Luanda - Ponto prévio VII: Perante a pandemia Covid 19, cada um deve fazer a sua parte, pelo que é reservado aos, investigadores, estudiosos, enfim, proporcionarem neste período do estado de (emergência/calamidade), entre outras, artigos acadêmicos capazes de transformarem a quarentena versus fica em casa versus isolamento social, não momentos de tédio e de inércia mas, momentos de aumento de conhecimento do domínio científico-social na sua transversalidade, com enfoque sempre que possível (para nós angolanos), sobre a realidade histórico-social da nossa pátria – Angola, (a verdadeira história de Angola ainda está para ser contada), razão pela qual me propus a partilhar esta nova temática.

Fonte: Club-k.net

Uma fragilidade por falta de uma Política Nacional de Fronteira

O 1.o Semestre de 2020, foi fertil na apreensão de “quantidades substanciais de combustivel” em processo de contrabando para a República Democrática do Congo, particularmente. Pelo meio de novas técnicas de camuflagem em locais ousados e arriscados de carrinhas e camiões, os contrabandistas foram supreendidos também pelo aprimoramento por parte das forças de defesa e segurança destacadas ao longo da fronteira, de novos meios e técnicas apuradas de deteção deste contrabando.


Não sendo um caso ímpar, convenhamos destacar que o contrabando de combustível, a reexportação de produtos da “cesta básica”, o trafico de órgãos e de seres humanos, as transacções financeiras versus dinheiro falso, enfim, sempre imperaram ao longo da fronteira da Angola com os países limítrofes, com particular destaque na fronteira com os “Congos”.


Compreender esse fenómeno implica identificarmos a existência ou não de mecanismos, instrumentos ou políticas de Estado, capazes de mitigarem este fenómeno ou constitui-lo como um barómetro de intervenção política, económica e social deste mesmo Estado, na sua relação transfronteiriço, também entendida como POLÍTICA NACIONAL DE FRONTEIRA.


Literatura diversa converge na conceitualização de POLÍTICA NACIONAL DE FRONTEIRA, como um instrumento congregador das diversas dinámicas que ocorrem ao longo do ambiente transfronteiriço, consolidadas pelos Estados, visando dar respostas adequadas e coordenadas, à situação, em norma numa perspectiva de identificação de áreas vantajosas de investimentos e cooperação com países limítrofes.


UMA ABORDAGEM ACADÉMICA ASSENTE NA ANÁLISE CRÍTICA DESCRITIVA


Compulsado a cronologia historico-institucional, remonta ao ano de 2010, o inicio pelo Executivo angolano, de uma abordagem sobre questões fronteiriças com a realização na cidade do Úige (entre os dias 13 e 15 de julho), do 1.o ENCONTRO DOS MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES, DO INTERIOR,DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO, JUSTIÇA, ASSISTÊNCIA E REINSERÇÃO SOCIAL, COM OS GOVERNADORES DAS PROVÍNCIAS QUE FAZEM FRONTEIRA COM A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO, cujo grau de implementação das suas recomendações, condicionaram a realização do 2o encontro em 2011.


Pelo meio foi realizado um SEMINÁRIO SOBRE A REVITALIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA entre os dias 22 e 23 de Outubro de 2012, com o objectivo de se traçar estratégias para a implementação das políticas com os países limítrofes numa perspectiva política, económica e social extensivo ao controlo e apoio a comunidade angolana residente nos países limítrofes ao qual estava subjacente na altura o reinício do programa de repatriamento voluntário dos refugiados angolanos.

O facto da Republica do Congo, RDC, Zámbia e Namibia situarem-se numa zona de influência geoestrategica de primeira ordem para a segurança interna de Angola, tornou prioritaria a discussão das questões sobre emigração e imigração, demarcação e delimitação dos marcos fronteiriços, tratados internacionais, comercio, investimentos públicos e privados, internacionalização das empresas angolanas, estado das comunidades angolanas, registo e identificação civil, casas de culturas, repatriamento entre outros.

Entre as recomendações do Seminário, ficou subjacente a necessidade de uma nova visão de cooperação face aos múltiplos desafios na relação com os países vizinhos, necessidade de uma nova filosofia para a cooperação transfronteiriça para um papel mais activo nas relações com países vizinhos, ajustar a politica migratória a realidade da altura, bem como potenciar as ligações internacionais ferroviárias.


A viragem qualitativa dessa abordagem aconteceu entre os dias 3 e 4 de Julho de 2014, com a realização da REUNIÃO METODOLÓGICA COM OS GOVERNOS PROVINCIAIS E ADMINISTRAÇÕES MUNICIPAIS DAS PROVÍNCIAS ANGOLANAS FRONTEIRIÇAS, CO-ORGANIZADA PELOS MINISTÉRIOS DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO, DO INTERIOR E DAS RELAÇÕES EXTERIORES, um forum mais estruturado em que foram partilhados temas ligados as questões fronteiriças numa perspectiva de orientação metodologica às Entidades presentes dos Órgãos da Administração Local do Estado (Governadores Provinciais e Administradores Municipais), sobre os procedimentos de actuação no relacionamento e na celebração de tratados internacionais particularmente com congéneres fronteiriças.

Nota marcante no discurso de abertura proferido pelo Ministro das Relações Exteriores, então o Dr. Georges Rebelo Pinto Chicoty, Presidente da Reunião, consubstanciou - se na preocupação do Executivo sobre os diversos problemas que ocorrem ao longo da fronteira, particularmente a norte do país bem, como na necessidade de tornar os resultados da reunião, premissas para a elaboração futura de uma política de fronteira adequada e ajustada as circunstâncias actuais.

Uma política nacional de fronteira adequada e ajustada as circunstâncias actuais de Angola, passaria por congregar dinámicas como, (i) relacionamento e cooperação dos governos provinciais e administrações municipais com congéneres fronteiriços, (ii) critérios de admissão de seitas e igrejas ao longo da fronteira, (iii) criterios da reinserção dos refugiados e de repatriamento ao longo da fronteira, (iv) registo e atribuição de documentos de cidadania nacional aos angolanos que vivem ao longo da fronteira, (v) combate a imigraçao ilegal, (vi) determinação do estado dos marcos fronteiriços e geodésicos, (vii) organização de mercados fronteiriços, (viii) controlo zoofitosanitário ao longo da fronteira, (ix) vigilância epidimiológica integrada e resposta uniformizada às epidemias.

Num outro patamar e mais recentemente, a abordagem institucional icluiu a construção de plataformas logísticas em locais potenciais de comércio transfronteiriço e a construção de infra-estruturas de apoio ao transporte fluvial, particularmente entre Angola e Zâmbia, algumas das quais com algum grau de execução física, mas sem operacionalização adequada.

De fora, ficou a abordagem institucional sobre como aproveitar o potencial energético de Angola, nomeadamente o petróleo na relação com os países vizinhos deficitários dos seus derivados (como gasolina e gasóleo), pressupondo em si um mercado económicamente viavel. Em termos de visão estratégica, isto passaria pala construção de refinarias de “médio/grande porte”, dimensionadas a cobrirem as necessidades internas e de exportação dos derivados aos países da região, cuja propalada construção das refinarias, do Lobito, Soyo, Namibe e mais recentemente de Cabinda, alimentou o ego de todos nós angolanos.


Não ocorrendo até a data este potenciamento de transformação interna dos derivados do seu petróleo, Angola vê-se a braços com a reexportação desses mesmos derivados, de forma ilegal para as Republicas, do Congo, RDC, Zámbia e Namibia com enormes prejuízos para a economia nacional, numa “luta incessante e sem fim a vista, da parte das forças de defesa e segurança ao longo da fronteira”, pois que a necessidade assente na lei da procura e
oferta, só é resolvida com o aumento da oferta.


Sem querer particularizar a questão do contrabando de combustível para os “Congos”, a conjuntura actual do país, levanta novamente a necessidade do Estado angolano dotar-se de uma POLÍTICA NACIONAL DE FRONTEIRA, capaz de harmonizar as intervenções sectoriais em termos de projectos ao longo da fronteira, num primeiro momento com a “institucionalização” da Reunião Metodológica com os Governos Provinciais e Administrações Municipais das Províncias angolanas fronteiriças, co-organizada pelos Ministérios da Administração do Território, do Interior e das Relações Exteriores.

Em função da importância dos assuntos transfronteiriços o Estado angolano poderia designar um MINISTRO SEM PASTA (“...é comum nomearem-se Ministros que se ocupam de assuntos considerados importantes e em determinado período de tempo, mesmo sem que se criem Ministérios correspondentes. São os chamados Ministro Sem Pasta cuja designação cria confusão a muita gente...” Correio da Semana, N. 49, ano 3) para, a médio prazo, sistematizar as principais e actuais dinámicas fronteiriças, estabelecendo uma coodenação de actuação sectorial, capaz de optimizar as relações com os países vizinhos, numa perspectiva de aumento de cooperação e extensão de investimentos (no caso a implantação da SONANGOL) com a abertura de infra-estruturas de comercialização de derivados do petróleo ao longo da fronteira.

A guisa de conclusão, o contrabando de combustível para os “Congos” não pode ser tido e visto como um fenómeno ilícito e criminal em si mesmo, mas uma oportunidade do Estado angolano, enquanto detentor de recursos petrolíferos, ganhar a hegemonia da sua comercialização nos países vizinhos, pelo que o processo de construção das refinarias do Lobito, Soyo, Namibe e de Cabinda, deverá ultrapassar os constrangimentos crónicos de ordem “concursal” e avançarem na prática, para que a médio prazo, Angola desenpenhe o seu verdadeiro papel na comercialização dos derivados do petróleo nos países vizinhos em particular e, na região austral no geral.


Eduardo Lisboa – Mestre em Governação e Gestão Pública