Luanda - Embaixador do Brasil em Luanda adimite que o diferendo entre bispos angolanos e brasileiros tem "repercussão política", mas que não atinge a relação entre os países. IURD afasta possibilidade de diálogo com dissidentes.

Fonte: DW

"Brasil e Angola confundem-se nas suas histórias há mais de 300 anos. As relações são intensas não só a nível oficial, de acordos de cooperação entre governos, mas principalmente a nível das sociedades. Temos uma comunidade brasileira muito produtiva e muito integrada na sociedade angolana", declarou à agência de notícias Lusa Paulino de Franco Carvalho, que considerou que este "pano de fundo das relações bilaterais" não é afetado pelo diferendo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).



Bispos e pastores angolanos da IURD acusam os brasileiros de irregularidades e práticas contrárias à religião, como a vasectomia, racismo e discriminação, e romperam, em novembro do ano passado, com a representação brasileira em Angola encabeçada pelo bispo Honorilton Gonçalves.



O conflito agudizou-se em junho com a tomada de templos por parte dos dissidentes, entretanto constituídos numa Comissão de Reforma. Os bispos e pastores da IURD acusam este grupo de estar a mobilizar ex-pastores, alegando discordância com os brasileiros e "outras infâmias que servem de argumentos para sustentar a sua tese de rebelião e justificativa para cometimento de atos criminosos como: invasão, furto, agressão, calúnia, burla entre outros", de acordo com uma carta aberta divulgada esta semana.

Governo brasileiro não vai intervir

Comentando os acontecimentos recentes, o embaixador brasileiro considerou que se trata de um "episódio muito específico", mas que naturalmente tem repercussão política. Paulino Franco de Carvalho garantiu, no entanto, que o Governo brasileiro não quer intervir na disputa no seio da IURD em Angola.



"Não cabe ao Estado tomar partido num diferendo que é privado, cabe sim defender o interesse dos seus cidadãos desde que respeitem as leis locais", vincou.
O crescendo de tensões na 'Universal' já levou ao envolvimento dos Governos de ambos os países: o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, escreveu ao seu homólogo angolano, João Lourenço, pedindo proteção para os bispos brasileiros.


Por seu turno, o chefe da diplomacia angolana, Téte António, assegurou que a relação com o Brasil é boa e que a justiça está "a tratar esta questão". Entretanto, a ministra de Estado angolana, Carolina Cerqueira, anunciou que vai ser feito um relatório sobre os incidentes, notando que "há indícios de alguns crimes".

Bispo brasileiros vão a Angola

Entretanto, o pastor angolano Alberto Segunda, da direção da IURD em Angola, afirmou este sábado (25.07) que deverá chegar ao país uma delegação brasileira para ajudar na disputa com um grupo de dissidentes da organização. A comitiva virá ao país em breve para dar apoio, "apenas isso", disse o pastor, em entrevista à agência Lusa, falando em nome da cúpula da organização religiosa.

A igreja em Angola, prosseguiu o pastor, tem recebido o apoio do líder da IURD, Edir Macedo, que todas as quintas-feiras realiza reuniões pastorais, havendo uma "relação boa, tranquila", considerando que persiste "uma narrativa mentirosa para distorcer a ideia da opinião pública", que quer colocar a cúpula contra os fiéis.

"O bispo Macedo não amaldiçoou os angolanos, sou angolano e pastor da IURD e estou aqui, o bispo Macedo orientou a palavra, mostrou as consequências de atos de rebelião, não para os angolanos e nem tão pouco para todos os pastores, mas para aqueles que cometem, é a própria a bíblia não é o bispo Macedo, quando a pessoa faz o certo colhe o certo, se planta o mal, colherá o mal, só isso, o bispo Macedo não amaldiçoou os angolanos", referiu.

Possibilidade de diálogo?

No entanto, a IURD rejeitou hoje qualquer possibilidade de diálogo com bispos e pastores angolanos que, nos últimos dias tomaram o controlo de alguns templos, esperando que a justiça angolana resolva o caso.

O pastor angolano Alberto Segunda, fiel da igreja há 25 anos e bispo há 21 anos, disse à Lusa que a IURD está registada em Angola desde 1992, conta com 500.000 fiéis e um total de 307 templos em todo o país, encontrando-se atualmente 90 em posse da ala angolana dissidente.

Segundo Alberto Segunda, a IURD "está no país legalmente e funciona normalmente". Por isso, "a partir do momento que somos invadidos, são tomados os templos, pastores são agredidos, é crime, não posso dialogar com um criminoso, que a justiça faça o seu trabalho, só isso que nós queremos", referiu.

O pastor disse que até ao início desta situação, em novembro do ano passado, reacendida em junho, com a tomada da direção pelos pastores angolanos, "nunca houve nenhum diferendo entre pastores - como eles dizem - angolanos e brasileiros". "Até porque nós, pastores da IURD, sempre trabalhámos em harmonia, juntos. Na verdade, esse diferendo é contra nós e há quem diz que há conflito interno", realçou o sacerdote, enfatizando que o conflito partiu de fora para dentro.

"Porque um certo grupo de ex-pastores, que foram desvinculados da obra já há um certo tempo por conduta imoral, juntaram-se e aliciaram alguns que estavam dentro, criaram esse conflito e hoje a gente vê o que está acontecendo aí pelas redes sociais", sublinhou.

Acusações

Sobre as acusações de racismo, evasão de divisas e a imposição da vasectomia aos pastores, Alberto Segunda considerou-as "infundadas", considerando que são apenas "pretextos para justificarem os seus atos criminosos".

"Para justificar esses crimes, eles usam narrativas, mentiras, para dizer que dentro da IURD há racismo, há imposição na vasectomia, coisa que não existe, porque quando as pessoas decidem fazê-lo, fazem voluntariamente", referiu.

O pastor angolano admitiu que a "realmente a igreja orienta" a realização da vasectomia, "até por conta da própria dinâmica em si da igreja". "A obra de Deus (faz-nos movimentar) hoje estamos aqui, amanhã estamos num outro país, fizemos a obra de Deus em vários lugares, então somos orientados a fazer a vasectomia ou um planeamento familiar de maneira a podermos ter mais disponibilidade a servimos a Deus", explicou.

Mas, "não há imposição nenhuma, não há racismo, até porque a maioria dos pastores brasileiros que aqui estão são negros, a maioria dos pastores que convergem à IURD são angolanos, onde é que há o racismo? Eu sou angolano", disse Alberto Segunda, reforçando que há pastores que têm filhos, muitos com dois, três filhos, existem nesta altura mulheres e esposas de pastores grávidas.


Relativamente ao processo que se encontra na justiça, o porta-voz da IURD manifestou confiança na justiça, que em momento oportuno virá a público para se provar a verdade.