Luanda - O debate sobre a hipótese de administradores dos órgãos públicos de comunicação social exercerem ou não o Jornalismo voltou à discussão, na sequência da nomeação de alguns jornalistas, cujo trabalho era apreciado, para as funções de administradores.

Fonte: JA

A discussão convoca, em princípio, aspectos deontológicos, por um lado, e, por outro, legais. Como se sabe, os órgãos de comunicação social públicos integram o braço empresarial do Estado, ou sector empresarial público. Ou ainda, a Administração Indirecta do Estado.


Dentro das empresas públicas existem as tidas por “empresas públicas de interesse estratégico”, cujos membros do Conselho de Administração são nomeados e exonerados unicamente pelo Titular do Poder Executivo, nos termos do nº 2, do artigo 46º, da Lei de Bases do Sector Empresarial (Lei nº11/13, de 3 de Setembro).


E ainda a Lei de Imprensa, para o caso dos conselhos de administração dos órgãos públicos de comunicação, nº 3 do artigo 31º da Lei nº1/17. “A nomeação e demissão do Conselho de Administração ou Director Geral e dos Adjuntos das empresas ou órgãos públicos de comunicação social são da competência do Titular do Poder Executivo”.


Os estatutos dessas empresas (de interesse estratégico) só podem ser alterados mediante Decreto Presidencial. As outras podem ser por decreto executivo conjunto do ministro responsável pelo Sector Empresarial Público e do ministro de tutela, nºs 1 e 2 do artigo 41º, da Lei de Bases do Sector Empresarial.


Os órgãos de comunicação social públicos integram, deste modo, o restrito grupo de empresas de interesse estratégico, inferindo-se pelos seus estatutos orgânicos, de 2010 (Decretos Presidenciais nºs 206, 207, 208 e 209), de 23 de Setembro.


Pelo exposto, fica escancarada a intensidade da relação com o Titular do Poder Executivo, ainda que o conceito de Administração Indirecta do Estado possa iludir com a previsão de que, sobre estes (conselhos e empresas), incide apenas uma “simples” superintendência, como reza a alínea d), do artigo 120º, da Constituição da República de Angola (CRA).


E se tanto não bastasse, o Estatuto do Jornalista é imperativo, quando refere que o exercício do jornalismo é incompatível com a função de direcção, al. c), nº1, do artigo 5º, (Lei nº5/17, de 23 de Janeiro). O fundamento dessa “proibição” prende-se com a hipótese de um conflito com os valores que o jornalismo persegue.


Os jornalistas americanos Tom Rosentiel e Bill Kovach escrevem no seu livro “Os Elementos do Jornalismo” que o primeiro compromisso do jornalismo é com a verdade. E a sua primeira lealdade é com os cidadãos. O jornalismo deve ser um monitor independente do poder. O último dos nove pontos que apontam como imprescindíveis para o jornalismo é que os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com a sua consciência.


Estar comprometido com a verdade significa “informar o público sobre todos os acontecimentos nacionais e internacionais, assegurando o direito dos cidadãos à informação correcta, imparcial e isenta”, nos termos do que diz a al. b), do nº1, do artigo 11º, da Lei de Imprensa. Ou ainda “promover a boa governação e a administração correcta da coisa pública”, al. f) deste artigo. E a pergunta que se impõe é: teria um jornalista/administrador distanciamento suficiente para sindicar as actividades de quem o nomeou?


A confiança, que inspira o Titular do Poder Executivo a nomear este e não outra pessoa, anda de mãos dadas com a lealdade. Como se disse, a primeira lealdade do jornalista é com o cidadão em nome de quem o jornalista é investido no dever de informar. Pode, o jornalista/administrador, conciliar estas duas lealdades, quando, por natureza, são antagónicas? Aprendemos que em tempo de guerra (no sentido mais lato do termo) a primeira vítima costuma a ser a verdade. E o que é jornalismo sem verdade? Fica claro, sem dúvidas, a impossibilidade de um jornalista/administrador obedecer aos valores que o Jornalismo persegue.


Ao contrário do que ocorre nos outros órgãos de Comunicação Social públicos, a Edições Novembro apresenta estrutura baralhada: o Presidente do Conselho de Administração acumula a função com a de director do principal título, o Jornal de Angola. Assim como o administrador para os Conteúdos é igualmente director-adjunto. Ou seja, em algum momento, o director/presidente do Conselho de Administração subordina-se ao administrador para os Conteúdos. Noutro, o administrador para os Conteúdos é adjunto do director-geral do Jornal de Angola.


Se enquanto director e director-adjunto podem ambos exercer Jornalismo, dado que a gestão da empresa fica entregue ao Conselho de Administração, já como administradores não o podem, pelo que ficou dito.


Os manuais de Jornalismo separam a Informação da Opinião. Quanto a mim, a “proibição” estende-se até à opinião. No fundo, é evitar que o administrador possa exercer qualquer magistratura de influência.

(*) Secretário - geral do Sindicato
dos Jornalistas Angolanos (SJA)