Luanda - Depois de mais de 4 meses na África do Sul, à espera dum voo humanitário que nunca aparecia, chegou o dia esperado no passado 9 de Julho. Mais de 200 angolanos aguardavam na manhã desse dia, às portas do Consulado de Angola em Cape Town, a confirmação da sua viagem.

Fonte: Club-k.net

O pessoal do Consulado e o pessoal da TAAG deram o seu melhor para facilitar a viagem. E por fim embarcámos na hora prevista e chegámos a Luanda depois de mais de 3 horas de voo.


Na chegada ao Aeroporto 4 de Fevereiro, a saída do avião foi demorada. Uns funcionários desinfectavam as nossas malas de mão. Outro funcionário recebia os nossos passaportes e formulários preenchidos. Procurámos e encontrámos as nossas malas espalhadas na placa doAeroporto.


Lá fomos divididos, nalguns autocarros subiam os que iam para o Calumbo, e em outros os que se dirigiam aos hotéis, a maior parte deles suportando as despesas por conta própria, e alguns poucos, principalmente senhoras com crianças e idosos, com custos pagos pelo Governo.


Sem receber nenhuma informação em relação aos procedimentos que devíamos seguir subimos nos autocarros que estavam na placa do Aeroporto 4 de Fevereiro e ficámos lá durante mais de 5 horas. Fora, um desfile de homens fardados (polícia, FAA, etc.) que iam e vinham, e falavam entre si, ou falavam ao telefone.


Durante mais de 5 horas pessoas provenientes dum país com altas taxas de contágio de COVID-19 partilhámos o espaço reduzido do autocarro, com grande risco de contágio no caso de haver alguém com a doença. Estavam também pessoas idosas, famílias com crianças, pessoas doentes, etc. Ficámos fechados nos autocarros até perto das 21 h. Tínhamos chegado a Luanda às 15:30 e não tínhamos recebido nenhuma alimentação nem água durante todo o dia.


Este é o tratamento que as autoridades angolanas dispensavam aos angolanos vindos do exterior depois de esperar durante 4 meses por um voo de repatriamento.


Por fim, depois das 21 h., os autocarros começaram o seu percurso para deixar aos passageiros nos diferentes hotéis. Uma organização deficiente fez com que todos os passageiros tivessem de fazer o mesmo percurso, de maneira que aqueles que estavam hospedados em Viana ou Talatona eram obrigados a percorrer todos os hotéis onde a caravana devia deixar aos outros hóspedes. Os últimos chegaram aos seus hotéis depois das 22 h., já sem hipótese de tomar qualquer refeição. Os que chegaram ao Calumbo receberam uma bolacha e um sumo como alimentação depois de todo o dia de viagem.


Uma vez instalados chegou a incerteza dos dias seguintes. A falta total de informação por parte do Ministério da Saúde ou da comissão correspondente, que nunca apareceram nem deram a conhecer os prazos nem os procedimentos a seguir por parte dos retornados.


Foram passando os dias e finalmente uma parte do grupo teve sorte. No dia seguinte chegavam os angolanos do Brasil, e era necessário liberar espaço nas instalações do Governo. Funcionários do Ministério da Saúde fizeram testes rápidos no dia anterior, e no dia seguinte o grupo foi libertado.


Ninguém comprovou se os retornados do exterior fizeram a análise PCR na origem, nem foi realizada a análise PCR no fim da quarentena, nem foi cumprido o prazo de 14 dias de quarentena para aqueles que vinham sem o teste feito. Portanto, podemos concluir que a negligência é a marca da casa na hora de gerir o regresso dos angolanos do exterior.


Ao mesmo tempo que a maior parte dos regressados eram libertados, um pequeno grupo ainda continuava preso na teia de aranha dos hotéis, estes sim, à espera dos resultados da análisePCR paga a um custo (220.000,00 kzs.) que multiplica por 5 o preço destas análises em qualquer parte do mundo. Mas em Angola o Governo decidiu dar a exclusividade à Luanda Medical Center, a única empresa credenciada para o efeito pelo Ministério da Saúde e cujos testes são reconhecidos.


A saturação deste único laboratório obriga aos regressados a esperar nunca menos de 3-4 dias pelos resultados, um grande negócio de qualquer maneira para os hotéis e hospedarias abrangidos no programa de quarentena.


Este é, em resumo, o tratamento que sofrem, ou vão sofrer, os angolanos vindos do exterior, abandonados durante meses por um Governo incapaz de organizar voos de repatriamento com antecedência. Angolanos que tiveram de custear meses de estadia nos países onde se encontravam na altura da proclamação do estado de emergência, e que viram como os outros países realizavam com sucesso inúmeros voos de repatriação durante estes meses.


Uns dias depois de sair do labirinto criado pelas autoridades para todos aqueles que regressam, leio na imprensa que o Presidente da República reitera o apelo ao cumprimento das medidas de prevenção do COVID-19. Seria ótimo que apelasse ao Ministério da Saúde para o cumprimento das normas e protocolos existentes, e, se for possível, que apelasse às estruturas do Estado para o respeito aos cidadãos chegados do exterior. Tal como comentava uma senhora no autocarro no qual nos mantiveram fechados durantes mais de 5 horas na placa do Aeroporto: “ser angolano é terrível”