Luanda - A ideologia maxista/leninista é eximia em criar “escravos políticos” que ajudam a difundir os seus valores e expedita em despachá-los (por humilhação e morte) quando não já convêm, assim desaparecem da cena política com atributos de "malditos" (se simplesmente foram humilhados) ou de “heróis” (se foram mortos ou forçados a morrer). “Graças” a essa ideologia nos actos fúnebres de figuras políticas ou militares ouvem-se disparates do tipo “trata-se de uma perda irreparável!” (fazendo referência a um defunto que nos últimos anos da sua vida já não servia para nada) ou “foi um patriota convicto!” (quando as suas ideias enquanto viveu nunca foram levadas em conta) ou ainda “partiu prematuramente!” (quando estava cansado de idade e de humilhações).

Fonte: Club-k.net


Essa onda de discursos hipócritas percebe-se nos elogios que vou apreciando por aqui e por ali a propósito do passamento físico do General Kundi Paihama. Para os “comunistas” que vão fazendo esses elogios sabe-se que procuram apresentar apenas a parte “santa” da pessoa de quem sabem que desprezaram e humilharam enquanto viveu e nisso perde-se a oportunidade de se revelar a pessoa na sua verdadeira essência, ou seja, com os seus defeitos e virtudes. Por isso, alinho-me ao coro dos elogios para trazer algumas facetas que faltam no puzzle que está a ser montado para completar a imagem de Kundi Paihama.


Para quem, como eu, que viveu as vicissitudes da sociedade luandense dos anos 80, sabe bem que Kundi Paihama tinha a reputação de um homem duro e obstinado nas suas atitudes e decisões. Usando palavras simples “era mau!”. Por isso mesmo, era temido até por pessoas que nunca o tinha visto ou escutado. Eu, um catraio nessa altura ficou-me a “fama” de Kundi Pahiama através de um episódio vivenciado por um amigo cuja família viu-se precipitado ao rés-do-chão da miséria pelo simples facto de seu tio, um gestor “fabricado” pelo partido, ter sido surpreendido a jogar cartas na unidade económica que dirigia e em consequência ter sido exonerado a “galhetas” pelo comandante Kundi Pahiama, então Ministro da Esfera Ideológica, Inspecção e Controlo Estatal, um super ministério de atribuições e funções de utilidade duvidosa.


O homem que apanhou uma "galheta" em pleno quintal da U.E.E (unidade económica estatal, como eram conhecidas as empresas públicas) não teve tempo de recolher as cabras, galinhas e outros haveres pessoais com os quais tinha criado ambiente de moradia familiar na empresa que dirigia. Mal refeito da tontura viu-se substituído por um novo gestor escolhido entre os seus subordinados igualmente alinhado com os restantes trabalhadores na parada improvisada. Não foi o único momento que gravei da fama do comandante. Aqui e ali ouviam-se cenas de “bofas” e “galhetas” que o comandante patrocinava nas suas visitas de surpresa que fazia nas unidades económicas estatais e outros estabelecimentos públicos. Diga-se que vivia-se um clima da pânico quando se soubesse que Kundi Paihama estava a porta de um estabelecimento público qualquer. Nisso não faltavam os makuenzes (soldados) e os kabombas (agentes da polícia) a serem igualmente alinhados pessoalmente pelo ministro de quem já mal se sabia a verdadeira função do seu pelouro. Em resumo, o “comandante” tratava da saúde de quem se lhe atravessava o caminho com ares de militante irresponsável. Um equivalente seu dos tempos mais recentes, pela fama, foi o General Zé Maria de que se dizia não tolerar soldados mal ataviados com os quais cruzava nas ruas.


Mas é claro que Kundi Paihama, não fazia a figura de mau por mera vontade de ameaçar as pessoas. Encarnava uma seriedade que nunca foi assumida pelo seu partido e essa seriedade fê-lo levar a sério um patriotismo que nunca existiu entre os seus companheiros de militância partidária. Viveu uma realidade falsificada tal como são falsos os elogios com que vai sendo adornado por muitos dos seus companheiros.


Infelizmente, os elogios a esse filho do sul de Angola e destemido soldado não levam em conta os sacrifícios que consentiu ao assumir-se como pessoa má diante de milhares de pessoas que se viram na pele de vítima de muitas das ordens que executou em nome do partido. Não levam em conta que Kundi Paihama deu a cara executando a vil vontade do partido-Estado aí onde muitos “camaradas” não tinham a coragem de fazê-lo.


Com sua frontalidade e sentido de prontidão, própria de homens honestos, Kundi Paihama foi muitas vezes utilizado para teatralizar uma ordem e disciplina que nunca foi levada a sério pelos seus superiores e tudo para convencer a sociedade de que estávamos diante de uma governação séria que nos últimos tempos veio revelar-se como uma “agrupação de larápios” que extorquiu por anos a fio o erário público, estando a merecer perseguição com o rótulo de “marimbondos”. Caso para dizer que Kundi Paihama, com sua faceta de homem comprometido com a pátria, fez-se vítima da hipocrisia do seu tempo. Descanse em paz!