Lisboa - Os acontecimentos nos E.U.A. e pelo mundo fora gerados pela morte mediática de George Floyd levantam questões profundas. Estaremos diante de ventos de mudança? De uma luz ao fundo do túnel? Do início de uma nova era?

Fonte: Club-k.net

Apesar do momento de tristeza e luto, foi bonito ver pela primeira vez em número tão considerável, marcharem pelas principais capitais e grandes cidades europeias e da América, desafiando o surto da COVID-19, negros e brancos unidos pela mesma causa - a luta contra o racismo, exemplo seguido na Formula 1 no Grande Prémio da Áustria. Foi verdadeiramente reconfortante assistir a este sinal positivo de aproximação, a esta partilha de um raro momento de união e solidariedade nas relações entre negros e brancos que há vários séculos são efectivamente tensas e desiguais.


Encaro o racismo, como um mal, um estado, que passa de geração em geração, uma espécie de doença sem previsão de cura, em que através do comportamento, o ser humano vai demonstrando recorrente ou sistematicamente por via de acções ou omissões, uma insensibilidade, uma maldade, um desprezo de tal profundidade em relação a outro ser humano difícil de ser explicado, partindo apenas de uma premissa, de uma presunção, de uma vaidade, de uma arrogância substanciada na ideia da superioridade assente na cor da pele. Em sentido contrário, foi possível vislumbrar um conjunto de actos lamentáveis e deploráveis, porquanto uma manifestação não deve significar pilhagem e destruição, pelo que condeno todos e quaisquer actos de violência praticados no decorrer deste tipo de manifestações. É necessária a promoção do diálogo e do perdão entre os homens. Mahatma Gandhi dizia: “O fraco jamais perdoa. O Perdão é um atributo dos fortes.” Resta-nos saber quem são os fortes e em que dimensão existem.


Importa salientar, que a denúncia de casos de racismo não torna racista quem o faz, pelo contrário, ajuda a enfrentar o problema e liberta a sua alma e a de muitos outros. Diante daquele tipo de situações devemos dizer em uníssono basta, não sendo, uma tentativa de criar ou fomentar maus sentimentos por parte de quem quer que seja mas de elevar a consciência das pessoas ao invés de fingir que não se passa nada, que não existe racismo, pois fugir não resolve o problema, só o agudiza ainda mais e aprofunda as divisões dentro de qualquer sociedade, por isso deve haver debate e discussão abrangente, sem quaisquer tabús até que os sinais exteriores do racismo se manifestem cada vez menos, ou se tornem escassos, embora tenhamos plena consciência que o racismo não vai acabar ao menos que haja uma revolução profunda de mentalidades. O Problema é secular, ultrapassa várias gerações e é incentivado, fomentado explícita ou implicitamente por homens de má índole, de má formação humana, que vão influenciando negativamente outros homens e vai contribuindo para o aumento da divisão nas sociedades. O racismo deve ser combatido em primeira instância através do reconhecimento da existência do problema.


Enquanto homem esclarecido, de mente aberta e descomplexada, educado para encarar qualquer outro homem seja qual for a proveniência ou origem olhos nos olhos, sinto-me suficientemente a vontade para abordar este tema com a frontalidade que se impõe, independentemente de causar desconforto a algumas pessoas que preferem atirar a poeira para debaixo do tapete. O racismo à escala mundial é um facto mas infelizmente uns fingem, outros recusam-se a enxergar, muitos são hipócritas e a maioria é moldada para negar em quaisquer circunstâncias as evidências, sendo que na maior parte das vezes nem sequer se dão conta disso, porque uma das mais importantes tácticas usadas pelos racistas desde sempre, é acusarem todos quanto os confrontam com os seus actos de serem aqueles os racistas. Foi assim com Gandhi, foi assim com Mandela, com Marthin Luther King, com Malcom X, Muhammad Ali, Biko e muitos outros.

Todos eles foram acusados de serem racistas quando lutavam contra esse mal e parece que será sempre assim. O ciclo vicioso continua. O sul-africano Sthephen Biko também conhecido por Steve Biko, importante activista pelos direitos humanos, morto às mãos do regime do Apartheid dizia: “A mais potente arma do opressor é o controlo da mente do oprimido”. Esta frase demonstra claramente que o racismo exterioriza uma relação de poder, de uma tentativa controlo absoluto de um homem ou um grupo de homens relativamente a outros homens ao ponto de os reduzirem a seres inferiores, por isso, apesar da postura de autodefesa assumida pelos negros, não se pode falar de racismo de negros em relação a brancos, porquanto não existe qualquer doutrina escrita, ou conduta generalizada que reflita um sentimento de superioridade e poder de negros em relação a brancos, alicerçada numa estrutura social que a sustenta durante séculos, como aconteceu inversamente ao longo da história, é curioso que não existem movimentos de extrema-direita em África e certamente não virá a acontecer.


Os homens, sejam eles quais forem, ou em que circunstância estiverem devem encarar os outros homens como iguais e semelhantes criados a imagem e semelhança de Deus e neste sentido devem respeitar-se sempre. É necessário que haja uma luta efectiva contra o racismo ainda nos dias de hoje e que esta luta seja consistente e contínua até a melhoria do “status quo”, não devendo ganhar contornos reais apenas a cada ocorrência, a cada desgraça, ou pela repercussão de cada caso mediático do momento. É fundamental que eduquemos o homem negro, o homem africano em particular a ter orgulho e autoestima, a despir-se de quaisquer complexos de inferioridade que nos foram incutidos durante séculos e dos quais não nos conseguimos libertar nunca. Necessitamos de uma concepção de igualdade mais abrangente.


Devemos preparar os nossos homens para onde quer que estejam, em que condições estiverem, cada um deles sejam um embaixador, um representante digno do seu povo, da sua pátria, da sua nação, do seu continente, da sua cultura porque infelizmente ainda temos esse défice, a necessidade de afirmação e reconhecimento internacional. Devemos potenciar desde a base, através de uma educação de qualidade os nossos homens e mulheres, dotando-os de capacidade, de carácter, de ambição no sentido positivo, de um espírito de verdadeiros vencedores.


Dotá-los de um espírito de ajuda mútua, de irmandade e solidariedade, para que sejamos capazes de ajudar a transformar a nossa África, os nossos países para muito melhor porque só assim seremos respeitados por todos e esta mudança depende exclusivamente de nós. Quando isso acontecer, aí sim, teremos a plena capacidade de equilibrar a balança nos mais variados domínios e em particular, no das relações internacionais, facilitando de uma vez por todas uma cooperação com vantagens verdadeiramente recíprocas entre África e os outros continentes porque não tem sido assim ao longo da História em que negociamos quase sempre em situação de desvantagem.


É necessário realçar o seguinte: quem não é racista não tem de sair em defesa de um racista apenas por ser seu amigo ou compatriota. Os homens sejam de que tom de pele forem, não devem encarar mal outros homens apenas por defenderem o que é certo e justo. O convívio, o contacto entre homens independente das origens, deve ser especial, deve valer a pena, deve ser feito numa perspectiva de ensino, de aprendizagem, de trocas de experiências mútuas, em que usufruam do melhor que ambos têm para dar, ou seja, convivam numa perspectiva de igualdade, pois o mundo é multicolor mas só existe uma raça, a Raça Humana. Os Homens, sejam eles negros, brancos, amarelos, mestiços e quaisquer outros, têm de aprender a conviver juntos seja em que sociedade for, cada um lutando pelos seus ideais, cada um lutando pelos seus objectivos mas sem terem necessariamente de se tentarem destruir, sem que haja tentativas de dominação, de relações de poder, subjugação ou segregação. Em circunstância nenhuma defenderia um preto que matasse ou atacasse um branco apenas por ele ser branco. Dalai Lama dizia: “o maior inimigo do homem é a ignorância e o apego aos ódios”, embora considere que o racismo não pressupõe ignorância ou desconhecimento mas uma acção racional, consciente, concertada, consentida e organizada.

Omar Ndavoka Abel