA para resolver a maka das famílias que estão a atingir um nível de fome nunca visto desde o fim da guerra. Basta ver as mulheres e homens na força da vida que disputam os restos nos contentores de lixo. Ou pedem esmola à porta dos estabelecimentos comerciais. Isso antes era feito por crianças, velhos e pessoas com deficiência; hoje não. Ou seja, para pedir que esses “FIQUEM EM CASA” há que criar programas que satisfação as necessidades que os levam às ruas. Isso é possível e foi feito com êxito em outros países, na África do Sul, por exemplo.


É preciso também resolver o problema dos empresários. Se não venderem os seus bens e serviços, como vão pagar as suas contas, incluindo o pagamento dos seus trabalhadores? Pelo menos em Luanda, as instituições do ensino privado já vão dizendo que se as aulas não iniciarem em Julho, terão que despedir pessoal, incluindo professores. A última coisa que se quer são mais chefes de família no desemprego. Há portanto que rapidamente encontrar um meio-termo. O mesmo se aplica ao ramo do lazer: restauração, hotelaria, casas de diversão, turismo, etc., que empregam um número considerável de força de trabalho.


O que é que se quer então? Uma abertura geral em nome das necessidades das pessoas e da economia? Não. A vida segue sendo aquele bem inalienável, inegociável. O desejável é criar um programa de sensibilização capaz de transformar cada cidadão no primeiro responsável pela sua própria protecção e pela protecção dos seus, na tal “mobilização total” aqui referida. E como se faz isso? Informando, educando e comunicando num processo de diálogo social de 360 graus.


Disse no início que o Mais Velho da família ou o Soba da comunidade é quem assumia a tarefa de comunicar e, por via disso motivar, mobilizar, acalentar e animar o colectivo nos tempos de dificuldade. Digo o mesmo em relação às “falas” do Presidente da República. A quase sofreguidão com que são consumidas (até os pequenos tweets que de vez em quando faz) é indicativa do quanto o país precisa da sua comunicação. Não só para transmitir as orientações, mas também para levantar os espíritos abatidos. Nesta crise, o Presidente deve portanto falar com mais frequência que a habitual aos cidadãos.


Nesta senda, pode-se fazer um melhor aproveitamento do espaço diário da comunicação sobre a pandemia. Quanto aos emissores, é de todo desejável que sejam o mais sénior possível, preferencialmente ao nível de Ministro ou Secretário de Estado. A senioridade transmite mais credibilidade à mensagem e em momentos de crise como este tem o condão de tranquilizar e acalmar mais os receptores. Quanto à forma, não é recomendável uma linguagem militarizada ou musculada. A Comunicação deve partir do princípio que toda a gente quer ter saúde e ninguém em princípio quer ser infectado pela Covid. Essa é a grande vantagem da Comunicação para a Saúde: o público-alvo à partida está conosco. Em condições normais nunca é necessário ameaça-lo com seja o que for. As excepções só confirmam a regra.


Tudo isso para quê? Para que TODOS SE PROTEJAM e assim apressemos todos o Pós Covid, que teima em perfilar-se no horizonte…

* Sociólogo da Comunicação